definitivamente, não gosto de teatro de revista: os palavrões gratuitos, a gritaria, o som a estourar-nos os ouvidos e os actores a berrar como se toda a plateia sofresse de uma surdez colectiva. Os sketches ínfimos, cheios de piadas fáceis, ouvidas e revistas até à exaustão - as palmas a toda a hora, as ordinarices. Não esperei para saber o desfecho.
Quando os psicofodidos e desiluminados se encontram, almoçam no Zé Manel dos Ossos e deabulam pela cidade que (já não) é nossa, a coisa descamba com Mr. Lekker a lançar piropos ao empregado de mesa: Mudaste de perfume ou vieste até aqui a correr?
(Psicofodido, mas não parvo, que a coisa só foi audível por quem praticamente desfalecia com o odor do pobre senhor).
No próximo encontro, a ordem de trabalhos cinge-se à problemática assaz pertinente da placa para o Penedo da Saudade.
O Primeiro informa também que a subida da temperatura registada nestes últimos dias e que proporcionou um Natal mais aprazível a todos os portugueses e portuguesas, também é da responsabilidade deste Executivo, que se tem pautado por uma incansável labuta em prol do bem estar da nação.
e nada, nada a não ser amoras
amoras dos dois lados, embora mais à direita,
uma álea de amoras, descendo em curvas fechadas, e um mar
algures, lá longe, arfando. Amoras
tão grandes como a cabeça do meu polegar, e mudas como olhos
negros nas sebes, repletas
de um suco azul-vermelho. Este desperdiça-se nos meus
dedos.
(...)
Para além de uma curva, as bagas e os arbustos acabam.
A única coisa que vem a seguir é o mar.
De entre duas colinas sopra contra mim um vento súbito,
Sacudindo como fantasmas a sua roupa branca contra o
meu rosto.
estas colinas são demasiado verdes e suaves para terem
saboreado o sal.
Sigo, entre elas, a vereda aberta pelas ovelhas. Uma última curva leva-me
até à face norte das colinas, e a face é uma rocha alaranjada
que olha para nada, nada a não ser uma grande extensão
de luzes brancas e cor de estanho e um ruído como o de
um ourives
batendo sempre um metal rebelde." Sylvia Plath
por vezes apetece-me fazer minhas as palavras dos outros: sempre tão perfeitas, tão sem malícia, tão pensadas e divinalmente depositadas no teclado. A extremidade da caneta treme só de sentir o aproximar daquele pensamento tão sublime que só pode sair daquele cérebro (ó, quanto neurónios sinapsados comporta aquele crânio!).
Por vezes, apetece-me não ser tão banal - normal - e cometer um daqueles actos que nos outros ganham significado.
Não era exactamente assim, mas está mais parecido.
Depois da catástrofe da desconfiguração que limpou o template que a muito custo havia modificado num verão qualquer (acho que o de 2006), tive que optar por um outro menos satisfatório. Hoje, o Jorge relembrou-me o saudoso template que havia sido criado à força da minha ignorância, com códigos que jamais conseguiria reproduzir de novo. Andamos os dois nisto e ficou assim: não exactamente igual, mas o mais próximo possível do que a memória nos ditou - e que o blogger deixou*.
*Se alguém souber como posso colocar uma linha de divisão entre posts agradecia.
Onde é que se arranja dinheiro fácil? Óbvio. Com o people dos recibos verdes. Ainda por cima são desorganizados, os infelizes, uma massa disforme em permanentes manobras de equilibrismo. É a nova empregabilidade, minha gente: gente que trabalha sempre com o credo na boca e no bolso.
A quem sacamos? Ao people dos recibos verdes, claro.
Bem, a coisa acabou por correr mal. Afinal, as gentes dos recibos ficaram verdes... e pior, não ficaram calados. A gente esqueceu que o pessoal dos recibos verdes já é muita gente. E que começa a conversar, a ajuntar-se e a parecer querer organizar-se. E a gente já não conseguiu sacar dinheiro a essa gente, assim de fininho, como a gente gosta.
Sorry? Traidor a quê? Ao partido que foi Socialista e que agora só ostenta o título?
Não será por fazer oposição que será o traidor. Traidores são os outros, que enchem o peito ao dizer o meu partido, mas que não fazem ideia do que significa dizê-lo, ou melhor, até sabem, que o seu partido é o do poder pelo poder. O resto são cantigas. E não são as do Manuel.
adormeci com o rádio ligado: a música não me incomodava o sono. Depois, vi-me deitada no chão, sobre uma manta dobrada em quatro. E eu, agarrada ao telefone, falava, falava. Debitava pensamentos dolorosos, risos, suicídios intelectuais e afins, também partilhava silêncios. Às tantas, incerta da sua resistência à minha inconstância verbal, chamei-lhe o corpo só para ter a certeza que ele ainda vivia do outro lado da linha telefónica. Segundos depois os Prodigy berravam pelo telemóvel arrancando-me do sonho. Horas mais tarde, confessei-lhe que sonhara que ele adormecera com as minhas histórias e estorietas.
Quando o circo chega à cidade (é natal, é natal), é preferível imaginar um outro cenário:
sábado, 13 de dezembro de 2008
"Eu sinto que a verdade é a grande calma do sono
Que vem com o cantar longínquo dos galos
E que me esmaga nos cílios longos beijos luxuriosos..." Vinicius de Moraes
Análise rápida ao País nos últimos tempos (subsídios para uma aula de marquetingue do bom):
Existem os professores, que representam a incompetência, o facilitismo, o laxismo, os sugadoiros dos impostos de todos os outros. Em suma, os privilegiados.
E depois há todos os outros: competentes, sérios e mal pagos.
Ando fascinada com a psicofoda e principalmente com os psicofodidos. Mal posso esperar para que surja em um qualquer manual escolar. Despsicofodei-vos! - dizem as escrituras. É preciso responder ao apelo.
Será apelo um termo demasiado psicofodido?
E fascínio? E principalmente?
Será a psicofoda um termo, também ele, psicofodido? Esperaré de certeza um termo psicofodido, porque é assim a atirar para o místico.
Ok, despsicofodei-vos, mas devagarinho.
Hoje respondi a um inquérito em que tinha que apresentar soluções "para a crise" (suponho que da escola, se bem que podemos levar a coisa mais longe e questionar porque não entra a crise em crise). Well, ocorre-me agora que posso propor que se transite da escolar/social/whatever para a existencial (no caso, to be or not to be a witch). Sempre será uma lufada de ar fresco.
"Existe um ser que mora em mim como se fosse casa sua, e é." In Contos de Clarice Lispector
No dia em que Clarice morreu, eu não a conhecia; balbuciava muito poucas palavras e estava longe de perceber a importância que teriam na minha vida. Enquanto acordava lenta e preguiçosamente para a palavra, Clarice morria.
Não me recordo exactamente do dia em que conheci Clarice. Leram-nos um excerto, e foi lido só para mim. Durante muito tempo deambulei por prateleiras vazias de Clarice, a ausência a pautar a não leitura.
Até que começaram a chegar. Os títulos. Tacteados cegamente através de pesquisas à descoberta; primeiro A Paixão Segundo G.H., onde reencontrei as primeiras palavras ouvidas. Depois, A Hora da Estrela.
Neste último ano, olhar de gigante: Laços de Família, numa frenética batalha contra a partida de Coimbra, face à impossibilidade do livro nas prateleiras da livraria central. Percorreu a cidade em contra-relógio até chegar a mim, com o táxi à espera ao virar da esquina, suspirando apenas pelo meu passo apressado carregado de Clarice. No Verão, Os Contos lidos aleatoriamente, aqui e ali, dia atrás de noite de dia, quando o espírito se isolava nas ausências que pauta(ra)m os dias.
Agora, novamente livro de cabeceira, companheira imortal: o livro mais custoso, UmaAprendizagem ou o Livro dos Prazeres, adia um outro que aguarda: no escuro, a maçã.
Em todos os dias que toco num texto de Clarice e o incorporo e lhe ofereço a minha pele - e o meu assombro e o meu sal - Clarice ainda (nunca) não morreu.
Há já algum tempo que Oh, My (Private) Lord não prega por cá. Oremos, pois...
"Here I sleep the morning through
'Til the wail of the call to prayer awakes me
And there ain't nothing at all to do but rise and follow the day
Wherever it takes me.
I stand at the window and I look at the sea
And I am what I am, and what will be will be.
(...)"
Desconheço a razão para o imeem não identificar a faixa. Chama-se Opium Tea e faz parte do álbum B-Sides & Rarities
Quando sentiu o carro a bater soube imediatamente que tinha morrido. Ouviu o estrondo e, de seguida, sentiu o sangue quente e pegajoso a escorrer-lhe pela boca. Mas o pior era o homem do carro de trás, que se dirigia para si, esbracejando.
Quando se aproximou do carro abriu a sua grande boca em forma de gruta e deixou ver os caninos apodrecidos e amarelados das misturas de café e cigarros tardios.
Joana não sentiu medo. Queria fechar o outro olho. Sabia-se morta e a claridade incomodava-lhe o descanso mortal. Esperava, ao menos naquela altura, sentir a paz tão ambicionada.
Nunca sonhara morrer num acidente rodoviário, mas não desprezara os choques mortais ou as quedas acidentais. Ser atropelada é que já estava fora de questão - havia que preservar a integridade na hora da partida e a ideia dos órgãos espalhados pela estrada arrepiava-a.
Pois como docente, se me cruzar com esta senhora, manifestar-lhe-ei o meu pesar. Lamento sinceramente que excessos destes sejam cometidos. É inadmissível que se faça disto em nome do que quer que seja (ressalvo que fiz greve, que contesto o autismo do Ministério e o diabo a quatro).
E Jorge, se um tipo me cantasse qualquer uma delas*, só não casava com ele porque não acredito em contratos dessa natureza. Qual Beaaatle, qual carapuça!
*Como podes calcular, a mim ninguém me pede que cante o que quer que seja, por isso a situação teria que ser inversa.
Não acabas com a brincadeira, que não deixo. Com essa melodiazinha? Pffff! Muda lá isso que esta troca de impressões não pode acabar dessa forma tão insípida. E começaste tu tão bem, com My Private Lord (tudo bem que entretanto tiveste aquele pequeno deslize com o Love Me Tender, mas pronto). Não considero que seja A canção de amor (Deusa, ouvir Porque Não me Vês é sublime), mas se andas nessa coisa da pele, cá fica esta, para limpar o ouvido de audições menos felizes.
- Consegues abrir isto?
- Não, mas, daqui a duas semanas, quando o N. vier eu peço-lhe para abrir.
- É..., de facto um homem faz muita falta em casa... Tenho dois frascos de compota caseira que não consigo abrir! E uma é de figos!!
"CAPÍTULO PRIMEIRO, no qual um desejo é satisfeito, na Arca de Noé não há lugar para as ratazanas, do homem apenas fica o lixo, um barco muda várias vezes de nome, os dinossauros extinguem-se, um velho conhecido entra em cena, um postal traz um convite para uma viagem à Polónia, pratica-se o andar erecto e faz-se malha com toda a força.
Como prenda de Natal pedi uma ratazana, embora a minha esperança fosse que me ocorressem as palavras iniciais de um poema sobre a educação do género humano. Para dizer a verdade, queria escrever sobre o mar, sobre o meu charco báltico, mas o bicho ganhou."
"Finalmente, a crónica é propositadamente críptica e chocante na sua linguagem, exibindo assim na sua própria construção o tipo de criptomania que só é apreciada num contexto de opressão social em que o leitor sente que poder parafrasear umas partes dá prestígio social. Mas como a crónica não se insere nesse contexto, não suscita o interesse hermenêutico que suscitaria se o estivesse."
Desidério Murcho, sobre a crónica do Público (post no De Rerum Natura)
Para uma crónica críptica (a primeira) um título condizente (o deste post).
O Baby_Boy_Slim, que tem uma paciência digna de Job, (compro)mete-se uma vez mais a organizar um jantar de bloggers na Madeira. O primeiro, que se realizou o ano passado, contou com um público exclusivamente masculino. Ora, como não queremos que a brincadeira se repita, já nos chegamos à frente e assinamos por baixo.
Serve este post para informar os mais incautos que por cá cirandem no dia 22 (data do repasto), que há convocatória e é para assinar lá no sítio do costume.
Como gostei de ler o teu comentário à crónica do Desidério! Aqui fica parte dele, porque merece ser lido:
"(...) Mas partamos então para o que diz. Mais uma vez os seus alvos são claros. Para que não seja dito que não sou específico no meu discurso, apontarei brevemente a quem me refiro: a filosofia "continental" e o seu alvo predilecto, Jacques Derrida. Fá-lo partindo de Platão e de uma suposta aristrocacia latente na "Alegoria da Caverna". Fará sentido essa interpretação se nos cingirmos a uma leitura literal da mesma, tendo por base a biografia platónica. Como sabemos, pelo menos os que se dedicam a um estudo um pouco menos superficial de história da filosofia, Platão está bem longe de ser um democrata dos sete costados, defensor da igualdade e fraternidade universais. Portanto, obviamente, esta alegoria serve exactamente para estabelecer uma fronteira e demarcação.
Partamos contudo de um outro pressuposto. Platão seria somente mais um dos filósofos antigos de que apenas nos restou um breve sussurro. E que nada sabemos da sua biografia, convicções, princípios políticos ou outros. E, deste modo, o que nos restou foi exactamente esta alegoria despida já de toda a carga biográfica platónica e de todos os pré-conceitos anteriores. Será a leitura a mesma? Não será possível outro modo de ler, analisar e reflectir sobre o mesmo excerto? Mesmo sabendo quem é o seu autor e conhecendo sobejamente a sua biografia?
No que concerne à clareza sou totalmente incapaz de perceber de que modo a sua paródia, com um jogo de palavras (no mínimo) de gosto duvidoso, vem fortalecer a sua argumentação.
Considero também que a analogia final é bastante forçada. Comparar a cultura, segundo o aristrocata, ao mijo de cão poderá ser uma imagem forte mas jamais será um bom argumento."
Cá está algo que tenho que corrigir: o hábito (que começo a achar de alguma forma mórbido - espero que a utilização do termo não seja nem obscura nem pedante) de ler a crónica do Desidério Murcho e ficar profundamente irritada (isto suponho que seja permitido, já que é cristalino o entendimento sobre a irritação). Não me leiam mal, eu não acho que tudo o que escreve é lixo. Algumas crónicas são pertinentes. O problema surge quando, sob a égide de uma suposta clareza, o autor derrama uma série chorrilhos que pode ser confundida com reflexão a sério, uma argumentação válida ao bom estilo de quem o faz de forma clara e distinta.
A crónica desta semana pretende ser, uma vez mais, uma defesa dos problemas, argumentos e teorias mais sérias da Filosofia* (quantas/quais são, quantas/quais são?) em detrimento da "cultura de fachada" e dos autores que "toda a gente refere mas ninguém leu seriamente" (terá o autor da crónica lido?).
E se na outra eram bestas, nesta passam a fachos, esses citadores de autores (e os próprios autores, suponho) que ninguém lê seriamente e que se dedicam à agricultura de fachada. A dúvida que me fica é a seguinte: a que autor se reportará, desta vez, o uso de "facho"?
E já agora, que pretende a crónica desta semana cultivar?
*Com letra maiúscula, espero que não ofenda ninguém.
Sofrimento e escuridão, porque mesmo os amores mais felizes (e são possíveis?) encerram o temor ao desamor. E pronto, eu sabia que isto havia de chegar a post e com mais tempo volto (que agora tenho que me dedicar a coisas mais prosaicas, tais como a negação de proposições, contra-exemplos, psicofisiologia e psicologia social).
PS: (a sugestão do Luís de Sweet Jane pelos Cowboy Junkies também é muito pertinente)
...e surge uma lullaby à segunda, de Restauração - a semana em suspenso, ainda por inaugurar a rotina semanal. Mas não é desculpa. Segunda não é dia de canção. Mas também não é só pela cantoria que por cá aparece. Serão os tempos ingénuos, o sentimentalismo atroz próprio da época (e a mim?) que me fez sorrir ao ver o vídeo que coroa a melodia. Aqui fica.
Por entre o que se continua a escrever sobre a classe docente e as declarações da Ministra (que não li, apenas tomei conhecimento aqui, note-se*) não pude deixar de me rir: espero que muitas mais criancinhas escrevam à Ministra a fazer juras de fidelização ao PS. Eu fiquei particularmente tocada pelo facto de a Ministra se ter revelado tocada. Na verdade, não tarda nada andamos é todos a toque de caixa (ainda tarda?).
E ainda se afirma à boca pequena que este Ministério não percebe nada de adestramento, perdão, Educação. Oh injustos! Oh descrentes! Em verdade (??) nos dizem: este é o Ministério que nos conduzirá à salvação!
Eu nunca tinha ouvido falar de Manfred Karge. Mas quero ler-lhe os textos - e guardá-los, que sou possessiva em relação aos textos guardados em livros - que raramente consigo dar .
Acabei de lhe ouvir um, nas vozes de Beatriz Batarda. E a aliança é soberba, da palavra escrita à dita, numa relação simbiótica. Eu nunca tinha ouvido falar de Manfred Karge e apanhei-me na penumbra da sala a tentar anotar fragmentos de texto às cegas, com medo que se me escapassem (e escaparam). E claro, reconfirmei esta minha inclinação pela palavra: os pormenores cénicos escapam-se-me na catadupa do texto. Eu quero é mergulhar na palavra e no rosto daquela mulher que as diz, que as sente, que as modela com a massa do seu corpo tornado muitos.
E especialmente para o Jorge*, uma das minhas anotações (trémulas, provavelmente com termos imaginados, recontados, como geralmente acontece nestes casos): "Opressores e oprimidos todos ao monte e aos pontapés. Quem sabe onde começam uns e acabam os outros?" - e aqui já não sei se no plural, não sei, anotei assim, mas já tinha sido dito, já estava mais à frente no texto, o texto a ser dito e o meu ouvido a correr freneticamente atrás dele, ele a escapar-se por entre os lábios, por todo o corpo daquela mulher que enchia o palco. E a plateia, com os risinhos idiotas de coisa com graça nenhuma. Inúteis, sussurra a determinada altura a personagem (e a actriz). Somos nós, os imprestáveis Com toda a razão. Inúteis**.
*Diz-me lá que agora é a guerra total e eu acredito e acho-te graça e aceno-te com uma tocha (ai, Prometeu, Prometeu).
**Este é também um post absolutamente inútil (como aliás quase todos os que tenho assinado por cá, com excepção dos que se reportam ao D.M.)
Deixo aos homens que frequentam este blogue um endereço a visitar, e uma petição a assinar (caso concordem com o teor da mesma, que só apela para o repúdio da violência contra a mulher).
Venho comunicar-te a morte de Maria: morreu horas depois de a ter trazido cá para casa a ocupar o lugar que lhe era devido. Bem sabes que apesar das tuas censuras há muito lhe havia perdoado e que durante todos estes anos tudo fiz a fim de a forçar a regressar. Não me pesa, pois, a consciência, só me restando agora chorá-la... Perdoa-lhe tu também e pede por ela nas tuas orações, a pobre foi bem castigada: teve uma morte terrível depois de uma agonia lenta e pavorosa de ver.
Que vou fazer agora da minha vida se a consagrei até hoje a perseguir a dela com a finalidade única de a trazer ao bom caminho e ao dever? E afinal, qual a sua morte... ou eu com o meu poder?
Teu desgraçado filho
António."
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa
Novas Cartas Portuguesas
O Menino da Rádio, que conhecemos prendado, acompanha o programa de rádio que não ouvimos com um blog recém inaugurado. Chamamos a atenção para a rubrica particularmente interessante "Tudo menos Kizomba". Desejamos ao menino gostoso que o programa e o blog sejam um sucesso. Ainda que por cá só distribua pérolas a porcos...
O nosso Mr. Lekker, o meu declamador favorito do Cântico Negro dedica-se, a partir de agora, a partilhar a sua voz em frequência que dificilmente nos chegará. Ainda assim, cá fica o spot do programa, em que a profundidade da sua voz me leva a exclamar: "Arre! Parece mesmo o homem do alto!"
Já anteriormente expressei algumas impressões sobre os sindicatos (nomeadamente a Fenprof) que representam a classe docente.
Os tempos são difíceis, mas esta gente, após uma desorientação inicial face ao descontentamento generalizado dos docentes, depressa se organizou e chamou a si uma luta que não é claramente a deles. Porque o que os docentes pretendem não passa por protagonismo, ou agendamento político, ou posições extremadas e infantis. E quando um suposto representante assume esta postura, outra leitura não pode ser feita e obviamente pretende estender a toda uma classe um posicionamento arrogante, inconsequente e pueril que a maioria certamente não aprova. Não sou representada, recuso-me categoricamente a ser representada por este senhor, quando arrogantemente repete o comportamento autista que o Ministério tem adoptado em relação a esta questão. Uma vez mais, shame on you.
... mas libertador para mim. Termino finalmente esta penosa tarefa de desclassificadora, em primeiro momento de avaliação. Deixo por algum tempo esta tarefa de Sísifo, em que o rochedo a carregar montanha acima é mais pesado que habitualmente.
Continuo a desclassificar; mas é uma desclassificação que dispensa, por hora, tintas de sangue, suor e lágrimas: deles e minhas.
domingo, 16 de novembro de 2008
"Acontece. Será sempre assim?
O meu espírito é um rochedo,
sem dedos para me segurar, sem voz;"
O lifelogger abandonou-nos, mas o Jorge - célere como sempre - arranjou-nos solução:
...And you'll wrap up the tears
Of forty thousand gone
Who wish they'd acted out
When they had time
And they had voice
To tempt the furies
The furies are not gone.
Pede-me o Jorge que comente esta decisão do Governo Regional: por decreto, serei classificada como boa professora no final deste ano. Contudo, ainda que seja uma situação absurda, a verdade é que não será pior que o rumo decidido pelo Ministério da Educação, quando prevê o número de professores classificados como sendo excelentes ou muito bons e estabelece um tecto para tal.
Temos assim sucedâneos de absurdos, no reino da (des)educação. E uma proposta de avaliação que passa por uma tentativa de controlar ainda mais as escolas em prol das estatísticas e da fotografia na UE. Toda uma classe que se quer transformada em burocratas, manipuladores de papéis e estatísticas. Uma classe de funcionários públicos, numa repartição pública, a preencher formulários e a impingir produtos a vazio.
Quer-se esmagar o pouco espírito crítico que ainda resiste à petrificação de uma escola desejada para todos, mas que ainda se regula única e exclusivamente para alguns.
Escrevinho este desinspirado post em momento de pausa em relação a um processo de avaliação. Dos meus alunos. E esta é, para mim, a tarefa mais dolorosa da minha profissão - atribuir classificações a um trabalho de 90 minutos. Com todos os enviesamentos que sei que tal situação possibilita. Que aprendem realmente os meus alunos? Pior, que transmito eu, que os avalio num processo que fomenta a standartização do conhecimento?
Volto à avaliação por decreto. Por mim, podem decretar-me como quiserem; só não me exijam que avalie os meus alunos em função de números e estatísticas, que não me peçam para cegar perante programas rígidos e fórmulas feitas que apenas procuram aniquilar com a possibilidade de uma atitude mais informada e crítica. Meti-me, sem querer, numa fábrica. E agora o meu patrão quer peças exactamente iguais, a um ritmo de produção alucinante. Mecanizam-me as mãos. Por decreto ou por autismo político.
E sinto que algo faço, ao deambular pelas ruas da cidade acompanhada pelos alunos que repetem o poema e encontram-lhe beleza que não resiste à sala de aula. É nestes instantes, ao acaso, que o embalo da poesia não lhes é tão estranho ou distante.
"(...) e ao anoitecer adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia"
Há dias em que não deviamos ter que trabalhar. Este domingo é um deles. Aguardo (im)pacientemente pelo lusco-fusco, em que me liberto do jugo das classificações a metro e espraio-me em direcção à cegueira.
Há dias assim, longos, trabalhosos... minados pela expectativa da hora do início do seu adormecimento.
Na passada 4.ª feira estive na FIL em função de um projecto que a minha escola adoptou e do qual faço parte. Na sessão de abertura, a real presença de um mandatário da Ministra. Saí quando o indivíduo começou o mantra do costume: "eu tenho um ministério que me ama... que me ama...que me aama... agora no plural: nós temos um ministério que nos ama..."
A culpa é do lifelogger, que não está ao serviço. Lullaby seleccionada desde ontem, impossibilitada de ser ouvida, por enquanto, neste domingo. Aguardemos (im)pacientemente (por mim falo).
Afasto-me cada vez mais da chamada actualidade. Para que quero eu festejar Obama ou carpir o Porto ou resmungar à crise de todos nós?
Deambular, deambular. Palavra de (des)ordem é deambular - pelas páginas de Clarice que trouxe na bagagem (volto à maçã, mas a de Clarice) e de Sylvia Plath generosamente ofertada por mão amiga. Preciosa.
Que se matem todos. E que se elejam. E que paguem a bola a peso de água (que vale mais que o ouro, comentava ontem um colega. "Não pago por um litro de gasolina o que pago por um litro de água num qualquer estabelecimento").
Parêntesis, parêntesis. Gosto, recorro a parêntesis. Toda a minha vida está mediada por parêntesis.
(Hoje) não faço qualquer esforço para ser coerente e séria (uma menina bem comportada lê o jornal e reflecte o prato do dia).
(Hoje) não quero esforçar-me por revestir-me de sentido.
Apenas ler, ler, ler - deixar-me à loucura da palavra.
As palavras são(-me) mais preciosas que água.
ProfessorE - CamÁra - CUUUração - dizerE - fazerE (e muitas mais, que me foge a memória e não anotei).
Mas que tendência é aquela de prolongar as palavras? De as acentuar na sílaba errada?
E o cuidado com a dicçãOOOOO? Não importa?
Pela DeusAAAAAAA!
Ontem era maçã. Mas comeu-a rapidamente e hoje acordou estremunhada com o espaço que a maçã - agora descarnada, caroço tímido, patético até - deixou no seu nome.
Cachimbo. Hoje chama-se cachimbo. E se amanhã acordar fumada, trocará novamente de nome.
Brinco, mas qualquer dia vem o Executivo do Primeiro (detesto nomeá-lo, por óbvia heresia) apresentar isto como exemplo a seguir. Sempre era mais variado, deixávamos a Finlândia por uns tempos...
Depois de suar as estopinhas, rezar às anjinhas e implorar à senhora da bilheteira, lá consegui os bilhetes* para a Orquídea Branca. Em terra acusada de desprezar tudo o que tenha que ver com contemplação (no caso, é favor apurar o ouvido), a verdade é que esta produção tem casa quase cheia nas várias apresentações que ainda estão por cumprir. Restam alguns poucos bilhetes desgarrados, abandonados à sua sorte. A quem não queira deixar passar a oportunidade, recomenda-se paciência e um olhar ao estilo S. Bernardo, a fim de comover os corações emperdenidos das salas quase cheias. "Good night and... good luck."
O segredo está na elaboração das provas. Que aliás, faz todo o sentido, já que temos toda uma política estruturada em função de listas e estatísticas. Seria contraproducente facilitar ao longo do percurso e dificultar apenas no final. O Ministério sabe mesmo o que faz.
"No tempo em que festejavam o dia dos meus anos, Eu era feliz e ninguém estava morto. Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa como uma religião qualquer." A. Campos
Aqui a Senhora (gritos de desespero a acompanhar a palavra imprudentemente grafada ) que tira Jorge C do sério, considera que o tango que decorre há uns meses entre o referido cavalheiro e F é profundamente estimulante para o dito senhor (ora toma, que a coisa pode ser devolvida).
É verdadeiramente inspirador seguir os arrufos, os amuos, os insultos carinhosamente endereçados um ao outro, em que se podem ler (ou imaginar) nas entrelinhas os suspiros, os cabelos arrancados, as faces vermelhas ou o revirar ocular perante a leitura mútua.
A última cruzada envolve uma temática exaustivamente tratada desde o alvor dos tempos. E Jorge, que anda inspirado no assunto (mas não graças a F ou a mim - e que a responsável se pronuncie) discorreu livremente sobre o assunto e deixou na caixa do jugular um dos seus comentários mais inspirados, onde nem sequer faltou a referência ao meu filme de eleição (nos tempos de adolescência): Gone With The Wind. Perante o comentário, fazem vénia todos os outros comentaristas que não se atrevem a esgalhar pálida continuação. E nem a provocação final anula o encantamento do texto.
É obra senhor. Quase lhe perdoo o Senhora.
Eis a palavra que está na base da não aprovação do casamento homossexual no parlamento português. Junto a outros argumentos que são, simplesmente, idiotas, fracturante deu azo às mais diversas perspectivas sobre o assunto.
Começando pelo parlamento, onde a bancada que apoia o governo não aprovou a dita lei por esta ser (adivinhem lá)... fracturante e, desde logo, pouco pertinente. O que eu me vou rir se, e quando, estes que lá andam estiverem na oposição e apresentarem um projecto sobre o assunto.
Na blogosfera é possível ler outros arrazoados tendo por base o mesmo conceito. Minoriza-se a questão, sem mais, porque é fracturante e ser fracturante é coisa de esquerda. Como tudo o que é proposto pela esquerda é idiota, estalinista ou sem sentido, logo... Um verdadeiro argumento sólido! Como é claro, isso de paneleirices é só coisa de pessoal de esquerda.
Por fim, basta-nos dar um salto até à Virgínia e constatar o quão idiota toda esta discussão será dentro de alguns anos.
«Permitir o casamento entre pessoas de raças diferentes significaria necessariamente a degradação do casamento convencional, uma instituição que merece admiração em vez de execração»
«Deus todo-poderoso criou as raças branca, negra, amarela, malaia e vermelha e colocou-as em continentes diferentes. E se não tivéssemos interferido com esta disposição nem sequer estaríamos agora a falar de casamento entre pessoas de raças diferentes. O facto de ter separado as raças demonstra bem que Deus não queria que as raças se misturassem».
Sentença proferida por um juiz do Estado norte-americano da Virgínia que em 1967 condenou Mildred e Richard Loving pelo «crime de casamento inter-racial»
Até lá, e como diria o outro da televisão, façam o favor de ser felizes.
Pior que assistir (e por vezes presidir) a reuniões carregadinhas de burocracia, só mesmo ter de redigir as actas de tais colossos geradores de contagiosos bocejos. Mas isto é vida para uma sexta feita à tarde?
Sob um sol tardio, conversamos sobre a nossa cidade. Do que foi - essencialmente das memórias de meninice - e do que é. Relembro que naquele exacto espaço, há muito tempo, frequentava com a minha Mãe uma oficina de automóveis, igual a tantas outras naquele espaço. Agora não. Limpou-se a zona, engalanou-se o espaço em que o sol é convidado a entrar e desafiar a cor amarelo ocre do Museu que orgulhosamente enfrenta o mar e que encerra a rua.
Elejo espaços de eleição (vide este outro) de quando em vez e, se calhar por neste ter testemunhado uma trilogia perfeita - um magnífico pôr-do-sol, uma Razão maliciosamente empacotada (ah, como gostava de enviar alguns pacotes a DM) e um Morpheu que me inspirou um fim de semana em Setembro - também passou a ser, de certo modo, um outro espaço que transcende a Ilha e a lança para fora do mundo. E estas visitas esporádicas têm a graça de me suspender e projectar no mar. Preciso crer nestes espaços, cada vez mais. Para que a Ilha não se torne irrespirável.
(fotografia de Lucia Alderighi Stringiroubada aqui)
Ah, se eu sabia, erraria, ah, se eu sabia, erraria. E caminharia de mãos vazias, olhos vendados, apenas a ponta dos dedos a tocar o mundo. Ah, se eu sabia, se eu sabia, erraria e não fugiria ao assustador que é prece. Ah, se eu sabia, se eu sabia, erraria e não pararia a perguntar as horas para saber que vivia; seria apenas cega do tempo, tactearia o irreal com a palma das mãos, à flor da pele. Ah, se eu sabia acordaria no desacordo, desacordaria o acordado, rasgaria contrato e tocaria o susto; abandonaria ao medo o instante. Ah, eu não sabia e se eu sabia não erraria julgando errar. Ah, se eu sabia, arderia, ah, se eu sabia, arderia.
"Ah, se eu sei, não nascia, ah, se eu sei, não nascia. A loucura é vizinha da mais cruel sensatez. Engulo a loucura porque ela me alucina calmamente. (...). Diga-me por favor que horas são para eu saber que estou vivendo nesta hora. A criatividade é desencadeada por um germe e eu não tenho hoje esse germe mas tenho incipiente a loucura que em si mesma é criação válida. Nada mais tenho a ver com a validez das coisas. Estou liberta ou perdida. Vou-lhes contar um segredo: a vida é mortal. Nós mantemos esse segredo em mutismo cada um diante de si mesmo porque convém, senão seria tornar cada instante mortal. "
Tempestade de Almas in Contos de Clarice Lispector
A julgar pelos critérios de recrutamento de algumas empresas, em breve poderemos substituir o trabalho das universidades por um treino intensivo de páginas de 'quebra-cabeças'. Para quê queimar a pestana se, para qualquer empresazeca, se tem que mostrar que se consegue pôr o quadradinho no sítio certo? Que importa a linguística se o que interessa é saber que o correspondente de 'destinatário' é, segundo os critérios (estáticos) de correcção: 'beneficiário'? As teorias psicológicas de 5.ª categoria de avaliação de personalidade, atenção, concentração, cálculo mental, raciocínio são medidas nas folhas de quebra-cabeças de uma qualquer empresa de recrutamento.
Perceber uma teoria económica? Mostrar que se consegue elaborar uma frase? Qual quê? O importante é perceber o bonequinho e entrar directamente na cabeça de quem elaborou o testezinho. É assim que se passa de analfabeto funcional a apto para colaborar numa graaaannnnnnnde empresa.
E já agora... aceitam-se sugestões: para complexo (sem qualquer contexto adicional), escolheriam complicado ou combinado? Só uma estaria correcta (segundo os critérios de correcção dos referidos psicólogos). Há paciência?
quarta-feira, 15 de outubro de 2008
A frase que "se pegou" :
A melhor forma de solucionar a crise é: NACIONALIZAR OS PREJUÍZOS!!
Caríssimo Che Carvalho:
No ponto 3 do seu diário de hoje, acerto em cinco das seis causas denunciadas. Após a leitura e consequente reflexão sobre a razoabilidade dos meus posicionamentos, restam-me as seguintes dúvidas, a que certamente responderá. Exponho-as por pontos:
1 - Serei fracturante ou irremediavelmente fracturada? (dúvida prontamente denunciada na sua caixa de comentários)
2 - Com tanta pontaria, deverei arriscar e jogar em alguns dos jogos da Santa Casa da Misericórdia?
3 - Se recorrer ao autoflagelo, acha que consigo descontagiar-me?
Há uns anos atrás, papagueávamos aos alunos que também aprendemos por ouvir dizer.
Hoje, ouvi dizer que o preconceito em relação a educadores de infância (no masculino) é plenamente justificado, já que nunca se sabe; e a afirmação inicial, misteriosa, é seguida por trejeitos que anunciam o que vem de seguida - do género, vocês sabem o que quero dizer, apenas estão a fingir que são parvos. Face à estupefacção dos restantes, a criatura prosseguiu a sua linha de raciocínio em relação à tese nebulosamente enunciada: na sua terra natal , explicou como se tivessemos todos quatro anos, havia um conjunto de homens assumidamente homossexuais que haviam sido contaminados pela pessoa que havia sido responsável pela sua educação nos primeiros anos.
Mistério resolvido! A justificação pela qual é perigoso atribuir a educação das idades mais tenras a homens é a de que, a escolher tal profissão, esses homens são claramente homossexuais (e obviamente agressores sexuais). E eu que andei tão enganadinha estes anos todos, a julgar que nestes casos a célebre frase da Simone não se aplicaria: eles não são homossexuais: dão em homossexuais, por obra e graça do exemplo dos mais velhos. Veja-se por exemplo (analogia que derrubou qualquer argumentação contrária) o caso do alcoolismo precoce em crianças cujos pais consomem álcool, ou as zonas em que a droga é vista de forma inconsequente pelo contexto sociocultural. Obviamente, a conclusão a tirar é a seguinte: tal como no segundo e terceiro casos as criancinhas tornam-se alcoólicos e viciados em estupefacientes, logo, no primeiro caso, obviamente, também dão em homossexuais. Aprendi em uma tarde o que durante anos não consegui vislumbrar.
Claro que fica por explicar por que raio é que no seio de uma família heterossexual surge uma criança/adolescente com uma identidade sexual diferente das restantes criaturas de Deus. Ou como pode ser traumático um jovem assumir a sua orientação sexual perante a comunidade. Está bom de ver que o caso só se aplica quando queremos provar que os homens - e implicitamente, os homossexuais - devem ser arredados da educação infantil. É que isto da homossexualidade é como a coca-cola do Pessoa: primeiro estranha-se, depois entranha-se*.
Arre, que fervo com isto. Como boa esquerdonguinha que sou.
Hoje levei as minhas crianças do oitavo ano à biblioteca da nossa escola. Disse-lhes que o exercício do dia era namorar livros. Apesar da Catarina informar-me desde logo que só gostava de namorar o Diogo e que não estava interessada, a maioria gostou da ideia. Conhecedora dos "calcanhares d´Aquiles" daqueles que são a minha verdadeira e única razão e motivação de me levantar cedo, libertei-os das (j)aulas e encaminhei-os para a biblioteca. Todos seguiram-me. Uns até bateram nas portas das salas, não com intenção de perturbar as aulas das outras turmas, mas sim, caríssimos senhores, para anunciar a felicidade que parecia transbordar dos seus coraçõezinhos de crianças. Foi, literalmente, uma alegria perturbadora. Enfim, pormenores só mesmo nas participações que alguns colegas mais lesados poderão (in)dignar-se a descrever.
À nossa espera já estava a bibliotecária, senhora muito simpática e amável, que nos fez uma visita guiada. Informou e mostrou-nos como é que estavam os livros organizados, catalogados e indicou quais os que podiam ser requisitados. Até aqui o percurso até correu bem. Mesmo muito bem.
Na fase seguinte, a prática: “Ok”, disse-lhes, “Agora estão por vossa conta. Ninguém sai daqui sem um livro. No final deste período lectivo, irão falar dele, "d´O Escolhido"! Conta para nota! Ouviram?! Não precisam de acertar à primeira! Nem sempre os amores à primeira vista resultam. Observem bem as capas, as contra-capas, os desenhos, as sínteses, os autores.... Namorem bem e muito ! Nada de pressas! Aqui existe uma grande variedade e há para todos os gostos. Se não gostarem, mesmo depois da requisição (contrato/casamento) e de o terem convosco , é porque foram "traídos" ou , então, porque se enganaram. Pronto, não resultou. Peçam o "divórcio" e venham cá trocar por outro. O importante é não desistirem, meninos! "Ide" então procurar o vosso companheiro ideal! "Ide" tomar decisões importantes para as vossas vidas!”
Enquanto circulava pela sala, ouvia comentários e exclamações do género: “Nem pensar levar este, tem muitas folhas. Esse?! Nunca! Já viste a grossura dele?! Estás doido?!”
Senhores, era a quantidade de folhas que preocupava aquelas crianças! Sentiam-se revoltados porque só existiam livros com imensas folhas! E nem sequer tinham desenhos (apesar de referir que também podiam incluir a banda desenhada nas suas escolhas)! Alguns alunos até tiveram a ousadia de insinuar, perante a minha pessoa, que iriam requisitar folhetos informativos! Folhetos!! E só não o fizeram porque… Enfim, há sorrisos que valem por mil palavras! E, neste caso, foi o meu sorriso bem amarelo a fugir para o enjoo!
Sinto a falta deles como se algo novo tivesse ficado por criar.
A cidade está deserta
E alguém escreveu o teu nome em toda a parte
Nas casas, nos carros,
Nas pontes, nas ruas...
Em todo o lado essa palavra repetida ao expoente da loucura
Ora amarga,ora doce
Para nos lembrar que o amor é uma doenca
Quando nele julgamos ver a nossa cura
Estabeleci com aquela mulher adulta/hospedeira querida uma relação simbiótica. Mas, com o tempo, também fiquei adulta, ou seja, da mesma espécie e a simbiose terminou.
Eu queria estar sempre muito perto dela.
Ela dava um passo, eu dava dois ou três para nunca a perder de vista; ela debruçava-se para apanhar qualquer coisa que caía, eu punha-me logo a jeito para um abraço ou para um beijo e quando ela parava, eu levantava os braços, queria logo colo.
Um dia… pediu que me afastasse dela!! Ia lavar umas roupas e podia molhar-me. Pedido recusado. Impossível. Impensável. Insisti ficar muito perto.
Entretanto, foi persistente e eu idem: sacudia-me e eu voltava; virava-me má cara e eu olhava para o chão; dava-me palmadas nas mãos e eu continuava a meter as mãos na água; ia-me sentar e eu agarrava-a, choramingava e dizia repetidamente que queria ir embora.
Passado algum tempo, num tom de voz muito ríspido e, de certa forma, inaudito para mim, ordenou de vez que me afastasse. Muito magoada, afastei-me.
Fiquei desnorteada, sem rumo… o meu mundo ficou destruído. Tinha sido, pela primeira vez, expulsa. Eu só sabia viver muito perto dela. Nem consegui chorar e só solucei.
Ao ver-me tão triste, não aguentou e “regressou” para junto de mim. Explicou-me a razão de me querer afastada naquele momento e eu, ainda revoltada, disse-lhe: “Mas eu quero ficar junto de si, porque eu sou a sua Pompanheira!”
Moral da história: em criança tinha jeito para neologismos.
Outra coisa não seria de esperar, de um partido que cada vez mais se descaracteriza e assume apenas a face que entende favorecer a continuidade na maioria que conquistou com publicidade enganosa. A mim só me ocorre a palavra vergonha, desconhecida do léxico desta gente.
De qualquer modo, já não passava pela minha agenda apoiar um aparelho que desde o início desta governação só tem defraudado. Nada de novo (excepção feita aos que ousaram dizer que não iam por ali, já que aquele nunca havia sido o seu caminho).
Ain't got no home, ain't got no shoes Ain't got no money, ain't got no class Ain't got no skirts, ain't got no sweaters Ain't got no Perfume, ain't got no beard Ain't got no mind
Ain't got no mother, ain't got no culture Ain't got no friends, ain't got no schooling Ain't got no love, ain't got no name Ain't got no ticket, ain't got no token Ain't got no God
What have I got? Why am I alive anyway? Yeah, what have I got? Nobody can take away
I got my hair, I got my head I got my brains, I got my ears I got my eyes, I got my nose I got my mouth, I got my smile
I got my tongue, I got my chin I got my neck, I got my boobs I got my heart, I got my soul I got my back, I got my sex
I got my arms, I got my hands I got my fingers, Got my legs I got my feet, I got my toes I got my liver, Got my blood
I've got life, I've got my freedom I've got the life
I got a headache, and toothache, And bad times too like you, I got my hair, I got my head I got my brains, I got my ears I got my eyes, I got my nose I got my mouth, I got my smile
I got my tongue, I got my chin I got my neck, I got my boobies I got my heart, I got my soul I got my back, I got my sex
I got my arms, I got my hands I got my fingers, Got my legs I got my feet, I got my toes I got my liver, Got my blood
I've got life, I've got my freedom I've got life, I'm gonna keep it I've got life, I'm gonna keep it
Temo que os meus posts sejam tomados por Clarice. Mais do que já são. Mas só me apetece ler Clarice, trazer Clarice, respirar Clarice. Livro(s) de cabeceira, livro(s) das respostas, evangelho(s) meu.
"A UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta - associa-se e apoia a luta das organizações portuguesas, no sentido de verem reconhecido o direito ao casamento civil para todas as cidadãs e todos os cidadãos independentemente da sua orientação sexual.
(...)Embora a Constituição consagre no seu artigo 13º a eliminação de todas as formas de discriminação, o Código Civil mantém essa discriminação no que se refere ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Para a UMAR a lei tem que ser conforme à realidade e não pode atropelar a Constituição da República. A negação do acesso ao casamento civil de lésbicas e gays portugueses é uma restrição grave à liberdade e uma forma de discriminação inaceitável.
A UMAR reclama que no próximo dia 10 de Outubro a Assembleia da República assuma as suas responsabilidades, aprovando os projectos de lei que prevêem a alteração do Código Civil no que se refere ao acesso ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. As deputadas e deputados portugueses terão oportunidade, através do seu voto, de mostrar que têm dos direitos fundamentais, da cidadania e da democracia uma visão que não discrimina ninguém, cidadãos e cidadãs do exercício e do direito à felicidade."
Eu não tenho senão uma língua - constatação - ora ela não é a minha - lamento e simultaneamente abertura. A marca descompassada, atrasada, sempre em falta, do Outro em mim, de mim no Outro. Para o Outro.
É esta abertura, tão magnífica quanto terrífica, que relembra-me a separação originária que (quase) me impede o golpe bélico e economicista. Repito em oração - "ela não é a minha" - e humanizo-me na apropriação da palavra, dobro-a - de cada vez que me exilo na palavra de outrém. E portanto, não sou eu que possuo a língua - é ela que me desapropria através da demora(da) singular que d/nela faço.
"Dear Jeremy: in the last days i've been learning how to not trust people. And i'm glad i've failed."
in My Blueberry Nights
Uma das pessoas em quem confio em absoluto é no meu cabeleireiro. A tarefa não é fácil: a minha melena, apesar de modesta e de não ser alvo de loas, não é miúda para deixar domar facilmente o carácter rebelde. Ele enfrenta-a estoicamente e até hoje tem levado sempre a melhor.
...a leitura deste texto. Para quem frequenta o espaço escola (e tudo o que isso implica, desde as reuniões, planificações, planos de intervenção de turma, avaliações, salas de trabalho, de professores, de...), é inevitável a identificação.