quarta-feira, 25 de março de 2015

A Queima dos/as nabos/as

A Associação Académica da Universidade da Beira Interior (UBI) publicou no youtube o seu vídeo promocional à Semana Académica da UBI. O João Mineiro (JM), do Bloco de Esquerda (BE), afirmou que o vídeo era misógino, e houve alguém - aparentemente, um dos autores do vídeo -, que o acusou de estar a seguir modas. Parece que misoginia agora é uma palavra popular, deve ser como troika, sei lá (e a julgar pelo vídeo, a misoginia vai de muito boa saúde, sim senhora). É nesta troca de conversa entre o João Mineiro e o autor do vídeo (que o JM nunca nomeia), que este ensina que um vídeo promocional:


Espera... 

se bem entendi, o vídeo dirige-se a um target, [em português: público-alvo], que são "miúdas bêbedas"?

Pode repetir? Espera, é às miúdas bêbebas, «com decotes grandes e que cravam beijos em troca de uma passa por um charro» que este vídeo se dirige? Ah, bom... ainda bem que esclarecem, por momentos cheguei a pensar que era a quem estuda na Universidade da Beira Interior (UBI) e à população em geral que que costuma frequentar as Queimas, independentemente de usar decotes e de se embriagar, ou não.

Mas pelos vistos não, e atenção que não basta estar bêbeda. É preciso também usar decotes - mas não é qualquer decote, tem que ser dos grandes. Ah, e não se esqueçam de cravar uma passa num charro, se não reunirem as três características, estão safos/as - este vídeo não é para vocês.








É todo um mundo de poesia nos objetivos na promo da Queima de 2015, nas palavras de um dos autores desta obra prima, que tanto envergonha o cérebro de qualquer publicitário/a. Ah, e anotem bem a lição do génio criativo: um vídeo promocional está-se nas tintas para o politicamente correto. É todo um poço de profundidade e de iluminação técnica nestes ensinamentos. Na verdade, explica o autor, um vídeo promocional está-se nas tintas para o facto de as mulheres, bêbedas, ou não, com decotes, ou sem eles, a cravar shots na noite - ou de dia - ou o que bem lhes apetecer serem pessoas (porque, sei lá, assim de repente, ocorre-me que sejam sujeitos com direitos e garantias iguais aos de qualquer outro cidadão/ã; seres autodeterminados, cuja liberdade sexual é um bem jurídico reconhecido como a qualquer outra pessoa, independentemente do tamanho do decote e do grau de álcool no sangue). Nã, nã, meninos/as. É o target - e o target é uma mistura de qualquer coisa - porque «é feito de miúdas bêbebas» - que estão representadas no vídeo por miúdas em calções a passear uma cabra e que representam essas mesmas miúdas bêbedas.... ou seja, o vídeo dirige-se ao grupo que representa. Estou confusa (deve ser por ser da quantidade de shots que já ingeri enquanto escrevia este texto). Então a Semana Académica é para  miúdas bêbedas, que usam decotes grandes e cravam shots e uns bafos em charros. Hum.. então e se cravarem pastilhas? Ou LSD, já não dá?

Digam-me que ninguém recebeu dinheiro para fazer isto, por favor. A ideia por si só já é muito má, a imagem é péssima, a luz horrenda, e os planos nem na companhia do «senhor humor» se safam. Só faltava alguém da AAUBI ter pago para isto.

Alguém traga um mapa do século XXI para estes/as cavalheiros/damas da AAUBI acabadinhos/as de chegar do século XVIII.


quinta-feira, 19 de março de 2015

Passos Coelho, o Indeciso



Informa a TSF que Passos Coelho quer «"remover num par de anos" todas as medidas extraordinárias do tempo da troika». Nem sei se ria agora, ou espere pelas eleições.


domingo, 8 de março de 2015

Dia Internacional das Mulheres

Esta caricatura publicada no Charlie Hebdo demonstra maravilhosamente a atitude do mundo ocidental face à comodificação [peço emprestada a palavra ao Fairclough] do corpo das mulheres.

Enquanto este serve para ser olhado, cobiçado, tocado, manipulado para o prazer do outro, tudo bem. Quando as proprietárias desses corpos reclamam para si o poder de os usar como bem entendem, inclusivamente, desnudando-se [pasme-se!] para si ou como forma de luta, e não para serem vistas pelo olhar masculino, então é o nosso senhor nos acuda, que o mundo acabou e é tudo uma pouca vergonha.

FEMEN par Charlie Hebdo
E não, contrariamente ao que sugere Inês Ferreira Leite, no Maria Capaz, não são as mulheres que impõem às outras o modelo de perfeição. Não basta ela perguntar aos homens que se conhece se eles valorizam ou não a celulite nas pernas de uma mulher. Convém observar a publicidade e as revistas - é que, que  eu tenha notado, nem a Playboy ou qualquer outra revista masculina apresentam modelos diversos de beleza feminina. É sempre o mesmo modelo monolítico da mulher [preferencialmente branca], magra, ou muito magra, pele uniforme, sem poros e só com alguns sinais estratégicos, de cabelo arranjado e de boca semiaberta; e não, não têm celulite. Toda a gente no ocidente sabe reconhecer o modelo de beleza feminina dominante. Precisamente, porque ele se impõe. Contrariamente ao que IFL faz, não se pode avaliar a realidade a partir das opiniões e comportamentos dos amigos - à partida, se são amigos, logo [pelo menos os meus] são homens maravilhosos [e seres humanos que eu muito admiro]. Mas há mais mundo para além do umbigo. Nem sempre é bonito, mas está lá. Ignorá-lo e dizer que são as mulheres a principal força da sua própria opressão é pura e simplesmente ignorar todos os dados empíricos que vão além do umbigo de quem investiga. Eu também conheço homens cretinos. Mas não os chamo de amigos e, sempre que posso, evito-os. (ah! E culpar as mulheres por serem a fonte da sua própria opressão não é feminismo; é apenas um reflexo da ideia medieval de que as mulheres são todas más como às cobras e invejosaassss).

E neste dia Internacional das mulheres, se calhar, podíamos aproveitar e refletir sobre a facilidade com que aceitamos a discriminação contra as mulheres como conceito comercial, em pleno século XXI. O que li sobre a intervenção das feministas na barbearia causou-me perplexidade. Uma coisa é criticar a ação (por se defender outros tipos de intervenções); outra, muito diferente, é defender como admissível um conceito comercial que coloca as mulheres abaixo de cães e que, ilegalmente, lhes interdita a entrada, com base na ideia ser muito gira, e os tipos até são empreendedores e, ah, claro, o conceito está disseminado na Europa (se os outros têm é porque deve ser bom). Ah, e já agora aproveitar a onda da reflexão e olhar bem para a capa da Lux Woman que tem duas «feministas assumidas» - o assumida (o adjetivo usado para revelar publicamente alguma característica que se sabe ser reprovável pela maioria) deixa antever a confusão que vai nas cabecinhas de muita gente a propósito do conceito de feminismo. O Priberam sabe o que é, já o Ciberdúvidas, cujos conhecimentos da língua portuguesa são incontestáveis, está um pouco confuso.

terça-feira, 3 de março de 2015

Ai não?


Segundo o Público, estas são palavras de Paulo Cunha e Silva, vereador da cultura da Câmara do Porto. Estas declarações foram ditas a propósito da crítica de Carla Miranda, vereadora sem pelouro, da mesma autarquia, a quem, segundo o jornal, o presidente da Câmara, Rui Moreira, mandou ter "dois pingos de vergonha".

This isn't happiness


De acordo com a notícia, Miranda terá criticado a atribuição de uma medalha municipal de mérito a Sindika Dokolo, marido da oligarca Isabel dos Santos. Dokolo é um poderoso colecionador de arte, que passeia as suas aquisições um pouco por todo o mundo. Predispôs-se a levá-las à Invicta. Pelo que consegui perceber, a oposição de Miranda incide na atribuição da medalha de mérito. O que, decididamente, ultrapassa a minha compreensão são as declarações de Cunha e Silva, vereador da cultura. Então não importa a origem da coleção? Se o produto tiver sido roubado pode ser exposto? Se for comprado com recurso à exploração de mão de obra escrava também não há problema? E se vier do Estado Islâmico também pode ser? (eu sei que é pouco provável, que eles optam por destruir a arte, mas vá, estamos no campo da imaginação). Se for oferta do Mubarak ou do Yanukovych também marcham? 

O que me parece inaceitável não é sequer a atribuição de uma medalha de mérito a um colecionador de arte (isso pode ser discutível, e parece-me bem que seja discutido e que se discuta sim, a qualificação da pessoa a quem se vai atribuir o mérito, evidentemente! Afinal de contas, a medalha é suposto simbolizar o mérito, logo, mais que natural que se avalie se a pessoa a merece ou não). Se Dokolo tem ou não mérito? Não faço ideia. Mas espero que, quem vai atribuir a medalha, não o faça somente por ele ser casado com uma das mulheres mais poderosas do planeta, cujo pai lidera um país com desigualdades sociais gritantes e com atropelos muito graves à liberdade de expressão, conforme denúncias da Amnistia Internacional. Ou apenas por ele ser dono de uma ótima coleção de arte, porque embora ele seja o único marido de Isabel dos Santos, não é o único colecionador de arte do mundo, de resto, só no país temos vários, um dos quais com uma coleção particularmente bem cotada.

O que realmente me parece intolerável é que uma pessoa com responsabilidades, no poder local, venha dizer publicamente que "não importa a origem da coleção"? Ai não? Olhe, na altura em que as oligarquias caem há sempre gente que se desvincula. Deve ser dos «macaquinhos no sótão».