domingo, 31 de agosto de 2008

Once upon a time... ( a whispered story)

(Fotografia de Diane Arbus)

Já é tempo de assassinarmos a Cinderela, não achas?

Lullaby de Domingo

A melhor versão que ouvi até hoje - e não coloco o meu ouvido no fogo, já que com a Nina nunca se sabe. Já lhe ouvi várias, mas esta é a minha favorita. Adequada ao calor dos tempos, aos dias que discorrem lentamente, sem brisa, sob a égide de um sol abrasador(hoje o dia não foi exemplo).


sábado, 30 de agosto de 2008

Must try to fly (diz o Jorge)

Felizmente, o Jorge C encerra a minha noite com isto. Nem tudo está perdido: exorcizo as porcarias que andei a ouvir e durmo consolada.

Cruzes, credo, abrenúncio!

"For I dance
And drink & sing:
Till some blind hand
Shall brush my wing.
If thought is life
And strenght & breath:
And the want
Of thought is death;

Then am I
A happy fly,
If I live,
Or if I die."
William Blake, Songs Of Innocence and of Experience
Algumas novas experiências podiam ser evitadas.
Não torno a ser apanhada em arraiais de Verão.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Quando tocadas pelo inantingível *

Há dias felizes. Que não se anunciam quando as pálpebras se abrem e olhamos difusamente para o tecto do quarto, ou para as paredes brancas, ou para a gata amarela que nos fixa curiosa. Os dias felizes não se denunciam imediatamente. Surgem sorrateiros, com uma cadência lenta. Levantamo-nos e parecem exactamente iguais aos outros. As mesmas rotinas; o pequeno almoço estremunhado em pijama, lento, o prolongamento dos gestos na preguiça de quem não quer recomeçar, ainda. O duche morno, a vestimenta escolhida quase por acaso, sem ponderar longamente. Não interessa.
Nos dias felizes, há sempre um acontecimento chave, que despoleta o sorriso. Uma chave de correio, uma escrita inesperada, uma lembrança preciosa que acolhemos no sorriso com que a recebemos.
Nos dias felizes, os amigos dizem-nos, por palavras encriptadas, que pensaram em nós, que leram por/em nós, na impossibilidade de lermos. Dizem da novidade e discutem connosco as possibilidades. Ou apenas simplesmente o amor.
Os dias felizes por vezes aparecem em catadupa, com pequenas situações que nos preenchem as horas e nem nos apercebemos que são mesmo felizes. Percebemos depois, na hora de fechar os olhos, a perder de vista o tecto do quarto ou as paredes brancas ou a gata que insiste em fixar-nos, ainda curiosa.

*Título inspirado em leituras sobre Levinas, mas que em nada compromete o autor.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

"la libertad"

Formatações

Fotografia de Henri Cartier-Bresson

Nem só de mulheres inconformadas é feito Matem as Mulheres Primeiro. Um dos casos descritos quebra em absoluto a noção de marginalidade que pauta os restantes. Uma das mulheres entrevistadas foi claramente manipulada pelo seu contexto a fim de se tornar numa executante quase perfeita dos desígnios da sua Pátria. Kim Hyon Hui foi uma norte-coreana encarregue de fazer explodir um voo que tinha por destino Seul, no ano anterior aos Jogos Olímpicos.
Segundo a autora, esta mulher foi a única que não manifestou o mínimo de confusão mental em relação às suas acções. Aliás, a haver emoção, esta residia não na perspectiva do sofrimento que inflingiria às vítimas e seus familiares, mas sim em relação à envergadura da acção que lhe tinha sido exigida pelo seu País, sendo ela tão nova (à data da captura tinha 25 anos). O perfil desta mulher não se coaduna minimamente com as restantes: não pretende mudar o sistema em que vive, não almeja alcançar uma mudança social profunda mesmo que a custo da perpretação de violência contra terceiros. A justificação prestada relembra essa outra apresentada em 60 por Eichmann em Jerusalém: limitou-se a cumprir ordens.
É preciso compreender o ambiente em que Kim viveu. "É uma sociedade enigmática e paranóica. as populações vivem em pequenas unidades habitacionais e uma em cada cinco famílias está incumbida de informar o Estado das actividades dos vizinhos e dos próprios familiares. As crianças são induzidas a pôr a lealdade ao Estado à frente da lealdade à família. " Mais à frente podemos ler que "O Partido dizia às mães que não se preocupassem em dar mimos e atenções às crianças em casa. eles encarregar-se-iam de lhes dar tudo o que elas precisavam. O sistema tinha por função conceber revolucionários convictos e trabalhadores e estava organizado de modo a evitar a influência parental. Horários de trabalho sobrecarregados faziam com que não sobrasse tempo às mães para se dedicarem aos filhos. (...) as crianças eram obrigadas a frequentar diversos movimentos infantis e juvenis de apoio ao regime depois da escola." Obviamente que um sistema destes está delineado para a formatação das massas, para a uniformização do pensamento. Ou melhor, para a ausência dele. Criam-se autómatos, cumpridores de um desígnio maior - que no caso era o Estado e o bem do Grande Chefe. Uma das características mais marcantes na leitura do percurso de Kim é a de que é uma mulher profundamente conservadora, que sempre tentou corresponder às expectativas do seu País. Nunca foi incitada a pensar e os ensinamentos sempre lhe foram apresentados como verdades absolutas. E uma verdade não é contestada, à verdade obedece-se, porque não apresenta dúvidas, porque é a melhor para todos. Porque é clara e distinta.
O pensamento que se apresenta como uniforme e pouco susceptível à dúvida não chega a ser pensamento. A educação resume-se a adestramento e a jogos mentais equivalentes às proezas que ensinamos o nosso animal de estimação a fazer para exibir perante terceiros.
Alguns dos relatos referentes a esta mulher aproximam-se perigosamente à forma como cada vez mais nos organizamos e educamos as nossas crianças. Estranhamos cada vez mais a diferença, ainda que a tentativa de anulação da mesma recorra a metodologias mais discretas. Formamos essencialmente funcionários especializados. E um funcionário não questiona, não repensa, não se distancia. Um funcionário, cumpre as ordens de alguém que acredita pensar melhor que ele.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

memórias das áfricas portuguesas

(ele) ainda hoje traz as cicatrizes na cabeça, daquele dia em que, por ter roubado uns carrinhos de linhas, a dona da retrosaria lhe tatuou o crânio com as agulhas de croché. Não eram umas agulhas quaisquer e ficaram inutilizadas, queixara-se a dona da loja. E o outro que de preto passou a vermelho, não por ser comunista, mas por apanhar de todos antes de ser levado pela polícia militar. Parecia uma lapidação. E quando, na fila da farmácia, fez questão de esperar pela sua vez, negando o privilégio da cor da pele? "Eles bem podem esperar, mas a menina é que sabe", vociferou o farmacêutico. Era a época em que as meninas saloias, que usavam carrapito, deixavam nele cair a catana do preto para se tornarem "donas". E daquela vez que o rapaz que lhes levava as compras foi acusado de roubar a fruta? Esmagaram-lhe a tíbia, a face esquerda inchou tanto que o olho não abria e a mão esquerda perdeu o indicador, conta perturbada ante a visão o preto enfiado numa cama improvisada enquanto aguardava o senhor doutor. E ele, a seu lado, com a sua figura gigante, suspirava: "ai, se eu não vestisse uma farda", e ela sabia que o que ele não dizia era "ia lá terminar com aquela vergonha". Nunca percebeu se sem farda acabaria com as desigualdades ou se com a vida do preto.

domingo, 24 de agosto de 2008

Lullaby de Domingo

Qualquer coisa de intermédio...
Uma faixa da banda sonora de My Blueberry Nights que remete para In The Mood For Love.


sábado, 23 de agosto de 2008

what is good about imagination....

Teatro - sem qualquer hesitação, seguia-se um bailado de Pina Bausch (não faço por menos) ou com a Margot Fonteyn (deixem-me lá, estou a imaginar, não estou? Por isso posso imaginá-la viva a pisar os palcos mais uma vez!). Depois disto... (ainda tenho algumas horas...) ia ao cinema (re)ver o Microcosmos, e por último, num pulinho....ia ver isto.

Quanto ao filme a ver (neste caso, a rever): Closet Land

Livros: ando há tempos a ver se encontro o Mary Reilly, da Valerie Martin e o The color Purple, da Alice Walker.

The unbearable lightness of summer

O Luís, que agora assina no Mictório Luzidio, desafia-me a responder a uma dessas populares correntes que acontecem maioritariamente no Verão. Pois bem, o cumprimento da minha tarefa será rápido e (quase) indolor.

Se, durante vinte e quatro horas em férias, pudesse assistir aos seguintes eventos, qual a ordem cronológica que escolheria para fazê-lo - dança/bailado; peça de teatro; exposição; cinema?

Em primeiro lugar, as minha primeiras opções não encontram aqui lugar. Obviamente, Nick Cave. De preferência uma sessão intimista, para poucos, Mr. N.C. numa sessão de faixas pedidas. Ou então, assistir a uma ópera. Não uma qualquer. Tristão e Isolda, pois claro. Ou a Tosca (este libreto não me sai da ideia). Ou Madame Butterfly. Melhor ainda se interpretadas pela Callas (a importância do Se aqui é fulcral).
Ora, mas estas não são possibilidades que integram o interrogatório. Assim, dadas as hipóteses, escolheria:
Exposição (não me sai da ideia a que esteve no Tate Modern e que uns e outros estiveram à porta de telemóvel na mão a fazer figas aos pobres).
Teatro.
Cinema.
Dança/Bailado.

Um filme visto ou revisto recentemente e um filme a ver ou rever?

Revi recentemente o Eduardo Mãos de Tesoura. Encontrei-o na FNAC a um preço jeitoso e não deixei passar.
Quanto a filme a ver, obviamente, My Blueberry Nights. Quando por cá passou, estava eu no Congresso e acabei por perder a oportunidade. E aqui faço batota e acrescento que graças ao facto de ter ouvido novamente parte da banda sonora, fiquei com imensa vontade de rever (again and again) In The Mood For Love, DVD que emprestei.

- Um livro lido recentemente e um livro a ler ou reler?
Recentemente, às voltas com Laços de Família, da (minha) Clarice.
Um livro que quero muito ler... A Maçã no Escuro, também da Clarice (e que tenho esperança de o fazer em Setembro, graças à generosidade de um amigo que o transportará de terras mais férteis). Quero também ler A Campânula de Vidro, da Sylvia Plath, mas parece-me que por este terei que esperar bem mais.

Agora a parte gira da coisa, que é quando tenho a oportunidade de remoer o juízo de algumas pessoas, ao passar-lhes a bolinha: o pessoal que assina este blog. Acercai-vos do pc, seus preguiçosos (Ceridwen, querida, sabes que a acusação de preguiça não é para ti), Sancho, Jorge C, Funes (vá lá, irrite-se, reclame, riposte com um post bem humorado), Blue e Su.

ralhetes

"Ceridwen: tens que parar com essa mania de estar sempre a olhar para o teu umbigo!
Para o teu umbigo olhamos nós, tu olhas para o umbigo dos outros!"

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

Who's afraid of the F Word? 2

"Recordo-me que quando nos manifestávamos contra a lei antiaborto, os polícias vinham, desapertavam os cintos e batiam-nos com eles. Não usavam os cacetes, como teriam feito numa manifestação de estudantes, por sermos todas mulheres."

O episódio é descrito por Susana Ronconi (in Matem Primeiro as Mulheres, já antes referenciado aqui), membro das Brigadas Vermelhas Italianas, que antes de enveredar por essa vertente mais radical e violenta, integrou um grupo feminista chamado Lotta Femminista. O simbolismo dos cintos arrancados à cintura para punir aquelas mulheres inconformistas é flagrante. A agressão colectiva tornada íntima, com o instrumento punitivo das traquinices de quem precisa aprender a não desafiar a autoridade. Cada cinto a berrar-lhes Não são dignas de ser levadas a sério. O episódio tem 30 anos. Muito pouco tempo para repetirmos incessantemente que agora tudo vai bem.

Humor bestial

Na caixa de comentários.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

História de uma outra cidade

500
Duplo acesso: a partir da Ilha e para a Ilha.



Uma belíssima faixa de Fausto que não me permite nenhuma outra relação a não ser com esta Ilha. Tal como na leitura, ouvir também é sempre trair...

Porto, cidade com muito encanto

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pela boca morre o peixe

"O mau argumento do mais autoritário dos autores cai com estrondo se for mau e se for visível que é mau, porque a racionalidade não é dele nem de qualquer outra pessoa."
Desidério Murcho, O Carcereiro Libertário in Público de 19-8-08


Começo por dizer que considero este passo do texto interessante. O restante é que deixa seriamente a desejar. E começo logo com a primeira expressão: atirar com um inócuo "há quem pense" também não constitui um estupro intelectual ao estimado leitor? Aliás, o texto pauta-se por uma série de acusações veladas que em momento algum permite ao leitor a sua verificação. A determinada altura é afirmado que quando estudamos autores que acusam a razão e a lógica de serem autoritárias, nenhuma razão nos é dada para aceitar o que afirmam. Contudo, não adianta a que autores se refere, nem tão pouco a que argumentos se reporta (percebemos mais à frente porquê). Assim, não apresenta nenhuma razão para que aceitemos o que afirma, o que me leva a perguntar: mas então temos que engolir o que afirma o autor do texto tendo por única fundamentação a sua autoridade? O Desidério diz que há autores que...
A rematar esta ligeiríssima reflexão sobre um dos mais proeminentes defensores da racionalidade, da verdade, da lógica, da ciência e da argumentação (esta amálgama confunde-me seriamente), uma outra citação do referido texto:

"O simples esforço de decifração dos textos de tais autores* é suficiente para adormecer o nosso sentido crítico, e o objectivo dessas bestas é precisamente provocar o adormecimento do intelecto."

*Repito, em momento algum o texto é claro quanto aos autores a quem é dirigida a acusação de estupro intelectual, nem tão pouco é devidamente esclarecida a adjectivação de "bestas". Para não cometer nenhuma injustiça, reporto-me ao dicionário para clarificar o conceito:
Besta - animal irracional. Quadrúpede; cavalgadura; pessoa bruta; estúpido; tolo; ignorante.
Caso para dizer que tudo devidamente fundamentado com racionalidade, verdade e lógica. Verdadeiro labor filosófico.

Revisito um post que ficou lá para trás. O caso torna-se tanto mais grave a partir do momento em que esta "metodologia" tem direito de antena em jornal de referência.

terça-feira, 19 de agosto de 2008

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Who's Afraid of the F Word?

O feminismo é o mesmo que o machismo, mas com mulheres a protagonizá-lo. Mantra, oração, feminismo cruzes credo não, que sou mulher, que gosto de homens, que gosto de mulheres, que gosto de tudo menos de feministas, de mulheres e homens que pensam que as mulheres também pensam. O papão anda aí e até fez Congresso, em que participou gente, pessoas, homens e mulheres, enfim, ridículos que comem homenzinhos ao pequeno almoço e testículos fritos no cinema e conversam sobre isso e se riem sobre essas ida ao cinema, humores que não gostam das respostas humoradas e queimam feministas como vacas sagradas. Goza-se o feminismo com genuíno gozo, com desprezo, que essas preocupações são ridículas, que são todos idiotas e nós não temos medo, nem dos feministas, nem das fêmeas, nem dos machos que dizem que o feminismo é coisa séria e para ter em atenção. Abata-se o feminismo e os feministas e as feministas que nós somos País sério, com preocupações sisudas, que não gostamos dessas coisas de apontar o dedo e tocar nas feridas, que não são para se mostrar, são para se esconder ciosamente, deixá-las entrar em putrefacção, que o cheiro disfarça-se e a maquilhagem esconde o aspecto. Eu não sou feminista, que não sou machista, que não, não sou...

Pequim 2008: ouro, prata e bronze para Portugal

Na modalidade de má língua ninguém nos bate.

Finding

Leio(-me n)as tuas páginas, Clarice.

domingo, 17 de agosto de 2008

Finding Sylvia Plath

"Between myself and myself.
I scratch like a cat."
Sylvia Plath, The Other


Há já algum tempo que vejo aqui e ali referências a Sylvia Plath. Desta vez, com o Bibliotecário de Babel, convenci-me que tenho mesmo que partir à descoberta desta senhora.

Lullaby de Domingo

Continuo com a temática das mulheres com o dedo no gatilho, desta feita com o auxílio de Mr. Tom Waits.



"With one eye on the pistol the other on the door"

sábado, 16 de agosto de 2008

É de ontem atirar-se à água e desafiar as normas

Fotografia tirada deste site.

Para um ilhéu, o mar é dado adquirido. E em tanto mar, há sempre um azul preferencial, local de eleição para estender os braços e galgar cores e sal. O meu pedaço de mar (há mais de 20 anos) é conhecido como Doca do Cavacas. São reentrâncias onde o titã descansa nos braços rochosos da ilha, espumando furiosa ou gentilmente. Quando amoroso, são muitos os que se atrevem a desafiar a sua generosidade, rasgando o leito que oferece.
Na Doca do Cavacas aprendi não só a nadar, bem como a desafiar o bom senso, atirando-me de locais que hoje são impensáveis. É certo que era das mais cobardes, tímida desafiadora dos patamares mais modestos, outros havendo que desafiavam escarpas bem mais acentuadas. Os saltos e os gritos são ruídos de infância, que acompanhavam os cheiros das manhãs límpidas e das tardes soalheiras. Nadava afincadamente até ao limite das poças, com o mar revolto, engolida pelas águas, redemoinhando à velocidade maior que o pensamento. Debrucei-me em dias mais calmos e deixei que as ondas acariciassem o meu corpo extenuado, estendido na língua que limitava o início do mar bravio.
Todos os anos regresso à Doca do Cavacas, na iminência de me encontrar com a infância e adolescência, apesar de não reconhecer os rostos que tornam hoje o local seu. O meu pedaço de mar tornou-se menos íntimo, menos perigoso, mais previsível e muito mais aborrecido. Agora temos vigilantes que controlam-nos as braçadas. A língua é-nos interdita, à distância do assobiar insistente, seguido de gesto que intimida ao regresso obediente. Os saltos são proibidos por avisos colocados nos locais de memória, os mesmos onde fazíamos fila para nos atirarmos para um quase infinito.
Já não é meu este pedaço de mar.

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Gun Girls

O mote lançado com o post sobre as mulheres, violência e condição emocional levou-me não só a retirar o livro da estante, como despoletou uma releitura do mesmo. Uma semana depois duas considerações: tenho uma memória que passou há muito de prazo. Releio o livro quase como se fosse a primeira leitura, o que me irrita formidavelmente. Um hiato de sete anos não justifica tanta selecção de informação.

A segunda consideração, um bocadinho mais séria, mas menos preocupante. Em quase todos os relatos de mulheres que optaram pela luta armada (algumas com laivos narcisistas, como foi o caso da Leila Kahled, a primeira mulher a sequestrar um avião) as convicções eram perfeitamente inabaláveis, e ainda hoje entendem que as suas acções são justificadas pela época. À excepção de Sibylle Vorderbrugge - que evoca a paixão pelo líder do movimento neo-nazi alemão e lamenta profundamente as suas acções - os testemunhos são unânimes em apontar a causa como a motivação central da adesão e empenho na dita luta armada.
Muito curioso também é o facto de, no caso do grupo Baader-Meinhof (que depois deu origem às RAF) apesar do nome do elemento masculino constituir uma parte da nomenclatura pelo qual o grupo ficou conhecido (Andreas Baader), a maior parte das ofensivas foram planeadas e perpretadas pelos elementos femininos do bando. Mais assinalável ainda é o facto de Andreas funcionar apenas como um elemento fraco e irascível. Na verdade, os cérebros do bando eram Gudrun Ensslin (companheira de Andreas) e Ulrike Meinhof, jornalista que aderiu à causa depois de ter entrevistado Gudrun. Consta que o seu poder persuasivo era enorme.

(little) Self stabbing exercice (once or twice a day)

Lamentavelmente, desconheço a autoria da foto....

Um sofá maior para o RPS, já!

Se forem precisos mais mantimentos, enviamos. Só não sei é se chegarão a tempo. Ainda assim, deixa-te estar quietinho no sofá e escreve-nos mais vezes.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

"Qualquer queda permanece na certeza da emergência"*

Sobre mulheres que trocam a filosofia pela religião, nada tenho a dizer (até porque a expressão noiva de Cristo me provoca graves comichões). Devoções à parte, a figura de Heidegger merece-me algumas perplexidades. Funciona em mim como esse outro génio, a quem presto devoção nomeadamente na audição do Prelúdio de Tristão e Isolda. Homens indignos com um labor genial, que nos obriga a transcender a sua (pouca) humanidade.
Ao homem que se filiou no partido nazi e escreveu loas ao ditador pertencem algumas das páginas mais importantes da filosofia contemporânea. O filósofo inscrito na infâmia do século XX inspirou outros tantos de origem judaica, atraídos pelo brilho do seu pensamento, mais caligrafia que homem. Não terá sido apenas Husserl que Heidegger traiu. Quando evoco esse episódio, lembro-me sempre no que deve ter significado tal filiação a Hannah Arend't, judia, aluna e amante.
A traição não é novidade nos corredores da filosofia. Lembremo-nos desse Agostinho que dizem santo e que só assim se tornou no dia em que abandonou a mulher com quem vivia e retirou-lhe o filho de ambos. A filosofia às vezes parece mesmo uma rameira, em que se sacrifica tudo no altar de uma razão velada.

*Obviamente, Heidegger.

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Um blog cada vez mais plural


Temos novo homem cá no blog, para fazer companhia a Mr. Lekker. Ao nosso novo membro ainda falta passar pela adolescência, mas é de pequenino que... Por enquanto, o coração balança-lhe entre a música e o desporto - Ténis a 100%, futebol a 10%, como menino inteligente que é.

13 - A Rainha

Uma Rainha adoradora do Sol só poderia ter nascido em pleno Agosto. Exorta-se que hoje se cumpra escrupulosamente o conselho do vídeo que a seguir se coloca, em honra à nossa Nefertiti.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Primeira epístola de Kiara a RPS

Caro amigo:
Pelos vistos sou a única gata que suporta. Assim, a dignidade felina e a amizade que lhe voto obriga-me a comentar o seu último post sobre as olimpíadas, que padece de algumas confusões conceptuais ao que nos diz respeito. Nada de grave, mas a sua inimizade quanto à espécie (que não é extensível a mim, bem sei) pode provocar este tipo de equívocos quanto às nossas preferências.
RPS, se há coisa muito pouco abichanada, são saltos para água (seja esta gelada, fria, tépida ou quente). Nós não a suportamos e, portanto, não andamos aos saltos sincronizados para dentro de uma tigela gigante. Queremos distância, na verdade. Tal perspectiva apenas origina reacções adversas: bigodes torcidos, ameaças guturais, arranhadelas estratégicas pautam a relação de um bichano com a criatura que o quiser amandar para uma situação destas. Portanto, não há treinador que valha, nem treino que miraculosamente ultrapasse esta fobia colectiva.
Quer saber de uma modalidade abichanada? A esgrima, como é óbvio. A aquisição do equipamento sai-nos francamente em conta, desde que não se ponham com a piada de nos apararem o(s) florete(s).

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pouca Visão

Sabemos bem o que um bocadinho de sol e calor provoca nos media. Aliás, há anos que a época é imbecilmente chamada de silly season, supostamente porque nada se passa (aquele pequeno pormenor da Geórgia é engano), porque nada se diz, porque nada se faz (o que no meu caso é bem verdade e isso se calhar valerá um outro post). E, portanto, também as revistas não são de ferro. Desde o início do Verão que a Visão se tem escudado nas capas sobre locais onde fazer férias. E com esta manobra de diversão, lá vai safando edição atrás de edição.
Sou leitora assídua há 6 anos. Primeiramente, com o ritual de a comprar às sextas, por vezes aos sábados quando ainda não tinha chegado. Depois, cansei-me e assinei a bicha. E confesso que os amores esmorecem e as idas à caixa de correio são mais tardias. A desta semana, por exemplo, só a retirei ontem, enfadadamente, à espera de mais do mesmo. Porque assim tem sido; à excepção de algumas crónicas ou algumas matérias mais ou menos inspiradas, a verdade é que a qualidade tem vindo a perder-se nos meandros das notícias que anunciam garbosamente os números de vendas.
Mas não é (só) isto que motiva este post. A Visão desta semana, para além de me provocar mais alguns bocejos enquanto mecanicamente lhe passo revista, provocou uma certa irritação o artigo Sem Vida Nem Livros, no separador pomposamente etiquetado como Portugal - Governo. Ao longo da leitura do artigo, fiquei a saber que este era uma quase impossibilidade. Ora, inicialmente achei engraçado que a autora desfiasse as agruras de uma repórter em busca do livro favorito dos membros do executivo. Em 17 ministros, apenas 3 responderam ao repto da jornalista. E aqui registo a falta de três bem mediáticos: o Primeiro, que alardeou há uns tempos não perceber nada de Hegel, mas simpatizar com Popper, a Ministra da Educação e o Ministro da Cultura. Ora, num quiz sobre livros, parece-me estranho que estas três personalidades tenham adiado indefinidamente a resposta. Ná área que me é mais próxima, não me surpreende que a nossa senhora da Educação ande um bocadinho baralhada em busca do livro (e o que é um livro?) favorito. Enterrada entre tanto computador salvador do intelecto das nossas criancinhas, já nem deve reconhecer o formato. Eu por mim ia mais longe e substituia de uma vez as criancinhas por computadores e o assunto ficava logo arrumado. A ver se as estatísticas não respondiam condignamente aos números do Ministério. Adiante.
De regresso ao assunto que perdi algures no post. O inquérito. As coisas azedaram no que me diz respeito quando a leitura conduziu-me para as escolhas dos três homens que responderam - a saber, Augusto Santos Silva, Rui Pereira e Nuno Severiano Teixeira. Estas foram submetidas a uma rigorosa avaliação de três peritos - Pedro Mexia, Eduardo Pitta e Carlos Reis - que interpretaram as entrelinhas. No caso específico da avaliação de Eduardo Pitta, este permitiu-se a tecer mais algumas considerações absolutamente pretensiosas. A avaliação, na verdade, disse mais de quem avaliou do que propriamente das obras referidas, ou dos Ministros sobre fogo. Reiterei duas impressões minhas: o Eduardo Pitta é absolutamente insuportável e a Visão está uma grande porcaria (para não usar termo mais forte mas, certamente, mais adequado).

domingo, 10 de agosto de 2008

Weekend

E mais não digo....

Desabafo de ouvinte ocasional *

*Contra-resposta ao desabafo de RPS
O comentário mais deplorável que ouvi foi na Antena1, proferido por um comentador (não faço ideia quanto ao seu nome) que descrevia da seguinte forma um dos momentos do espectáculo de abertura: São muitas meninas bonitas com vestidos lindos. A riqueza da descrição fez-me lamentar ouvir tão poucas vezes rádio (eu bem tento contrariar esta minha pouca apetência).
A bem ouvir, a frase até pode funcionar como mantra. Ora repitamos exaustivamente: São muitas meninas bonitas com vestidos lindos. São muitas meninas bonitas com vestidos lindos. São muitas meninas bonitas com vestidos lindos...

Ontem

(Quase) comi manga à conversa com o Jorge e com a Sara.
Sim Jorge. Gosto.

Lullaby de Domingo



Uma peculiar combinação de timbres:
Isobel Campbell e Mark Lanegan

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Livro de Cabeceira 1


Um início fabuloso, este, de Dickens.
(aqui).

Livro de Cabeceira

Exercício interessante proposto pelo Bibliotecário de Babel.
Rendida à escolha do leitor Pedro (a primeira). Magnífica.

"Je suis Action Directe"*

Grupo Baader-Meinhof

Esta questão sobre o ingresso das mulheres em grupos especiais das forças armadas tem suscitado reacções mais ou menos racionais por todo o lado. De repente, mais uma vez lá acontece esta história de se permitir que se candidatem a forças mais especializadas quando todos sabemos, à partida, que as mulheres não passarão as provas requisitadas. O que, desde logo, coloca dúvidas quanto à natureza deste argumento. É que assim sendo, não há problema para os defensores da interdição e esta é, portanto absurda: permita-se, que a natureza encarregar-se-á do resto.

No DN de hoje, lê-se mais uma vez o desfiar dos argumentos dos nossos valorosos guerreiros sobre esta questão. Particular atenção para a afirmação de um almirante, que defende que certas forças de elite deverão continuar interditas a elementos do sexo feminino porque, entre outros, a "emotividade das mulheres desaconselha que entrem em combate directo". A ingenuidade de tal afirmação, a repetição de um arquétipo repetido até à exaustão, conduz-me a um livro que li há alguns anos atrás. Matem as Mulheres Primeiro, resulta de um trabalho de investigação de uma jornalista, Eileen MacDonald, que entrevistou algumas das mulheres que integraram os grupos terroristas mais conhecidos: ETA, IRA, Intifada Palestiniana, Brigadas Vermelhas italianas, o grupo Baader-Meinhof, a Facção do Exército Vermelho, Action Directe (grupo revolucionário francês). Todos estes grupos integraram mulheres nas suas fileiras que acederam conversar com a autora do livro, do qual vos deixo o seguinte excerto da introdução:

"«O primeiro alvo são as mulheres», era, segundo se diz, uma instrução dada aos recrutas do esquadrão antiterrorista da Alemanha Federal, bem como uma recomendação que a Interpol fazia aos outros serviços secretos europeus. Falei com vários membros destas organizações, e embora nenhum deles tenha confirmado que alguma vez tivesse recebido tal instrução, todos a consideravam um conselho precioso. Herr Christian Lochte, director do serviço de recolha de informação sobre movimentos subversivos alemães (...), que tem mais de vinte anos de experiência no estudo dos revolucionários políticos que tantos atentados cometeram no seu País, comentou: «A quem quer que tenha amor à vida, alvejar primeiros as mulheres é uma atitude muito inteligente. A minha experiência diz-me que as mulheres terroristas têm um carácter mais forte, mais poder, mais energia. Há alguns exemplos em que os homens hesitam por momentos na hora de disparar, ao passo que as mulheres o fazem de imediato. Este é um fenómeno generalizado entre os terroristas.»"

Com isto depreende-se que a imagem tradicional que tanto tem toldado uma verdadeira leitura das diferenças entre géneros - a mesma que levou o ilustre almirante, certamente convicto, a usar o argumento do excesso de emotividade - poderá ter nuances menos esperadas pelos garbosos heróis. A verdade é que a violência feminina é ainda matéria delicada - delicadeza é mesmo a palavra de ordem: espera-se que a mulher corresponda plenamente ao arquétipo de Mãe, piedosa e amantíssima, protectora dos lares, dotada de cílios freneticamente pestanejantes e achaques respiratórios. O problema é que, por vezes, com esta imagem, sai o tiro pela culatra. Ou melhor, em cheio.

*Citação de uma integrante das suas fileiras, proferida aquando da sua detenção, enquanto disparava contra a polícia. O namorado entregou-se pacificamente.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Desassossegos 4 - Crónica de uma gata tramada


Ao iniciar este meu escrito, já deveis saber qual o meu estado de espírito. Mea culpa. Só vos escrevo quando acometida de grave crise: seja existencial ou não.
O que me traz hoje até vós é, garantidamente, uma tragédia: sou uma gata a descoberto. Apanhada em flagrante delito - que não em flagrante delitro; esse aconteceu logo após o meu primeiro mês de existência. Saídinha do meu quartinho de República Coimbrã, ainda mal segura nas minhas quatro patas, fomos a casa de uma amiga da Woab, ali mesmo ao lado. Fugiu-me a língua para a verdade e afiambrei-me a umas garrafas vazias de cerveja que estavam debaixo da mesa da cozinha: a consciencialização da minha vergonha! A risota das observadoras! Enfim, já lá vai e deixo-me de divagações. Dizia eu que fui apanhada em flagrante delito. Não será propriamente um delito maior. É assim algo pequenino, quase um pormenor. Mas era meu. O meu passe de mágica. O mistério por desvendar.
Fui finalmente apanhada a abrir as portas. Oh desgraça! O meu truque mais recôndito, o meu segredo mais bem guardado comentado displicentemente ao almoço, entre duas garfadas e goles de água, por aquela fulana que aqui aparece uma vez por semana e acciona aspiradores e outros elementos ensurdecedores. E ela, Woab, a ouvi-la atentamente. E eu ali, desesperada para que de repente, Deus misericordioso tornasse aquela cozinha numa nova Babel; que não se entendessem; que de repente a língua se tornasse estranha e que não se descodificasse as palavras proferidas. Ou então uma surdez súbita. Ou uma amnésia temporária. Mas nada. As palavras ressoaram e já não foi possível voltar para trás: Ela - eu - abre a porta no puxador. Estica-se toda e com uma das patas pressiona o puxador da porta.
O meu truque menor já conheciam. Quando encontro uma porta mal fechada, enfio as minhas delicadas patas no fio de abertura até desprender o trinco. Mas este! Este meu truque de escancarar portas exemplarmente fechadas era do desconhecimento total. Acabou-se a magia; as entradas em pés de lã e o espanto nos olhos dos outros. Acabou-se a descrença na minha capacidade de observação e de identificação do puxador como a chave para o outro lado. Tomam-me por perspicaz, senhores. Passei de engraçada a sagaz. Um horror. Agora não vão deixar-me em paz e vão querer que rebole e apanhe paus. Não tarda nada, vão exigir que ladre e obedeça. É que ladrar ainda posso pensar no assunto. Agora obedecer...

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O Evangelho segundo Clarice*

"No pequeno parque de diversões do Jardim Zoológico esperou meditativa na fila (...) pela sua vez de se sentar no carro da montanha-russa.
(...) A brisa arrepiou-lhe os cabelo da nuca, ela estremeceu recusando, em tentação recusando, sempre tão mais fácil amar.
Mas de repente foi aquele vôo de vísceras, aquela parada de coração que se surpreende no ar, aquele espanto, a fúria vitoriosa com que o banco a precipitava no nada e imediatamente a soerguia como uma boneca de saia levantada, o profundo ressentimento com que ela se tornou mecânica, o corpo automaticamente alegre - (...) - seu olhar ferido pela grande surpresa, (...), a enorme perplexidade de estar espasmodicamente brincando, faziam dela o que queriam, de repente sua candura exposta. Quantos minutos? os minutos de um grito prolongado de trem na curva, e a alegria de um novo mergulho no ar insultando-a como um pontapé, ela dançando descompassada ao vento, dançando apressada, quisesse ou não quisesse o corpo sacudia-se como o de quem ri, aquela sensação de morte às gargalhadas, morte sem aviso de quem não rasgou antes os papéis da gaveta, não a morte dos outros, a sua, sempre a sua. Ela que poderia ter aproveitado o grito dos outros para dar seu urro de lamento, ela se esqueceu, ela só teve espanto."
Clarice Lispector, Laços de Família


*Tivesse eu acesso a todos eles...

domingo, 3 de agosto de 2008

Lullaby de Domingo

Imbuída do espírito que guiou Jorge C a Coura (com imediata romagem à Capital sem elucidar os seus leitores), impossibilitada de subir Paredes rumo à anarquia...



...esta singela lullaby de um madman anterior aos pistoleiros de Londres.

sábado, 2 de agosto de 2008

Quem é a gaja?


Não sabes quem é a cachopa? (Ceridwen)

Não, mas foi fotografada pelo meu amantíssimo Man Ray. (Woab)

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Não será necessário o acordo do trabalhador em questão

Nada a opor, desde que o salário de P.M. seja pago integralmente com bengaladas.*

*O recurso à bengalada foi-me avivado recentemente como um excelente meio para resolver determinadas questões. No caso que agora apresento, afigurasse-me excelente.
Que fique registada a minha profunda tristeza por aconselhar tal remuneração a um homem chamado Sócrates. Já não se fazem Sócrates como antigamente.

"Todas as cartas de amor são ridículas"*

No entanto, esta é deveras irresistível. Gosto particularmente da alusão ao dever social para com o País. Foi o que se viu.

*Álvaro de Campos