sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

1999



Todos os dias o relógio marcava 06:20, sinal de que era hora de arrastar o corpo até à cozinha. Enquanto tentava lembrar-se de que o mundo não era apenas aquele quotidiano repetitivo, a Euronews passava este vídeo. Aliviava um pouco o peso da existência. 

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Em Portugal há 33 violações por mês

Em 2004, Susana Maria publicou a sua tese de mestrado sobre sobreviventes de violação. Durante a investigação, a Susana falou entrevistou polícias, médicos/as e sobreviventes - algumas das quais com denúncia e processo a decorrer, outras que optaram pelo silêncio e tentaram o esquecimento procurando apoio numa das Organizações Não Governamentais de apoio a vítimas e sobreviventes.

Henrique Monteiro

Uma das conclusões do seu trabalho é a de que é necessário um centro especializado para vítimas de crimes sexuais. Não, o instituto de medicina legal (IML) é tudo menos suficiente. Não, as ONG's não têm condições para prestar este apoio imediato e essencial. Como explicou uma das médicas entrevistadas à autora deste trabalho:

"Não existe um serviço especializado para atendimento a vítimas de violação. Não conheço nenhum hospital que o tenha. A mesma médica refere, ainda, ter algumas dificuldades em lidar com situações de violação: "não com as lesões físicas, mas para dar encaminhamento ou aconselhamento sim".

completa referindo "Nestas situações de violação a mais urgente é a criação de apoios imediatos, ou seja, apoio na crise (. ..), porque é a partir daí que a pessoa começa a organizar as coisas, os sentimentos, toda a situação; porque naquele momento eu penso que a pessoa não consegue entender a que lhe aconteceu conscientemente e, posteriormente, traz-lhe problemas [consequências mais tarde]. As pessoas deveriam receber esse apoio no momento em que são vistas pelos médicos.». 

Naturalmente, sabemos que muitas vítimas não são vistas por médicos/as. Sabemos que muitas não denunciam a ninguém ou que o fazem passado muito tempo. Para que todas as pessoas vítimas de crimes sexuais possam ter apoio na crise. Para que todas as mulheres - sim, há homens violados, mas a assimetria é abissal [mesmo considerando as violações intraprisionais] - possam ter apoio neste momento crucial.

É por sabermos que estes momentos são fundamentais para que a vítima possa gerir o momento traumático, que foi criada uma PETIÇÃO com a exigência da criação de um centro especializado no apoio a vítimas de violação. Para assinarem e divulgarem, caso concordem.


segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Strawberry Fields Forever





Não sou aderente da crença do in vino veritas por saber que, para além de desinibidor, o álcool também tem como efeito a distorção da percepção do sujeito que está alcoolizado. Contrariamente ao que a expressão latina parece induzir, o álcool não é uma poção da verdade. Assim, não é de espantar que a maior parte das coisas que me tenham sido ditas por pessoas embriagadas estivessem longe de corresponder à verdade. Ainda que, frequentemente, a realidade não correspondesse ao oposto das suas declarações, estas representavam um cenário muito, muito distante dos factos. No entanto, não foi o álcool que fez as pessoas dizerem-me aquelas coisas. Era da sua personalidade mentir; simplesmente, etilizadas, mentiam mais [não necessariamente melhor, apenas mais].

domingo, 23 de novembro de 2014

"Listeners of Atrocity"


Pergunto-me frequentemente como é que se consegue conhecer - no sentido de tomar conhecimento, ter notícia - a maldade humana e lhe sobreviver. Não falo de a experienciar, de ser vítima. Mas de testemunhar - ainda que indiretamente - essa mesma maldade. Jeanne Sarson e Linda MacDonald dedicam grande parte do seu quotidiano a ouvir vítimas de tortura [não estatal]; a descrição do «no gag reflex» foi apenas uma.


Jennifer McClure
«“No gag reflex.” This is a statement about the pedophilic crime of oral rape. One woman explained how her mother and father ‘trained’ her not to gag. Why? They were ‘preparing’ her for oral raping not only by her father but also for all the other insider like-minded torturers who were connected to her family. These were the ‘secret’ organized pedophilic in-house group or criminal ring. Additionally, Linda and I have also been told by those so tortured that their parent(s) frequently trafficked them to ‘client-perpetrators’ who wanted a child who was conditioned to withstand sexualized physical torturing. This is how one woman described her “no gag reflex” training;
Everything got twisted in “the family” - even food. For example, mashed potatoes were a very effective training tool. “The family” would stuff and stuff mashed potatoes into my mouth and throat, massage my throat while speaking ever so softly in voice tones that were trance and hypnotic-inducing. This exercise trained me to let the mashed potatoes slide down my throat without gagging, which taught and conditioned me not to gag during experiences of oral rape; something my father and others did very frequently to me.


Hoje, ao ouvir como é que uma criança lhes havia explicado que tinha o rosto negro por se ter magoado a jogar basebol, fechei os olhos por momentos, com força, na esperança de, de alguma forma, parar de visualizar o que elas me estavam a explicar que a criança mostrara quando lhe pediram para ela demonstrar como é que tinha jogado basebol. Alguém segurava o taco.... 

Não sei como é que se sobrevive a isto.

domingo, 9 de novembro de 2014

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

#ElaporEla [Jessica Athayde]


"O que é que há de ERRADO nesta imagem?
ABSOLUTAMENTE NADA"
#Stopthebeautymadness & #ElaporEla

Até hoje não fazia ideia de quem é a Jessica Athayde. É uma atriz portuguesa. Em Portugal e, um pouco por todo o mundo ocidentalizado, há uma enorme conexão entre o mundo da moda e o mundo do espectáculo com as agências de modelos a enviarem regularmente para os castings televisivos e de cinema os/as seus/suas modelos. Isso sucede porque se privilegia a imagem sobre a formação em representação.

Esta lógica está instalada há tantos anos que muitos/as profissionais não questionam sequer a coerência ou a utilidade disto. Quando há uma década questionei a minha diretora porque é que ela pediu um apresentador a agências de modelos em vez de a escolas de teatro e de cinema, ela olhou-me perplexa e respondeu: «não me ocorreu tal coisa».

Quando se diz «as mamas dela estão a vender» a propósito de uma apresentadora com enorme dificuldade de articulação, percebe-se bem o papel que atribuem áquela pessoa. A televisão e os media são fábricas de produção de estrelas cadentes. No dia em que as mamas dela não venderem, ela cai. Porque ela É o seu corpo. Os homens têm um corpo, as mulheres são o corpo. E é sobre esta questão que a Jessica fala num texto em resposta às críticas que recebeu a propósito da sua participação num desfile de moda.

Claro que algumas críticas terão fonte feminina. As mulheres são rápidas a criticar o [seu] corpo e o de outras. Não porque haja alguma maldade particular em todas as mulheres [isso é coisa da Idade Média, ok? Já passou, podem guardar as ideias medievais sobre a malícia que habita o sexo feminino; embora haja, naturalmente mulheres más e mulheres que têm comportamentos que revelam crueldade isso não é uma característica extensível a todo o grupo de seres humanos do sexo feminino; portanto, viajem até à contemporaneidade: vão ver que vos vai fazer bem];

     também não acho que as considerações negativas tenham como motivação a inveja. Essa coisa do quem desdenha quer comprar é uma interpretação básica e duvidosa do processo de projeção [transferência para o/a outro/a o que nós fazemos ou queremos]. A inveja não explica tudo. Quando criticamos a rapariga que diz nos media que o seu desejo é ter uma mala da channel não é a inveja que origina a crítica. É um pouco mais complexo que isso. E sim, nada disto invalida que haja mulheres com inveja de outras mulheres, simplesmente nem todas as críticas têm como motivação a inveja.

As mulheres autopoliciam-se constantemente. E esse autopoliciamento implica também uma avaliação constante do corpo das outras mulheres. As capas das revistas femininas não são assim tão diferentes das capas das revistas masculinas e, no entanto, o público alvo é diferente. O olhar desses públicos também é diferente, apesar de todos/as avaliarem. E porque as mulheres são avaliadas não pelo que sabem fazer ou pelo que são, mas pelo que parecem, a avaliação sobre o corpo feminino é constante.

Jessica Athayde, num texto da sua página pessoal, convida as mulheres a resistir ao simplismo da redução da pessoa ao seu corpo. E eu estou com ela.


#Ela por Ela. 

& Claro, o 




segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Recado à Câmara Municipal de Lisboa

Caríssimos/as da autarquia,

A sério que não dava para antecipar que sem limpeza [ou sem limpeza de jeito] qualquer metro cúbico de pluviosidade vale por quilómetros cúbicos de águadeiro? 

Se, sempre que chover a cântaros, a rotunda do Marquês ficar no estado em que estava há duas horas, só por causa da chuvada que são pedro lá deixou cair, então o melhor é preparmos muitas câmaras de ar para tornar os carros híbridos - mas do hibridismo terra/mar e não gasolina/eletricidade.

A rotunda [e a avenida da Liberdade!] pareciam maravilhas de um país onde não se pagam impostos. Nem imagino como estaria a estação do metro....

domingo, 14 de setembro de 2014

O vício da pobreza



«Em Portugal há aquilo a que chamamos a transmissão intergeracional da pobreza e temos que quebrar com essa transmissão.» Isabel Jonet


reblogged from thisisn'thappiness


Absolutamente verdadeira, esta declaração apenas surpreende pela frase que lhe segue. 

Jonet considera que é por uma espécie de deficiência genética que a alguém que nasce, cresce - vive - numa família pobre, não consiga sair do ciclo de pobreza. Jonet fala de pobres como se a pobreza fosse a sua identidade. É como se a pobreza fosse uma nação com cidadãos/ãs - os/as pobres. Estes/as parecem ter uma lacuna, uma falha no desenvolvimento - talvez um vírus, quem sabe - porque insistem em «manter-se na pobreza». Afinal de contas, de acordo com a presidente do Banco Alimentar (BA), nesse país chamado pobreza «há profissionais  habituados a andar de mão estendida, sem qualquer preocupação em mudar». E não pode ser, não é, Jonet? Isso de ser pobrezinho por opção tem que acabar. A solução? «quando se ajuda uma família pobre, deve-se procurar que essa família queira deixar de ser pobre». A pobreza é uma doença, o assistencialismo um dependência.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

# Stop the Beauty Madness




É claro que sim, que esta campanha merece mais do que uma imagem e uma ligação, mas o tempo escasseia. Não é apenas uma ideia à la Dove, como quando a marca mostra que há mais tipos de beleza do que os media nos mostram.
A #Stop the Beauty Madness não pretende apenas mostrar que há diferentes tipos de beleza e de corpos, mas sim questionar a importância da beleza nas nossas sociedades.  

sábado, 5 de julho de 2014

O que adoro no Porto - II



Caminhar da Casa da Música até ao Castelo do Queijo.
Comer uma tosta na Casinha
Parar em Agramonte para chorar o meu amor.
Comer um gelado numa esplanada da praia e respirar.
E a rua Fernandes Tomás, pois claro.

domingo, 22 de junho de 2014

O que adoro no Porto





E também: a vista a partir do Seminário de Vilar, a simpatia do Fernando e o seu Retiro dos Carvalhos, as histórias do Guarda Serôdio [e os Amigos do Gaspar] e, claro, a maravilhosa Estação de São Bento [e muitas outras coisas a ver e rever a cada visita].

sábado, 21 de junho de 2014

Audre Lorde e o nosso silêncio


«And of course I am afraid, because the transformation of silence into language and action is an act of self-revelation, and that always seems fraught with danger.(...).
In the cause of silence, each of us draws the face of her own fear - fear of contempt, of censure, or some judgment, or recognition, of challenge of annihilation. But most of all, I think, we fear the visibility without which we cannot truly live. (...). Because the machine will try to grind you into dust anyway, whether or not we speak. We can sit in our corners mute forever while our sisters and ourselves are wasted, while our children are distorted,while our earth is poisoned; we can sit in our safe corners mute as bottles, and we will still be no less afraid.»

Audre Lorde (2007).«Transformation of Silence» In Sister Outsider. Berkeley: Crossing Press, p.42


Este ensaio em particular, «Transformation of Silence», datado de 1977 é absolutamente atual e atinge qualquer um de nós, homens ou mulheres, que sustentamos nos nossos quotidianos silêncios, os nossos e os de outros, Exatamente por medo. 
Cada qual escolha o(s) seu(s).

Tem sido um verdadeiro prazer, conhecer a escrita de Audre Lorde. No que diz respeito a este livro, uma compilação de ensaios e discursos da poetisa (uso a palavra poetisa, sem qualquer desmerecimento. Os poetas não são maiores ou melhores do que as poetisas. As poetisas são mulheres, os poetas são homens. Nada mais.). Mulher, negra e lésbica, é realmente muito interessante ler uma voz que nos guia pelos meandros de uma tripla discriminação . E sim, é feminista.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

O problema da auto-proteção

Lara Jota, criminóloga, criou uma plataforma de partilha de informação de pequena criminalidade: o mapscrime*. Pelos exemplos dados por Lara, por pequena criminalidade entende-se crimes sem violência ou sem grande violência: furto a veículo, furto simples. Ela dá ainda o exemplo de roubo por esticão, embora este seja um crime violento. Aliás, é precisamente a violência que o distingue do furto, pelo que o uso da expressão «pequena criminalidade» - como sendo o âmbito da plataforma - não é claro.

O objetivo da plataforma é permitir a consulta da localização de incidências de atos de pequena criminalidade em determinadas zonas. Uma espécie de geo-inventário criminal. Por exemplo, antes de sair de casa (ou do trabalho), acede-se à plataforma para ver se houve ou não episódios criminais no percurso que vamos fazer. Desta forma, ajuda-se «o cidadão a auto-proteger-se». De que maneira? «Sabendo que naquele local houve um roubo por esticão, ele/a protege-se não andando «descontraidamente» de bolsa na mão ou ao ombro.... talvez ponha a bolsa do outro lado «e assim está a auto proteger-se», explica Lara. 

Presume-se que a plataforma, sendo de livre acesso, pode também servir de ajuda aos/às meliantes que assim podem identificar zonas onde os/as transeuntes, previsivelmente, circularão mais «descontraídos/as».
Os/as delinquentes adaptam-se aos sistemas de segurança, portanto, não ter isto em consideração parece-me uma falha em qualquer sistema que incida na responsabilização da potencial vítima (o chamado carjacking - que basicamente consiste no rapto do automóvel - terá sido uma consequência de alarmes e sistemas de segurança automóvel que tornam os veículos difícilimos ou quase impossíveis de furtar).

Lara Jota lembra que muitas pessoas não denunciam os crimes e afirma que o mapscrime poderá ser uma ajuda para as autoridades. A ideia será, portanto, a de complementar as denúncias formais com as denúncias informais, permitindo assim às autoridades ter acesso a informação que não chega às esquadras.

Mas a pequena criminalidade não é a prioridade de nenhum órgão de polícia criminal (OPC). Logo, a existência desta plataforma enquanto auxílio de investigação criminal está comprometida à partida. A pequena criminalidade poderia ser uma prioridade se assim fosse determinado politicamente e caso os OPC tivessem meios (humanos e técnicos) suficientes para poderem dar atenção à pequena criminalidade. Num momento em que não há sequer material de recolha de vestígios forenses para alguns dos OPC, não me parece que a polícia vá consultar uma plataforma de inventariação de pequenos crimes. Isto, para não falar da questão da formalização do processo judicial com base neste tipo de informação. Ou seja, na inutilidade da mesma, uma vez que carece de valor penal.

A não denúncia provoca, antes de mais, desvios nas estatísticas de criminalidade impossibilitando um conhecimento real do fenómeno e deficiências nas estratégias de combate ao crime. Parece-me que a promoção da denúncia informal acentua o problema e traz outras questões adicionais. Por exemplo, a não denúncia fomenta também a não atuação da polícia. Imagine-se que há alguém que atua num perímetro específico cometendo, como o exemplo dado por Lara à TSF, roubo por esticão. A identificação do/a autor/a do crime será certamente mais difícil se apenas duas vítimas apresentarem queixa na polícia, e as restantes dez usarem a plataforma para denunciarem a sua vitimação. A não denúncia formal «esconde» que o número de vítimas real é doze e não duas, não elevando o incidente à qualidade de «investigável».

Ao invés de nos conformarmos com o facto de as pessoas não apresentarem queixa (sobretudo por haver o sentimento de inutilidade na apresentação da queixa) seria útil promover uma atitude de confiança do/a cidadão/ã face aos órgãos de polícia criminal e da justiça (tem havido algumas campanhas nesse sentido e é fundamental que a sociedade tenha confiança na operacionalidade e integridade dos seus OPC e na Justiça).

Lara Jota apresenta o mapscrime como uma plataforma de apoio ao/à cidadão/ã para a auto-proteção. Ao identificar os pontos problemáticos do seu percurso, o/a cidadão/ã poderá assim evitá-los, ou nessa impossibilidade, prevenir-se, estando alerta, ou como refere Lara, andar menos descontraído/a.

Mas, o/a cidadão/ã está a auto-proteger-se ou está a auto vigiar-se? Está a auto-proteger-se ou a aumentar sentimentos de insegurança e paranóia? Está a auto-proteger-se ou a incutir em si a responsabilidade de não ser vítima de um crime (evitando certas ruas, evitando horários e mesmo comportamentos - que, de resto, é já o que muitos/as cidadãos/ãs fazem, em particular mulheres, que sofrem de um medo de vitimação sexual de forma que poucos homens sentem). Estamos nós, enquanto sociedade, a transferir a responsabilidade de quem comete o crime para quem é vítima do mesmo? Porque é que se coloca a tónica na não vitimação, ou na responsabilidade de evitar ser vítima ou na obrigação de se defender ou proteger, em vez de se colocar a atenção no dever de «não cometer crimes»? E até onde vai o dever da auto-proteção?

Nudnik Nastya Ptichek

Carine Mardorossian adverte que os conselhos dados às mulheres para «evitarem crimes sexuais» as instigam à hipervigilância e à monitorização do seu comportamento. Ela compara estas atitudes a uma espécie de panótico, à la Foucault: «um sistema individualizado e interiorizado de vigilância, pelo qual cada mulher se torna vigilante de si própria», que faz com que as mulheres estejam permanentemente (de forma consciente ou não) a verificar a conformidade dos seus comportamentos e atitudes à potencialidade vitimizante da situação. Desta forma, «em vez de se questionar o princípio da autovigilância», espera-se que as pessoas se auto-policiem.

Ora, sabe-se também que a violência e a criminalidade estão relacionadas com a desigualdade social. Quanto mais desigual for uma sociedade, maior é a probabilidade de haver números elevados de criminalidade e de esta ser violenta. Este princípio verifica-se igualmente ao contrário: quanto menos desigual é uma sociedade, menos criminalidade há. Sabemos por isso que, o problema não é a ostentação de um fio de ouro. Antes, o problema reside na incapacidade de aquisição desse bem por grande parte da sociedade. 

Tal como o problema da violência sexual não se baseia na quantidade de pele visível (caso contrário, as praias seriam os cenários preferidos para agressores sexuais e isso não se verifica), mas antes nos níveis de desigualdade de género na sociedade. Aliás, sabemos que nos países onde, tendencialmente, a quantidade de pele visível das mulheres é ínfima, há indíces elevadíssimos de violência de género, apesar de elas acederem ao espaço público de forma quase invisível. De resto, nunca foi uma burca ou um hábito de freira que impediu violações (ou sequer a idade, havendo vítimas tão novas quanto bebés e tão velhas quanto nonagenárias). A violação é um crime violento com uma expressão sexual. Não é um crime de motivação sexual, ou pelo menos, de motivação exclusivamente sexual (e desde os anos 60 do século XX que se sabe disto). Por isso é que é possível andar com pouca roupa na rua sem sequer ser molestada com o olhar e, de igual forma, é possível ser atacada, em pleno de inverno vestindo um sobretudo até aos pés.

É ao Estado que cabe a tarefa de defesa e execução da justiça e não ao/à cidadão/ã. A ideia de que o/a cidadão/ã tem o dever de se proteger ou prevenir a sua vitimação é muito cara aos EUA, que têm uma política de porte de arma com as consequências que se conhecem. Não será de todo casual que, segundo é dito na peça, somente os EUA têm semelhante plataforma, não existindo nenhuma na Europa.

No entanto, não é a política altamente securitária e o direito constitucional à autodefesa dos EUA que inibem as elevadas estatísticas de crimes violentos. A investigadora afirma que neste país se verificou uma diminuição de furtos a veículos após o uso desta aplicação. Qual é a relação? Os/as proprietários/as dos veículos passaram noites em claro a vigiar os carros com vista a qualquer aproximação suspeita? E atiraram tiros de aviso? Passaram a fechar melhor as garagens? Passaram a estacionar os carros noutros locais com menor incidência de furtos? Supõem-se que... até os/as meliantes descobrirem qual os locais considerados seguros, segundo a plataforma.

E até onde vai o dever da pessoa em evitar a vitimação? E se as pessoas não puderem evitar os locais perigosos? Terão de passar a andar armadas para cumprir a obrigação de se proteger?


* adoro inglês e também não estou isenta de críticas no abuso do inglês no meu quotidiano. No entanto, acredito que quando se tem o poder da nomeação e se opta por expressões em línguas estrangeiras se abdica de partilhar a riqueza da língua portuguesa. Mapa Criminal é uma expressão que serve perfeitamente para mapscrime

segunda-feira, 2 de junho de 2014


Em 2014 ainda há tanta gente em Portugal que se confunde [que já não há paciência].





Acho que, juntamente com prostituta (sim, no feminino) feminismo(s) deve ser dos termos que mais confunde certas pessoas.
Ah, e já agora: insisto no plural: Feminismo(s). 
No entanto, a noção RADICAL de que as mulheres também são PESSOAS com direitos é comum a todas as correntes feministas.

sexta-feira, 23 de maio de 2014

Realmente, os/as portugueses/as já pagam tantos impostos... mas, felizmente, o "feminismo"* passa factura



«esta história do feminismo está-se a tornar ridículo [sic]... todos vamos pagar a fatura desta «ideologia de género», e não demora muito»

(comentário assinado por curto5litros, no JN, à notícia da apresentação de Helena Costa, treinadora do Clermont, à imprensa)

Thierry Zoccolan fotografa Helena Costa, uma das primeiras mulheres (a primeira terá sido Carolina Morace) a treinar uma equipa masculina de futebol profissional

*Pus entre aspas porque não há tal coisa como Feminismo no singular. Há Feminismos.


Há sempre alguém disposto a pensar por ti

Dificilmente eu deixaria de exercer o meu DIREITO de voto. Para que hoje eu possa votar muitos homens e muitas mulheres morreram. E as mulheres, claro, demoraram muito mais tempo a ver-lhes reconhecidos todos os direitos de cidadania. O percurso iniciado pela Carolina Beatriz Ângelo e restantes feministas republicanas é longo e cheio de retrocessos [o João Esteves explica].

   
Diretamente do Ephemera
Distancio-me das leituras que associam a abstenção unicamente a desinteresse e comodismo. Acredito que quem se abstém também está a dizer alguma coisa, de facto, diversas coisas, entre as quais, que não se revê em nenhuma das propostas partidárias ou ainda no próprio sistema político-partidário democrático e que, por isso, se recusa a participar nesse mesmo sistema. No entanto, a abstenção leva-nos a que os lugares disponível sejam distribuídos pelos partidos votados, originando distorções, como se pode ver na imagem abaixo.


Menos de metade da população com direito a sufrágio foi votar (46,63%). Destes, pouco mais de 20% votou no atual presidente da República. Sucede que, legalmente (e simbolicamente) ele representa todos/as os/as portugueses/as - mesmo aqueles/as que optaram por não votar.

domingo, 18 de maio de 2014

No Limite da Dor e Histórias Clandestinas




Ana Aranha é uma jornalista portuguesa, autora de dois [entre outros] trabalhos notáveis para a memória portuguesa sobre a repressão do Estado Novo. 

As pessoas a quem Ana Aranha dá voz - num órgão de comunicação nacional estatal - fazem parte da História recente de Portugal.

No Limite da Dor traça as características das entranhas da submissão do corpo e do espírito. Ana Aranha ouviu gente que «falou» e contribui para a detenção de companheiros/as e outros/as que o não fizeram. E embora o escreva desta forma, não há distinção entre eles/as. Pelo menos para mim. A dor é semelhante. O que pode fazer uma pessoa ceder e outra não não se resume a um querer ou a um corpo menos ciente da dor. Hoje podemos pensar que qualquer droga pode fazer falar um/a prisioneiro/a. No entanto, a tortura prolifera como prática comum nas cadeias. Não é a obtenção de informação que motiva a tortura. Antes a tendência para marcar no corpo a submissão.

Este trabalho deu origem a um livro da autoria de Ana Aranha e Carlos Ademar.

Após as comemorações dos 40 anos da Revolução de Abril, Ana Aranha não parou de homenagear quem lutou contra a ditadura e produziu as Histórias Clandestinas, sobre gente que abidcou de uma cidadania limitada para uma existência ilegalizada. O testemunho de Margarida Tengarrinha é particularmente pungente. As histórias estão todas disponíveis para audição na página da Antena 1. Vantagens de viver na era da Internet.


quinta-feira, 8 de maio de 2014




Leio, no DN, que 866 mil pessoas viram o festival da eurovisão, no qual a Susy foi eliminada.
Ocorreu-me que o CDS não conseguiu sequer 700 mil votos e (des)governa as nossas vidas.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Solidariedade e Liberdade

Alfredo Cunha, 25 de Abril 1974. A partir daqui.

A cidade é um chão de palavras pisadas
A palavra criança, a palavra segredo
A cidade é um céu de palavras paradas
A palavra distância, a palavra medo
(...)

Ary dos Santos

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Aumento do SMN: é agora que os/as pobres vão voltar a viver acima das suas possibilidades!


Ontem ouvi no Fórum da TSF, um senhor de uma associação do comércio (infelizmente, não memorizei o nome) afirmar que um aumento do Salário Mínimo Nacional seria benéfico porque ia causar uma «animação no consumo», uma vez que, segundo ele, as pessoas usam o salário mínimo «para consumo».




Não sei em que país este senhor vive, mas não é certamente aquele em que eu vivo, ou, pelo menos, com as pessoas que eu conheço e que ganham o salário mínimo nacional, por um trabalho de oito horas diárias. E não, essas pessoas não trabalham em nenhuma linha de montagem industrial. Trabalham num centro de contacto (ou seja, um trabalho neo-fordiano na área dos serviços), que anuncia a linha como «altamente especializada» e onde a empresa cliente paga à empresa de outsourcing mais do dobro por cada posto de trabalho, que aquilo que quem ocupa efetivamente esse posto recebe. Porquê? Porque, prefere dar dinheiro a uma empresa intermediária que, mensalmente, fica com 50% de lucro (já depois de descontado os proporcionais de subsídios de natal e de férias e eventuais indemnizações de final de contrato).

O que irão fazer estes/as assistentes cujos passes sociais podem custar 92€ e que ganham 485€? Consumir, pois claro. Suponho que por consumo se estivesse o senhor a referir a aquisição de bens não essenciais. Mas eu posso esclarecer: estas pessoas, se forem aumentadas e se esse aumento não for consumido pelo Estado sob a forma de impostos, irão pagar dívidas: as dívidas que são obrigadas a contrair para poder sobreviver. Animar o consumo? Esta gente não tem a menor noção do que é viver com 485€ mensais. Mesmo.


terça-feira, 18 de março de 2014

Queria de ti um País

Chegou o
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A 4.ª Edição do Festival Literário da Madeira «adotou como porta-estandarte os versos» de Mário Cesariny:

Queria de ti um país de bondade e de bruma
Queria de ti o mar de uma rosa de espuma






quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

"Vamos fingir que a questão é o aborto"







Portugal costuma ser um país onde as tendências demoram a chegar. Talvez seja da posição geográfica. 
No entanto, desta vez - talvez pelo efeito globalizante da União Europeia - certas correntes não tardaram a dar o ar de sua graça. O post da Isabel Moreira trata precisamente disso.
Os ventos ultraconservadores que assolam alguns países europeus (para além de Espanha, agora em França gritam-se coisas divertidíssimas como «não toquem nos nossos estereótipos de género» - uma verdadeira ternura, embora eu prefira a versão de que a «teoria do género visa destruir a Criação e libertar todas as perversões humanas»: uns demónios, portanto. Ou melhor, umas filhas do demo, que já se sabe que onde há maldade há mulheres). Da Polónia também não vêm melhores ventos.


De notar que não tenho nada contra quem não aceita o aborto como uma solução ou que não compreenda orientações sexuais diferentes da sua. Desde que se mantenham na sua vida. Eu, que sou a favor da IVG, e que defendo que todas as mulheres têm o direito (dentro das condições previstas na atual lei) a decidir pela continuidade ou não de uma gravidez, não impeço ninguém de ter filhos. Aliás, quem está minimamente familiarizado com o processo sabe bem que é muito mais fácil apoiar uma grávida em desespero e indecisa que vá a um hospital para interromper uma gravidez - porque há uma equipa que se encarrega de lhe dar soluções que ela desconhece e à qual seria impossível recorrendo à clandestinidade.


Não me incomoda minimamente que alguém diga (e aja em conformidade) que jamais abortaria (porque é contra as suas convicções ou por outro motivo qualquer). Agora, não se venham meter na minha vida e na vida alheia. E sim, acho que é dever do Estado criar condições e apoiar toda a gente que queira ter filhos e que não os ter (quando se quer ser mãe e pai) por falta de apoio do Estado é um redondo falhanço das funções do Estado e dos direitos de cidadania. Apoio do Estado passa por políticas amigas da família, por uam carga fiscal menos pesada e pela facilidade de acesso a estruturas de apoio educativo a custos acessíveis. Da mesma maneira não me incomoda que alguém afirme que discorda do casamento entre pessoas do mesmo sexo e que a ICAR não o reconheça no direito canónico. É-me indiferente. Estão no seu direito. Agora, vamos lá ver: a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, que eu saiba, não veio prejudicar o contrato conjugal heterossexual. Portanto, a única coisa que vejo que possa motivar a oposição é uma grosseira intromissão na vida privada de outra pessoa. Eu posso achar um disparate alguém fazer um contrato de compra e venda com condições que considere obscenas. Se isso me dá o direito de impedir a celebração daquele contrato? Não, não dá. Portanto, meninos/as concentrem-se lá nas vossas vidinhas e deixem que cada um cuide da sua, ok?

Ah, e poupem lá na conversinha de que «se trata de uma vida». É que quando papagueiam essa conversa quer-me parecer que não é da vida da grávida que estão a falar. Pelos vistos, há vidas mais importantes que outras. Savita Halappanavar. Ouviram falar? Está morta. Porque, apesar de nem ser católica, uma cambada de obscurantistas se recusou a fazer-lhe um aborto porque o coração do feto ainda batia. Um feto de 17 semanas. O coração desta mulher de 31 anos também bateu até ao dia 28 de Outubro de 2012. 
Não se atrevam a falar em respeito pela vida.

Ah, no meu caso, não é só a barriga que é minha, a vida também. Não, a minha vida não pertence a deus, que se ele quiser, há-de ter muito mais que fazer que andar a fiscalizar as alcovas e consciências alheias. Há muito certamente para deus fazer no planeta. Estou em crer que ele não quer saber de sexo para nada.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


Após todas entrevistas, conferências de imprensa, reportagens, discussões, denúncias, artigos de opinião, e processo-crime, nem se cumpre um período de nojo. 
Hoje, havia praxantes e praxados/as no jardim do Campo Grande.

Como se nada tivesse acontecido. Como se não houvesse um antes e um pós-Meco. É como se, vestidos daquela maneira - em contraste com os vestidos à futrica - dissessem: queremos lá saber do Meco para alguma coisa. Quem manda aqui somos nós. 

Não, não é um ato de coragem ou de rebeldia. Quem precisa de se afirmar à custa da humilhação alheia está condenado/a a ser um/a cobarde para sempre.
É um ato de cobardia - precisamente porque sabem de antemão que nada irá acontecer. Porque nunca nada aconteceu, exceto para as vítimas e,  nos casos mortais, também para  as suas famílias.

Reblogged from This isn't Happiness


Ah, esqueci-me, era tudo integração. Em Fevereiro ainda precisam de (mandar) rastejar e comer relva para (se) integrarem. E eu achar que era só no início das aulas.

Julgo que, contrariamente ao que fui ouvindo, em Setembro nada mudará. Para quem não quer participar mas se sente coagido/a ou pressionado/a a fazê-lo não haverá diferenças. A hostilidade permanecerá igual.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Alucinação


E se, ao entrar na cafetaria da Biblioteca Nacional, vir o Jeremy Irons a beber um café isso é...
uma alucinação, evidentemente.


Acontece-me frequentemente, não necessariamente com o Jeremy Irons, mas a minha propensão para ver pessoas em objetos e vice-versa é já um clássico.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014




Isso não é verdade (para além de ser um argumento totalmente idiota).

O Estado proíbe a condução a pessoas sem habilitação legal e que estejam sob efeito de um determinado valor de substância alcoolizante ou estupefaciente. Aliás, é precisamente porque «morrem pessoas nas estradas» e com o objetivo de dissuadir certas condutas consideradas perigosas para si e para os/as outros/as, que o Estado as criminaliza. Adicionalmente, pode haver cassação da carta de condução... portanto, sim, proibe-se muita gente de andar na estrada! Mais, a ignorância da lei (desconhecer que sem um título legal não se pode conduzir) não inibe a culpa (embora a possa atenuar) pelo crime. E sim, dependendo do grau de intoxicação e do comportamento do/a condutor pode ser crime, e portanto, ser punido com pena privativa da liberdade, que é como quem diz, cadeia. 

Há coisas fantásticas, não há?

As pessoas às vezes dizem cada coisa. Se o administrador não é favorável à proibição da praxe (e está no seu direito) então que defenda a sua convicção com argumentos... sei lá, intelectualmente honestos e, já agora, racionais.


sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Oh Boy




A sessão de abertura da Mostra de Cinema de Expressão Alemã - Kino (cinema, em alemão), organizada pelo Goethe Institut - continua a  proporcionar excelentes serões no São Jorge. 

Depois de Barbara (as idiossincrasias, tensões e contradições de uma alemanha dividida), de Almanya (filme maravilha sobre uma família turca a viver há duas gerações na terra da Angela Merkel, cujo patriarca decide fazer uma viagem familiar ao país do Atartürk); Drei, que como o próprio nome indica, relata o encontro e (reencontro) de três pessoas que se relacionam romanticamente (esqueçam as estórias de um gajo que trai a mulher ou da gaja que trai o marido. Este não é um filme de triângulos em que há uma pessoa traída e outra que trai. Esta é uma estória fantástica ao agrado da comunidade poliamorosa) e de Same same but different (a história de Benjamin Prüfer baseada num episódio marcante da sua vida), eis que a Kino traz para o ecrã do São Jorge (e, pela primeira vez, para o Teatro do Campo Alegre no Porto, e para o TAGV em Coimbra), Oh Boy, um filme a preto e branco, com um Tom Schilling verdadeiramente entregue à tarefa de fazer viver Nico Fischer, esse trintinho alemão que não sabe bem o que fazer à vida.

Para além das bandas sonoras (os filmes alemães que vi são um bom exemplo de como uma banda sonora bem escolhida pode melhorar substancialmente a experiência de assistir ao desenrolar de uma estória), os filmes selecionados para abrir as Kino refletem muito da vivência alemã. Apesar de o Drei se poder passar em qualquer país ocidental (sobretudo do norte da Europa), e de a nacionalidade do rapaz do Same same but different facilmente se poder alterar sem adulterar o conteúdo da história, a verdade é que há imensos detalhes que só poderiam passar-se na Alemanha. As reações dos clientes do bar (Oh Boy) onde o velho faz a saudação hitleraiana não poderiam ocorrer noutro local que não na Alemanha. A narração da noite de cristal também não.

Contudo, a Kino é uma mostra de cinema de expressão alemã e não de cinema alemão (apesar de este post poder indiciar outra coisa, mas apenas me refiro a filmes de abertura) e, portanto, as películas em exibição podem ser suiças, luxemburguesas, austríacas e alemãs). Portugal, o Brasil, Timor e os PALOP nunca poderiam fazer uma coisa destas, pois não? Estamos demasiado concentrados/as em provar como o português europeu é melhor que o do Brasil e ignoramos magistralmente Timor e qualquer país dos PALOP. Não, o alemão que se fala no cantão alemão da Suiça, evidentemente, não é igual ao que se fala em Berlim. Aliás, duvido muito que o que se fala em Berlim seja igual ao que se fala em Bona. O português padrão - que se ouve na televisão e nos media - não representa todos/as os/as falantes. A língua é muito mais rica do que aquilo que os media (e alguns/mas intelectuais) nos fazem (querem fazer) crer.


terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Sedução

This isn't happiness


Durante anos (na verdade, séculos), a legislação portuguesa previa o crime de estupro, o qual consistia na relação sexual (ou melhor, na cópula) consentida - e conseguida - através de sedução. Ora, por causa disto, os nossos doutos juízes discorreram linhas e linhas acerca do que seria «seduzir alguém». Alguns sustentavam que sedução seriam atos de «fraude ou engano». Ou seja «um processo de determinar alguém a praticar uma ação contrária ao seu dever ou aos seus interesses, e que, sem a sedução, não teria praticado».

E eu estou aqui a pensar que uma sociedade que acredita e define sedução como um processo com vista à manipulação é uma sociedade com muito pouca imaginação.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Runião geral das pessoas que dizem tufone

The GatheringGlen Tarnowski


Eu bem sei que a Língua é um organismo vivo e, portanto, em permanente mudança. Que o que dita a curva da fertilidade lexical é o uso que os/as falantes fazem da sua Língua. Também estou ciente que é provável que, daqui a uns anos, quinhentas gramas se tenha tornado na fórmula correta, apesar de, atualmente, a palavra [grama] ser (ainda) do género masculino.

Mas estou convicta que no dia em que, por insistência de alguns/mas cidadãos/ãs,  os telefones passarem a tufones e as reuniões a runiões  ter-se-à prestado um estranho [péssimo] serviço à Língua portuguesa.