domingo, 22 de junho de 2014

O que adoro no Porto





E também: a vista a partir do Seminário de Vilar, a simpatia do Fernando e o seu Retiro dos Carvalhos, as histórias do Guarda Serôdio [e os Amigos do Gaspar] e, claro, a maravilhosa Estação de São Bento [e muitas outras coisas a ver e rever a cada visita].

sábado, 21 de junho de 2014

Audre Lorde e o nosso silêncio


«And of course I am afraid, because the transformation of silence into language and action is an act of self-revelation, and that always seems fraught with danger.(...).
In the cause of silence, each of us draws the face of her own fear - fear of contempt, of censure, or some judgment, or recognition, of challenge of annihilation. But most of all, I think, we fear the visibility without which we cannot truly live. (...). Because the machine will try to grind you into dust anyway, whether or not we speak. We can sit in our corners mute forever while our sisters and ourselves are wasted, while our children are distorted,while our earth is poisoned; we can sit in our safe corners mute as bottles, and we will still be no less afraid.»

Audre Lorde (2007).«Transformation of Silence» In Sister Outsider. Berkeley: Crossing Press, p.42


Este ensaio em particular, «Transformation of Silence», datado de 1977 é absolutamente atual e atinge qualquer um de nós, homens ou mulheres, que sustentamos nos nossos quotidianos silêncios, os nossos e os de outros, Exatamente por medo. 
Cada qual escolha o(s) seu(s).

Tem sido um verdadeiro prazer, conhecer a escrita de Audre Lorde. No que diz respeito a este livro, uma compilação de ensaios e discursos da poetisa (uso a palavra poetisa, sem qualquer desmerecimento. Os poetas não são maiores ou melhores do que as poetisas. As poetisas são mulheres, os poetas são homens. Nada mais.). Mulher, negra e lésbica, é realmente muito interessante ler uma voz que nos guia pelos meandros de uma tripla discriminação . E sim, é feminista.

sexta-feira, 6 de junho de 2014

O problema da auto-proteção

Lara Jota, criminóloga, criou uma plataforma de partilha de informação de pequena criminalidade: o mapscrime*. Pelos exemplos dados por Lara, por pequena criminalidade entende-se crimes sem violência ou sem grande violência: furto a veículo, furto simples. Ela dá ainda o exemplo de roubo por esticão, embora este seja um crime violento. Aliás, é precisamente a violência que o distingue do furto, pelo que o uso da expressão «pequena criminalidade» - como sendo o âmbito da plataforma - não é claro.

O objetivo da plataforma é permitir a consulta da localização de incidências de atos de pequena criminalidade em determinadas zonas. Uma espécie de geo-inventário criminal. Por exemplo, antes de sair de casa (ou do trabalho), acede-se à plataforma para ver se houve ou não episódios criminais no percurso que vamos fazer. Desta forma, ajuda-se «o cidadão a auto-proteger-se». De que maneira? «Sabendo que naquele local houve um roubo por esticão, ele/a protege-se não andando «descontraidamente» de bolsa na mão ou ao ombro.... talvez ponha a bolsa do outro lado «e assim está a auto proteger-se», explica Lara. 

Presume-se que a plataforma, sendo de livre acesso, pode também servir de ajuda aos/às meliantes que assim podem identificar zonas onde os/as transeuntes, previsivelmente, circularão mais «descontraídos/as».
Os/as delinquentes adaptam-se aos sistemas de segurança, portanto, não ter isto em consideração parece-me uma falha em qualquer sistema que incida na responsabilização da potencial vítima (o chamado carjacking - que basicamente consiste no rapto do automóvel - terá sido uma consequência de alarmes e sistemas de segurança automóvel que tornam os veículos difícilimos ou quase impossíveis de furtar).

Lara Jota lembra que muitas pessoas não denunciam os crimes e afirma que o mapscrime poderá ser uma ajuda para as autoridades. A ideia será, portanto, a de complementar as denúncias formais com as denúncias informais, permitindo assim às autoridades ter acesso a informação que não chega às esquadras.

Mas a pequena criminalidade não é a prioridade de nenhum órgão de polícia criminal (OPC). Logo, a existência desta plataforma enquanto auxílio de investigação criminal está comprometida à partida. A pequena criminalidade poderia ser uma prioridade se assim fosse determinado politicamente e caso os OPC tivessem meios (humanos e técnicos) suficientes para poderem dar atenção à pequena criminalidade. Num momento em que não há sequer material de recolha de vestígios forenses para alguns dos OPC, não me parece que a polícia vá consultar uma plataforma de inventariação de pequenos crimes. Isto, para não falar da questão da formalização do processo judicial com base neste tipo de informação. Ou seja, na inutilidade da mesma, uma vez que carece de valor penal.

A não denúncia provoca, antes de mais, desvios nas estatísticas de criminalidade impossibilitando um conhecimento real do fenómeno e deficiências nas estratégias de combate ao crime. Parece-me que a promoção da denúncia informal acentua o problema e traz outras questões adicionais. Por exemplo, a não denúncia fomenta também a não atuação da polícia. Imagine-se que há alguém que atua num perímetro específico cometendo, como o exemplo dado por Lara à TSF, roubo por esticão. A identificação do/a autor/a do crime será certamente mais difícil se apenas duas vítimas apresentarem queixa na polícia, e as restantes dez usarem a plataforma para denunciarem a sua vitimação. A não denúncia formal «esconde» que o número de vítimas real é doze e não duas, não elevando o incidente à qualidade de «investigável».

Ao invés de nos conformarmos com o facto de as pessoas não apresentarem queixa (sobretudo por haver o sentimento de inutilidade na apresentação da queixa) seria útil promover uma atitude de confiança do/a cidadão/ã face aos órgãos de polícia criminal e da justiça (tem havido algumas campanhas nesse sentido e é fundamental que a sociedade tenha confiança na operacionalidade e integridade dos seus OPC e na Justiça).

Lara Jota apresenta o mapscrime como uma plataforma de apoio ao/à cidadão/ã para a auto-proteção. Ao identificar os pontos problemáticos do seu percurso, o/a cidadão/ã poderá assim evitá-los, ou nessa impossibilidade, prevenir-se, estando alerta, ou como refere Lara, andar menos descontraído/a.

Mas, o/a cidadão/ã está a auto-proteger-se ou está a auto vigiar-se? Está a auto-proteger-se ou a aumentar sentimentos de insegurança e paranóia? Está a auto-proteger-se ou a incutir em si a responsabilidade de não ser vítima de um crime (evitando certas ruas, evitando horários e mesmo comportamentos - que, de resto, é já o que muitos/as cidadãos/ãs fazem, em particular mulheres, que sofrem de um medo de vitimação sexual de forma que poucos homens sentem). Estamos nós, enquanto sociedade, a transferir a responsabilidade de quem comete o crime para quem é vítima do mesmo? Porque é que se coloca a tónica na não vitimação, ou na responsabilidade de evitar ser vítima ou na obrigação de se defender ou proteger, em vez de se colocar a atenção no dever de «não cometer crimes»? E até onde vai o dever da auto-proteção?

Nudnik Nastya Ptichek

Carine Mardorossian adverte que os conselhos dados às mulheres para «evitarem crimes sexuais» as instigam à hipervigilância e à monitorização do seu comportamento. Ela compara estas atitudes a uma espécie de panótico, à la Foucault: «um sistema individualizado e interiorizado de vigilância, pelo qual cada mulher se torna vigilante de si própria», que faz com que as mulheres estejam permanentemente (de forma consciente ou não) a verificar a conformidade dos seus comportamentos e atitudes à potencialidade vitimizante da situação. Desta forma, «em vez de se questionar o princípio da autovigilância», espera-se que as pessoas se auto-policiem.

Ora, sabe-se também que a violência e a criminalidade estão relacionadas com a desigualdade social. Quanto mais desigual for uma sociedade, maior é a probabilidade de haver números elevados de criminalidade e de esta ser violenta. Este princípio verifica-se igualmente ao contrário: quanto menos desigual é uma sociedade, menos criminalidade há. Sabemos por isso que, o problema não é a ostentação de um fio de ouro. Antes, o problema reside na incapacidade de aquisição desse bem por grande parte da sociedade. 

Tal como o problema da violência sexual não se baseia na quantidade de pele visível (caso contrário, as praias seriam os cenários preferidos para agressores sexuais e isso não se verifica), mas antes nos níveis de desigualdade de género na sociedade. Aliás, sabemos que nos países onde, tendencialmente, a quantidade de pele visível das mulheres é ínfima, há indíces elevadíssimos de violência de género, apesar de elas acederem ao espaço público de forma quase invisível. De resto, nunca foi uma burca ou um hábito de freira que impediu violações (ou sequer a idade, havendo vítimas tão novas quanto bebés e tão velhas quanto nonagenárias). A violação é um crime violento com uma expressão sexual. Não é um crime de motivação sexual, ou pelo menos, de motivação exclusivamente sexual (e desde os anos 60 do século XX que se sabe disto). Por isso é que é possível andar com pouca roupa na rua sem sequer ser molestada com o olhar e, de igual forma, é possível ser atacada, em pleno de inverno vestindo um sobretudo até aos pés.

É ao Estado que cabe a tarefa de defesa e execução da justiça e não ao/à cidadão/ã. A ideia de que o/a cidadão/ã tem o dever de se proteger ou prevenir a sua vitimação é muito cara aos EUA, que têm uma política de porte de arma com as consequências que se conhecem. Não será de todo casual que, segundo é dito na peça, somente os EUA têm semelhante plataforma, não existindo nenhuma na Europa.

No entanto, não é a política altamente securitária e o direito constitucional à autodefesa dos EUA que inibem as elevadas estatísticas de crimes violentos. A investigadora afirma que neste país se verificou uma diminuição de furtos a veículos após o uso desta aplicação. Qual é a relação? Os/as proprietários/as dos veículos passaram noites em claro a vigiar os carros com vista a qualquer aproximação suspeita? E atiraram tiros de aviso? Passaram a fechar melhor as garagens? Passaram a estacionar os carros noutros locais com menor incidência de furtos? Supõem-se que... até os/as meliantes descobrirem qual os locais considerados seguros, segundo a plataforma.

E até onde vai o dever da pessoa em evitar a vitimação? E se as pessoas não puderem evitar os locais perigosos? Terão de passar a andar armadas para cumprir a obrigação de se proteger?


* adoro inglês e também não estou isenta de críticas no abuso do inglês no meu quotidiano. No entanto, acredito que quando se tem o poder da nomeação e se opta por expressões em línguas estrangeiras se abdica de partilhar a riqueza da língua portuguesa. Mapa Criminal é uma expressão que serve perfeitamente para mapscrime

segunda-feira, 2 de junho de 2014


Em 2014 ainda há tanta gente em Portugal que se confunde [que já não há paciência].





Acho que, juntamente com prostituta (sim, no feminino) feminismo(s) deve ser dos termos que mais confunde certas pessoas.
Ah, e já agora: insisto no plural: Feminismo(s). 
No entanto, a noção RADICAL de que as mulheres também são PESSOAS com direitos é comum a todas as correntes feministas.