domingo, 31 de dezembro de 2006

Lullaby de Fim de Ano

Palavra de ordem: Tolerância!


Diz-se que mais um ano terminou, mas para mim foram mais umas férias que terminaram. Foi uma pausa bem apetecida e saboreada junto daqueles que mais amo.
Na rotina criada durante estes dias, a leitura dos blogs da minha preferência estiveram na ordem dos meus afazeres. O tempo é generoso nestas alturas. Depois, li alguma informação, pois aqui os jornais só a 20km de distância e a televisão só a “quatro canais”.
O calor da lareira aproximou a família, o cão e a gata, mas não aproximou posicionamentos. As divergências confluíram sempre em intermináveis conversas. O cão e a gata, laconicamente, também intervieram para reclamar comida ou carinho.
Cá em casa, todos somos pouco dados às festividades, principalmente quando são de índole religiosa e de muitos trabalhos. A festa é estarmos juntos.

Antes que o ano que-se-diz-estar-a-terminar e de se fazer votos para que TOLERÂNCIA seja a palavra de ordem para todos nós, gostaria de partilhar um pequeno excerto de um livro que ando a ler e que acho muito interessante. Daqui, um sopro desta aprazível brisa sob forma de palavras:
“ Quando, na pausa de dois tempos em que o cansaço me não assalta, olho para a caligrafia dos temas que, nas curvas mais recentes do dia, me têm ocupado os sonhos e as memórias (…) descubro rostos e silhuetas que tanto se me impõem, quando se me escondem nas máscaras com que me desafiam, Verifico, então, que é dos encontros e desencontros que se faz o pensar da vida e que a vida em nós se pensa.
Encontramo-nos em tempos já chamados de “pós-modernidade”, com os desencontros que nos constituem: culturas várias na pluralidade das suas linhas e nas lembranças das suas proximidades, feitas de secantes, de paralelas, de dissonâncias e de convergências, sedimentam-se em camaradas com peles de muitos rostos e com rostos de muitas peles; sonhos e utopias de um dia convertem-se em “distopias” de muitas madrugadas em que o medo e o terror nos paralisam as horas povoadas de silêncio, sombras e murmúrios (…).

(…) mostrar que, afinal, é no diálogo que realizamos o conhecimento, a paz e a concórdia no seu sentimento mais literal de encontro de corações que, na diferença, convergem para a unidade.”


“Introdução” in Diálogo Intercultural, Utopia e Mestiçagens (em tempos de globalização), João Maria André, Ariadne Editora, 2005.

sábado, 30 de dezembro de 2006

Silly Season

São tempos de reencontro; com as palavras aladas da pena a que sempre voltamos. Emprestar o dedo ao desfiar das frases, do novelo de pensamento que teima em se manter fora do alcance do (primeiro) olhar.

As viagens são sempre tempos de abundância; de cheiros e sabores, de gente, de livros e de (novos) sons.
São também sempre lugar de não pertença, de desconforto, de espanto.
São, em cada caso, uma dádiva.
Adivinham, sempre, saudade.

domingo, 24 de dezembro de 2006

Lullaby de Natal

A ele retorno sempre, obssessivamente...
There's no fear about
If we all hold hands and very quietly shout
Hallelujah
God is in the house
God is in the house
Oh I wish He would come out
God Is in the House

sábado, 23 de dezembro de 2006

Menino Jesus

(...) Tinha fugido do céu. Era nosso demais para fingir De segunda pessoa da Trindade. No céu tudo era falso, tudo em desacordo Com flores e árvores e pedras. No céu tinha que estar sempre sério E de vez em quando de se tornar outra vez homem E subir para a cruz, e estar sempre a morrer Com uma coroa toda à roda de espinhos E os pés espetados por um prego com cabeça, E até com um trapo à roda da cintura Como os pretos nas ilustrações. Nem sequer o deixavam ter pai e mãe Como as outras crianças. O seu pai era duas pessoas - Um velho chamado José, que era carpinteiro, E que não era pai dele; E o outro pai era uma pomba estúpida, A única pomba feia do mundo Porque nem era do mundo nem era pomba. E a sua mãe não tinha amado antes de o ter. Não era mulher: era uma mala Em que ele tinha vindo do céu. E queriam que ele, que só nascera da mãe, E que nunca tivera pai para amar com respeito, Pregasse a bondade e a justiça! Um dia que Deus estava a dormir E o Espírito Santo andava a voar, Ele foi à caixa dos milagres e roubou três. Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido. Com o segundo criou-se eternamente humano e menino. Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz E deixou-o pregado na cruz que há no céu E serve de modelo às outras. Depois fugiu para o Sol E desceu no primeiro raio que apanhou. Hoje vive na minha aldeia comigo. É uma criança bonita de riso e natural. Limpa o nariz ao braço direito, Chapinha nas poças de água, Colhe as flores e gosta delas e esquece-as. Atira pedras aos burros, Rouba a fruta dos pomares E foge a chorar e a gritar dos cães. E, porque sabe que elas não gostam E que toda a gente acha graça, Corre atrás das raparigas Que vão em ranchos pelas estradas Com as bilhas às cabeças E levanta-lhes as saias. (...) Diz-me muito mal de Deus. Diz que ele é um velho estúpido e doente, Sempre a escarrar para o chão E a dizer indecências. A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia. E o Espírito Santo coça-se com o bico E empoleira-se nas cadeiras e suja-as. Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica. Diz-me que Deus não percebe nada Das coisas que criou - "Se é que ele as criou, do que duvido." - "Ele diz por exemplo, que os seres cantam a sua glória, Mas os seres não cantam nada. Se cantassem seriam cantores. Os seres existem e mais nada, E por isso se chamam seres." E depois, cansado de dizer mal de Deus, O Menino Jesus adormece nos meus braços E eu levo-o ao colo para casa. ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... (...) A Criança Nova que habita onde vivo Dá-me uma mão a mim E outra a tudo que existe E assim vamos os três pelo caminho que houver, Saltando e cantando e rindo E gozando o nosso segredo comum Que é saber por toda a parte Que não há mistério no mundo E que tudo vale a pena. (...) Depois eu conto-lhe histórias das coisas só dos homens E ele sorri porque tudo é incrível. Ri dos reis e dos que não são reis, E tem pena de ouvir falar das guerras, E dos comércios, e dos navios Que ficam fumo no ar dos altos mares. Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade Que uma flor tem ao florescer E que anda com a luz do Sol A variar os montes e os vales E a fazer doer aos olhos dos muros caiados. (...) ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... Esta é a história do meu Menino Jesus. Por que razão que se perceba Não há-de ser ela mais verdadeira Que tudo quanto os filósofos pensam E tudo quanto as religiões ensinam ? Alberto Caeiro

quarta-feira, 20 de dezembro de 2006

Desassossegos 2 - Crónica de uma gata sitiada


Caros amigos:

Os meus dias continuam sombrios. Sou uma gata cada vez mais confinada aos meus aposentos que, apesar de não serem maus de todo, ainda assim não se comparam ao cheiro da terra, às águas sujas dos vasos de flores ou ao sabor incomparável das ervas de que tanto gosto. Há muito que perdi o travo do exterior, o cheiro e a memória da vida ao ar livre. Continuo entre portas, graças a esse mafioso de que há algum tempo vos deram conta.
No outro dia, o energúmeno apanhou-me numa das minhas raras incursões ao pátio; a aventura custou-me um bocado da perna traseira e por isso ando a antibióticos. Uma situação deveras desagradável e dolorosa, já que é absolutamente humilhante e desagradável enfiarem-nos metade de um comprimido nojento pela garganta. Eu bem esperneio contra a coisa e tento não engoli-lo, espumar até que já nada resista. Nada a fazer; apertam-me os bigodes até que engula em seco. Perdão, até que engula em comprimido.
Mas voltando ao causador dos meus piores pesadelos... A criatura é horrenda, com uma cabeça enorme e uma cauda que nunca mais acaba. Gordo, por vezes confundo-o com um texugo (sou uma gata informada, que tem um gosto particular pelos documentários do Odisseia). Adora ameaçar-me por entre os vidros e volta e meia aparece à porta só para que não me esqueça que ele anda por ali. Certo é que, por norma, não me aventuro sozinha.
Já não sei que faça para além de ficar entre portas e desabafar nas teclas do pc do andar de cima. É a única coisa que ainda me dá algum gozo, principalmente quanto a Woab também está a teclar. Tem muita piada tentar deitar-me em cima do teclado e destabilizar o texto todo, ou morder-lhe delicadamente os dedos que se movimentam. Uma gata tem que passar o tempo com alguma coisa, que isto de só comer e dormir não chega para mim (quase, mas ainda assim não chega).
Pois bem, dado que o meu problema persiste e parece-me que tem tendência a agravar, venho por este meio pedir a Vªs Exas (que toda a gente diz que, por andarem em duas patas, são muito inteligentes) o que devo fazer para me livrar da Besta!
Sem outro assunto de momento, agradeço desde já as vossas sugestões.

Kiara

PS: A única vantagem que o malcheiroso me trouxe foi a de, à força de ficar reduzida ao espaço interior, tornar-me perita na abertura de portas.
Mais um esforço e não tarda nada estou como vós. Em duas patas!

segunda-feira, 18 de dezembro de 2006

Uma história de fome

Há alguns dias atrás, li algures sobre o resultado de um estudo efectuado sobre as refeições servidas aos doentes, nos hospitais. O estudo concluía que a ementa é manifestamente inadequada e que a tendência é a de os pacientes emagrecerem. Pelos vistos, muitas das nossas unidades hospitalares servem sem olhar a quem e temos pacientes com dificuldade em deglutir, a lidar com a necessidade de o fazer para conseguirem alimento. Mais, recolhem-se os tabuleiros sem a preocupação sequer de saber porque não foi tocado ou porque a maior parte da comida continua intacta. E, portanto, as pessoas emagrecem. Este foi o grosso da notícia que li. Não fiquei de todo chocada. Só fiquei horrorizada por perceber que o problema estende-se pela maior parte de unidades hospitalares. Há dois meses atrás, frequentei por força maior uma unidade hospitalar. Alguém querido jazia numa daquelas camas de enfermaria e tornei-me visita habitual. No nosso País, não basta alguém estar a morrer de dores; não basta alguém usar aquela bata horrorosa e descansar nos lençóis que jazem sobre as camas articuladas. Ou os sofás escuros, que constituem a sala dos pacientes. Ou deslocar-se lentamente à casa de banho, arrastando atrás de si o soro e os analgésicos que mantêm a dor temporariamente arredada. Não basta estar a morrer. E a minha amiga estava. Apesar de tudo, quando lá entrava e entregava o meu cartão de identificação, queria acreditar que, por um sortilégio qualquer, a encontraria melhor do que nos dias anteriores. Houve dias desses. Claro que, lá para o final, já nem isso conseguia. Eu sabia que estava perto do fim; ela também. Nunca o admitimos claramente. A minha amiga morria de cancro nos intestinos. A minha amiga tinha dores horríveis e não conseguia manter os alimentos no estômago durante muito tempo. Comia vagarosamente e poucas colheres de cada vez. E de todas as vezes que lá estive, as refeições eram intragáveis. Naquela enfermaria, povoada por células devoradoras de gente, servia-se peixe frito ao almoço e jardineira gordurosa ao jantar. Naquela unidade de gente cansada, servia-se macarrão com carne e molho de tomate para quem não conseguia aguentar duas colheres seguidas de gelatina. E quando reclamamos da ementa, explicaram-nos enfadadamente que o hospital tinha uma única ementa para todos os andares e enfermarias e que por essa mesma razão, a comida podia parecer inadequada. Não parecia. Era efectiva e escandalosamente inadequada. Entrei sempre naquele hospital com sacos. Com gelatinas, com frutas e gelados, que o frio acalma o estômago de quem arde por dentro. A minha amiga tinha a família e os amigos, que transformaram o carinho em alimento. Muitos não têm essa sorte. E definham não só de dor, mas também de fome.

domingo, 17 de dezembro de 2006

Lullaby de Domingo

tempos de grandes apertos


Sorrisos forçados e cansados, movimentos acelerados, suspiros impacientes e o sistema informático desencontrado, meditativo… muito mesmo, por vezes, creio, no estado Zen.
É assim que se vive o grande momento no local onde trabalho. Balançados fazemos balanços.

A mim só me vinha à ideia o quadro famoso, e até reproduzi-o com expressões faciais e gestuais, em tom de brincadeira, quando uma colega/amiga saudou-me. Rimo-nos.

quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Lullaby de Domingo que não aconteceu.

Em tempo de balanço de competências, discussões acaloradas, trabalhos fora de prazo, grelhas de excel, critérios, actas, pautas (que não de música) e afins, passou-se um domingo sem lullaby. Prometi mentalmente que deixaria para ontem. É que 13 de Dezembro é o dia do senhor e não o queria deixar sem post. Passou-se o dia (não o Senhor) e nada de post. Apenas uma miserável sms, enviada num intervalo, mão esquerda nas teclas, mão direita no café (quase) engasgado. Assim sendo, nem domingo nem treze, mas com todo o carinho...

sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

De como quero banir a palavra "Reunião" do meu léxico

Duas mãos! Só tenho duas mãos. Por isso, este blog vai ficar (ainda mais) em stand by (pelo menos da minha parte). Estou farta de tanta burocracia, papelada para preencher, reuniões a preparar, assistir, documentar.... Pelos cabelos. A época natalícia apenas contagiou o ritmo do trabalho. Mais nada.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2006

Parabéns, Woab!!

Mais uma vez… mas estes versos assentam-te tão bem… “ (…) Forte, límpido olhar, como o do diamante, Com enigmas de luz, súbitas, a vibrar:

Tem um olhar profundo, às vezes muito agudo, Varando a Superfície, em busca da Essência, Num ar de cutilar, de penetrar em tudo, De afundar-se, de ver além da aparência. (…)” João Lúcio

terça-feira, 5 de dezembro de 2006

segunda-feira, 4 de dezembro de 2006

Dei-te a mão uma última vez. Ainda bem que te foste embora. Apanhou-me de esguelha, provavelmente quando me despedia de ti. Pressentiu-me a sós, quando te virei costas. Atacou-me na garganta, quer arrancar-me as cordas vocais.
Silenciar-me. Não percebo bem porquê. Permaneço em silêncio. Sempre.