quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Pela boca morre o peixe

"O mau argumento do mais autoritário dos autores cai com estrondo se for mau e se for visível que é mau, porque a racionalidade não é dele nem de qualquer outra pessoa."
Desidério Murcho, O Carcereiro Libertário in Público de 19-8-08


Começo por dizer que considero este passo do texto interessante. O restante é que deixa seriamente a desejar. E começo logo com a primeira expressão: atirar com um inócuo "há quem pense" também não constitui um estupro intelectual ao estimado leitor? Aliás, o texto pauta-se por uma série de acusações veladas que em momento algum permite ao leitor a sua verificação. A determinada altura é afirmado que quando estudamos autores que acusam a razão e a lógica de serem autoritárias, nenhuma razão nos é dada para aceitar o que afirmam. Contudo, não adianta a que autores se refere, nem tão pouco a que argumentos se reporta (percebemos mais à frente porquê). Assim, não apresenta nenhuma razão para que aceitemos o que afirma, o que me leva a perguntar: mas então temos que engolir o que afirma o autor do texto tendo por única fundamentação a sua autoridade? O Desidério diz que há autores que...
A rematar esta ligeiríssima reflexão sobre um dos mais proeminentes defensores da racionalidade, da verdade, da lógica, da ciência e da argumentação (esta amálgama confunde-me seriamente), uma outra citação do referido texto:

"O simples esforço de decifração dos textos de tais autores* é suficiente para adormecer o nosso sentido crítico, e o objectivo dessas bestas é precisamente provocar o adormecimento do intelecto."

*Repito, em momento algum o texto é claro quanto aos autores a quem é dirigida a acusação de estupro intelectual, nem tão pouco é devidamente esclarecida a adjectivação de "bestas". Para não cometer nenhuma injustiça, reporto-me ao dicionário para clarificar o conceito:
Besta - animal irracional. Quadrúpede; cavalgadura; pessoa bruta; estúpido; tolo; ignorante.
Caso para dizer que tudo devidamente fundamentado com racionalidade, verdade e lógica. Verdadeiro labor filosófico.

Revisito um post que ficou lá para trás. O caso torna-se tanto mais grave a partir do momento em que esta "metodologia" tem direito de antena em jornal de referência.

4 comentários:

Sancho Gomes disse...

Como diz quem nunca ouviu falar de (ou ao próprio) Desidério Murcho, será que é mesmo para levar a sério o que diz um gajo que tem este nome???
Mas sabes que eu acho que o Desidério é mais inteligente do que (a)parece no artigo. Atribuo-o, talvez, a uma bebedeira ou devaneio de verão. Afinal, a silly season também chega ao Palácio da Sabedoria...

Woman Once a Bird disse...

Uma pequenina correcção: ao palácio da racionalidade, da verdade, da lógica, da ciência e da argumentação.

Desidério Murcho disse...

Obrigado pelas suas críticas.

O meu uso de "besta" é queirosiano; Eça usa-o sobretudo nos Maias e gosto do termo. E aplica-o a Darwin, por exemplo, numa passagem memorável em que o Ega está perdido de bêbado.

Quanto aos autores que não nomeio, resta ao leitor saber se há ou não autores assim. Se não há, perdeu o seu tempo lendo uma crónica idiota, de uma besta com um nome ridículo. Se há, talvez valha a pena reler a crónica para ver se ajuda a compreender a ininteligibilidade desses autores.

Woman Once a Bird disse...

Em primeiro lugar, agradeço a atenção que dedicou ao meu post.

O uso de "besta", num texto que é assinado por um autor que se apresenta como filósofo, dificilmente será entendido como sendo queirosiano.
Quando diz que resta ao leitor saber (decidir?) se há ou não autores com as características que enumera, não está a esclarecer o leitor e enferma do mesmo mal que aponta a esses autores que não ousa nomear. Apenas está a transmitir que segundo a sua óptica eles existem mas que lhe são ininteligíveis. E consequentemente, bestas (em sentido queirosiano). E, portanto, se lhe são ininteligíveis, não pertencem ao clube da racionalidade, verdade, ciência e argumentação. Pelos vistos, a racionalidade afinal é mais de uns que outros.

Em relação à minha perda de tempo com o seu texto, remeto para um outro que publicou no Rerum Natura: mas então não é importante discutirmos ideias, mesmo que se nos afigurem palermas, mesmo que saibamos que os que as defendem não as levam realmente a sério?