segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Hoje a minha deusa deixou de ter o calcanhar em sangue




Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos.

Manuel António Pina



Algures em Março de 2000.
16 de Dezembro de 2013


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Clap! Clap! Clap! Clap!

Porque é que as pessoas aplaudem no cinema?

reblogged from Flickchart

Raramente vou ao cinema, mas que me recorde, não é habitual as pessoas baterem palmas no final de um filme  (muito menos durante o mesmo). Ora, recentemente, numa exibição de curtas, grande parte da assistência desatava a bater palmas como se estivessem a ser ameaçados pelo Passos Coelho em pessoa, no fim de cada película. Tendo em conta que estamos a falar de filmes com a duração de 5 a 9 minutos conseguem imaginar a quantidade de vezes que aquela gente dava à palminha.

Entendendo o ato de bater palmas como um ato comunicacional que, à partida num espetáculo, manifesta o agrado pela criação a que se assistiu e o reconhecimento ao/à criador/a é, no mínímo, estranho que se aplique esse código na ausência do/a criador/a. Os aplausos são também comuns em comícios, exprimindo agrado e concordância com a(s) ideias que o/a líder/orador/a comunica. Mas o que estão os aplausos a fazer numa sala de cinema, se não está lá ninguém da produção do filme? É que tenho quase a certeza que as palmas não são para o/a técnico/a da sala de projeção.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Estalo Novo

I HAVE A DREAM   



«Ao senhor presidente da República, ao senhor primeiro-ministro, à senhora ministra das finanças, a todos os membros do governo: pedimos desculpa por ainda estarmos vivos, boicotando a preservação do Orçamento de Estado»
 


Companhia Maior        
«Ao senhor presidente da República, ao senhor primeiro-ministro, à senhora ministra das finanças: faremos todos os nossos esforços para continuarmos vivos»

 

sexta-feira, 13 de setembro de 2013



Fernando Alves canta Natália Correia

Espólio Natália Correia da Biblioteca Nacional

[e não lhe contemos os anos, pois a sua poesia - e ela - não têm idade, nem são marcadas pelo tempo]
E por ora, a imagem que quero registar é a dos traços da sua caligrafia.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

E quando chegarem às urnas, lembrem-se: legalidade não é moralidade

O Tribunal Constitucional decidiu, no que diz respeito à Lei de Limitação de Mandatos, que esta tem uma restrição meramente territorial, pelo que os candidatos podem mover-se de uma autarquia para outra quando esgotarem as possibilidades na primeira. Percebo a decisão do TC. Mas este é um dos casos em que não está apenas em causa a legalidade. 
Podemos pensar a questão a partir de outros critérios, nomeadamente ético e político. Primeiro porque cabe a cada um/a de nós, eleitores/as, perguntar se é correto este género de manobra. Se é o melhor para a gestão pública que seja possível este género de troca territorial. Depois, porque é preciso decidirmos se queremos eleger gente que se candidata apenas pelo cargo, e não pela região a que se propõe. Decidirmos se queremos que essa gente carregue os amigos também. E principalmente, cabe a cada um de nós saber se queremos validar a os partidos que permitem e incentivam este género de trafulhice. 
Que gente é esta? Que partidos políticos são estes, que procuram expedientes legais para validarem o que é imoral?
Queremos esta gente à frente dos nossos destinos?

domingo, 18 de agosto de 2013

Yeah, It's Just You

Segundo a historiadora Joanna Bourke, quando em 2006 foram reveladas mais fotos da série tortura em Abu Ghraib, a reação do público terá sido tépida, em parte devido ao cansaço do tema, o qual foi transformado por alguns/mas em espetáculo. Um popular locutor de rádio terá inclusive, comparado as fotos a um espetaculo eroticizado, ao género do de uma cantora pop. Os mitos custam a morrer: 

sim, ele está a ter uma ereção e Sim, tenho a certeza que está aterrorizado.




You know, if you look at - if you, really, if you look at these pictures, I mean, I don't know if it's just me, but it looks like anything you'd see Madonna or Britney Spears do onstage. Maybe I'm - yeah. And get a National Endowment for the Arts (NEA) grant for something like this. I mean, this is something that you see onstage at Lincoln Center form an NEA grant. Maybe on Sex and the City - the movie.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Licenciatura que faz falta em Portugal

Sociological Cinema







Soube, pela Joana Lopes, que o Paulo Moura (Público) publicou uma reportagem sobre Call Centers, em português Centros de Contacto. Uma das fontes de Moura foi um CEO (que isto de se ser administrador ou gestor está totalmente demodé e só se é credível se se disser em estrangeiro). Dizia eu que uma das fontes de Moura foi o CEO da Teleperformance, o senhor João Cardoso. Este defende, entre outras bizarrias, a criação de uma licenciatura em Operador de Call Center (sic).

Além do mais, o sr. Cardoso lança um alerta contra o demónio da regulamentação do setor: é essencial para a sobrevivência dele (do Cardoso e da empresa que dirige) manter «a flexibilidade nas leis laborais».

É que aqui ao lado, quando se tentou regular o setor, as empresas, que é como quem diz os clientes das Teleperfomances espanholas, fugiram todas para a América Latina. Ou seja, segundo se pode ler na reportagem, a Teleperformance tem um regulamento interno – que, por sinal, inclui que pessoas que trabalham sentadas não possam – contra todas as recomendações médicas e de saúde no trabalho – estar de pé, ainda que por breves momentos -, e que obriga toda a gente a cumprir, mas alguém tentar regular o seu setor, ou melhor, o setor onde opera, isso é que não pode ser. Atenção, sr. Cardoso, é que se os seus clientes «fugirem« todos para o Brasil podem vir a ter este problema. Os PALOP, apesar de já albergarem serviços de call center da PT, não têm condições logísticas e mão de obra qualificada comparáveis às portuguesas. Não estou bem a ver para onde é que os clientes da Teleperformance iriam fugir.

O problema pode não ser uma fuga dos clientes para outras paragens. É que regulação pode implicar ter que ser mais competitivo sem ser à custa dos/as colaboradores/as e essa hipótese, pelos vistos, a Teleperformance não admite. Aqui entre nós, ser competitivo à custa da exploração de seres humanos não tem nada de inovador e muito menos de genial. É a génese da maior parte das fortunas dos mais ricos do planeta e faz parte da História da Humanidade, portanto, o CEO da Teleperformance podia poupar no discurso de terem percebido antecipadamente a oportunidade de negócio e tal como se fosse algum guru da gestão.

Vamos lá ver se a gente se entende. É que eu conto com quatro anos e meio de centros de contacto desde que entrei no mercado de trabalho, portanto, sei bem do que falo. Além disso, antes de ter passado por aí, tive outros contactos com o mundo maravilhoso dos contratos temporários. A última vez que trabalhei nesse mundo foi em 2005, portanto, a flexibilidade que senti no contrato e local de trabalho não foi fruto das mais recentes legislações liberais. Já as tínhamos há muito tempo.

E já tínhamos contratos de 15 dias e menos (quando trabalhei em promoções tinha contratos de dois dias), remuneração por objetivos, férias e horas extraordinárias não pagas, horários de oito horas seguidas apenas com meia hora de intervalo, mudanças de entidades patronais quando lhes apetece sem dar cavaco aos trabalhadores/as. Que mais se pretende? Escravatura? Claro que não, que disparate, Ceridwen! Lá estás tu com os teus exageros!

Os centros de contacto têm no seu coração uma coisa chamada ACD – Automatic Caller Display – que decide o destino de cada um/a. É o ACD que mostra o número de chamadas em espera, o número de pessoas a atender, em pausa, os tempos de espera, os tempos… porque num centro de contacto, o tempo é tudo: tempo de log (que é o tempo em que o telefone está a receber chamadas), tempo de pausa, tempo de espera, tempo de chamada, o tempo. Todo o tempo é controlado, os corpos disciplinados sob a colaboração dos/as vigilantes (chefes de equipa perfeitamente doutrinados e que estão logo acima dos/as operadores/as na escala hierárquica, mas que frequentemente, têm aspirações e esperanças de chegar a CEO's da coisa).


Recordo o brilho nos olhos de um jovem chefe de equipa ao falar do que seria o ideal de um centro de contacto: assegurar a presença somente das pessoas necessárias ao trabalho (chamadas, naquele caso) para cada dia. E, à hora que falava, já era possível saber quantas pessoas seriam necessárias para as próximas cinco horas: havia tecnologia que conseguia analisar mediante o padrão de contactos recebidos, quantas pessoas seriam necessárias para cada dia da semana. Ou seja, na segunda precisavam de 50, estavam 50, no domingo 20, e apenas 20 lá estariam. Onde estavam os outros 30? Em casa, sem receber, claro. Ou a receber algum subsídio do Estado, que cabe sempre aos contribuintes pagar ou que estas empresas não gastam. Então porque é que ainda não operavam dessa maneira? Bom… essa porcaria chamada legislação é possível contornar e aldrabar, mas não ignorar totalmente, portanto, havia um limite para a decência. Mas esta decência já na altura não era cumprida noutros centros de contacto: mais pequenos, onde havia sim, este sistema de um calendário semanal e onde as pessoas podem ser requisitadas consoante as necessidades da empresa, a única que conta neste binómio socioeconómico.


Não é por nada, mas nestas condições também eu sou competitiva.


A Licenciatura

«Deveria haver, na universidade, uma licenciatura em Operador de Call Center, defenfe o CEO da Teleperformance, para que as empresas não tenham de ser elas a investir em formação».

Vamos lá ver, segundo o sr. Cardoso, os contribuintes portugueses/as, os/as mesmos/as que a Teleperformance explora e a quem impõe condições indignas de trabalho, é que devem pagar sua formação (seja numa pública, seja numa privada o Estado, ou seja: NÓS, pagamos sempre o ensino), para que empresas pobrezinhas como a Teleperformance não tenham que «investir em formação». Não lhe chega terem à disposição candidatos/as com formação em línguas estrangeiras e na materna, para além das competências de informática na ótica do/a utilizador/a e capacidade de expressão verbal e argumentação para as quais, a Teleperformance terá contribuído apenas com os seus impostos, como todos/as nós e como todas as outras empresas. Não, pelos vistos é preciso que outros paguem a formação específica para trabalhar na Teleperfomance. Mas porquê uma licenciatura em operador de call center e não em operador de supermercado? Porquê aquela e não esta?

Será que este CEO sabe que, a partir do momento em que a profissão adquire estatuto de formação avançada tem que ser paga como tal? 

É que, uma coisa é ter licenciados/as (em arquitetura, engenharia civil, literatura, relações internacionais ou noutra coisa qualquer) a trabalhar em centros de contacto outra, muito diferente, é ter licenciados/as em Operador/a de Call Center, ou seja, pessoas com formação especializada superior e universitária na área específica em que estão a trabalhar.

Ou a ideia do sr. Cardoso é ter funcionários/as especializados com formação superior pagos como operadores não especializados e com formação básica? Estará a Teleperformance disposta a pagar por licenciados/as em Call Center?

Este CEO andou mesmo na universidade?

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

«Ele é muito atrevido! Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar?"»

A afirmação é de Cuca Roseta, sobre o dueto com Julio Iglesias, plasmada na revista Lux Woman (e que abre o artigo sobre o evento). Esta afirmação é antecedida por: «Durante o dueto com Cuca Roseta, Julio Iglesias mostra que continua um sedutor».
A generosidade do ou da autora do artigo em considerar que estamos perante a confirmação das capacidades de sedução do cantor é óbvia. E ainda mais óbvia se torna quando se lê o texto na íntegra e o humor  com que toda a situação é relatada.
Então, a cantora, que «de forma divertida, refreou as intenções do cantor» que tentava, em cima do palco, beijá-la, afirma: «Ele é muito atrevido! Pensamos que ele é um galã charmoso, um senhor com quase 70 anos que respeitamos, mas ele acha que é novíssimo. Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar desta situação de uma forma elegante? (risos). Mas foi giríssimo. Toda a gente se riu imenso e eu também. Até havia umas senhoras que diziam: "Não se ria, deixe, deixe."» 

Todo o teor do artigo é deplorável. Pelo depoimento da cantora que, aparentemente, desvaloriza uma situação de assédio desta natureza, pelo facto de ter acontecido em palco para gáudio das espetadoras que ainda consideraram um exagero a cantora não se deixar agarrar e beijar, pelo facto de considerar que era importante escapar de forma «elegante» às mãozinhas do porcalhão. A inconsciência da jovem está não só patente nas afirmações que reproduzi acima, mas também porque continua a achar que «foi uma honra enorme abrir o concerto dele» e que se trata de «um homem inteligentíssimo». Não surpreende que a cantora não identifique a situação com o que realmente é: assédio, abuso de poder, comportamento machista que deve ser violentamente repudiado e nunca normalizado. Não ficaria surpreendida se questionada com a possibilidade de alguma vez ter sido vítima de comportamentos machistas a cantora responda candidamente que não. Muitas mulheres não têm verdadeiramente consciência de situações que são, de facto, abusivas. E por norma, também respondem que não são feministas, são femininas. Mas o problema não fica por aqui, ou seja, pela total falta de consciência relativamente ao abuso.
Mais grave que as declarações da cantora é o tom do artigo (sem qualquer referência à sua autoria, já que só se identifica os autores das fotografias que o ilustram), que é verdadeiramente vergonhoso. Uma revista para mulheres redige este artigo desvalorizando por completo a noção de que estamos perante uma situação abusiva, chamando de sedução e charme o que não passa de machismo vil, comportamento absolutamente reprovável. Uma revista cujo público alvo são as mulheres continua a passar a mensagem de que é normal, risível, castiço até, que alguns homens tenham comportamentos destes. São charmosos. Sedutores. Másculos. 
Quanto a elas? Quanto às leitoras?É suportá-los com elegância. E palmas, claro.
Palminhas.


segunda-feira, 22 de julho de 2013

A Rititi não lê este blog

Mas mesmo assim, endereço-lhe resposta aberta a um dos seus posts (e só porque não consegui comentar no blog):

Cara Rititi:

O seu post faz uma relação causa-efeito estranha, em que não se percebe a intenção. Começa-o com uma série de afirmações sobre o que não sabe sobre os professores portugueses (mas que demonstra arrisco, desprezo pela situação atual dos mesmos) para se indignar com o calendário escolar (espanhol? português? não se percebe). Ainda assim, faz lembrar uma célebre tira da Mafalda, quando o Gui afirma que a culpa da chuva é do governo. A Mafalda, condescendente, comenta que, coitadinho, ainda não sabe atribuir culpas. Assim me parece este seu post. 
Ingenuidade?
De qualquer modo, os professores terão tanto tempo para descansar das varizes quanto a Rititi terá para descansar das suas. Por isso, não se chateie que está em perna de igualdade.

(Declaração de interesses: sou docente em Portugal. Garanto que nunca me perguntaram qual deveria ser o calendário escolar - e já agora, por absolutamente mais nada. Mas se perguntassem, asseguro que não defenderia que deveria ser semelhante aos dos pais. A escola deve ser local de aprendizagem prazenteira. Não apenas um depósito com o objetivo de cumprimento de horário. Para isso, que se pense em outras soluções que não passem por aulas das 8 às 18, com 22 dias de férias).

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Amamentação - isto também é feminismo(s)

Eu e o meu companheiro tivemos um filho há quatro meses. Daí que este tema esteja na ordem do dia no que diz respeito à realidade dos nossos dias. E se sempre mantive os temas demasiadamente pessoais longe deste blog (pelo menos de forma tão explícita), abrirei exceção quanto a este tema.
Enquanto grávida, li muito do que havia para ler sobre o que me esperava, inclusive sobre amamentação. Conheci as recomendações da OMS, li muito sobre «conselheiras de amamentação», sobre o que funciona e não funciona, sobre o que se deve ou não fazer... 
Este é um post na ótica da utilizadora/provedora. Ou seja, ignora em absoluto a maior parte do que é conhecimento científico sobre amamentação e apenas partilha a minha experiência pessoal e as reflexões que tenho feito a partir da minha experiência.

1 - A amamentação não é fácil. Nem natural. 
Por muito que me dissessem isto durante a gravidez, nunca percebi bem o alcance destes avisos. De facto, nem o bebé sabe o que fazer nem é fácil e natural para quem amamenta. 
Para o bebé, a pega não é instintiva. Tem que ser dirigido e os compêndios explicam o que depois é muito difícil pôr em prática (até porque o bebé não os leu e também tem ele um papel fundamental no meio disto tudo).
Para quem amamenta, o processo é doloroso - muito doloroso.
E porque não se tem noção do que é consumido, e como o bebé tende a adormecer ao peito, nunca se tem a noção se está alimentado ou apenas vencido pelo cansaço. 

2 - Não existe mau leite. Mas existe pouca quantidade de leite - e não, o corpo feminino não é essa oitava maravilha que produz sempre tudo o que o bebé necessita, como se ouve e lê por aí. E a falta de leite não se resolve com o tradicional: ponha o bebé na mama. Apenas estamos a adiar o problema: o bebé continua com fome, choroso e a baixar perigosamente de peso. A mãe fica exausta, stressada, com os mamilos em sangue e com uma enorme vontade de fazer uma mastectomia. 

3 - As bombas extratoras de leite, os mamilos de silicone e toda a restante parafernália são, efetivamente, nossos amigos. Tudo o que promova a alimentação da criança e a manutenção da saúde da mãe é de louvar. Não é verdade que as bombas extratoras de leite macerem mais a mama que a boca do bebé e piorem a situação. Bem pelo contrário. 

4 - Não é verdade que as mulheres que amamentem e suplementem com leite adaptado, ou que simplesmente usem apenas leite adaptado o façam por preguiça (como tanto se lê e ouve). Só quem desconhece o processo de alimentação com leite adaptado pode considerar que é menos trabalhoso que a amamentação. 

5 - A amamentação não é um momento místico, em que ambos os envolvidos se sentem a flutuar com um processo de vinculação «extra-ordinário». A vinculação estabelece-se para além do ato de alimentar - e nesta equação, o biberão também é um veículo para a vinculação (ótima oportunidade para fomentar também o relacionamento pai-filho/a, avô/ó-neto/a, tio/a - sobrinho/a, etc.).

6 - A amamentação não torna as mulheres especiais (a maternidade também não, de resto). Ser mãe é diferente de ser pai, mas ser diferente não significa uma tábua de valores que eleve a maternidade a uma experiência sobre-humana . 

7 - Com o biberão certo, o bebé não corre o risco de recusar a mama. Esta é a minha experiência (optamos pelas tetinas da medela calm). Nada posso dizer sobre outras tetinas porque apenas usamos estas. Mas a verdade é que o nosso filho nunca recusou nem mama nem biberão. 

8 - Os bebés não precisam ser amamentados até aos 18 anos para serem saudáveis. Uma das razões porque nunca me dirigi a uma conselheira de amamentação é porque tenho lido muito do que escrevem por aí. E os fundamentalismos fazem-me sempre muita confusão. Quando se põe em causa, constantemente, o que é aconselhado pelos pediatras porque as «conselheiras» é que sabem... enfim, passo.

9 - Sabendo que o leite materno é precioso para, entre outras coisas, o sistema imunitário do bebé, importa não tornar a não amamentação como um crime perpetrado contra uma criança entregue a uma mãe negligente, preguiçosa e mal aconselhada 
(leio tanto isto por aí. Não tem leite? É porque foi mal aconselhada. Deixou de amamentar porque engravidou e não quis continuar a amamentar? É porque foi mal aconselhada. Incluiu suplemento porque o leite não era suficiente? É porque foi mal aconselhada).

 Esta insistência fundamentalista quanto à amamentação, a condenação das mulheres que optam por não o fazer, cheira-me também a tentativa de pôr as mulheres no seu devido lugar. Como sabemos, houve sempre tendência para tornar tudo o que diga respeito às mulheres como uma decisão coletiva em que elas tinham/têm sempre muito pouco a acrescentar. E isto de se acharem senhoras de si tem muito que se lhe diga...

domingo, 30 de junho de 2013

O Custo de Vida



A Noiva, Niki de St Phalle, 1963

«Assim que puder, mando limpar o vestido de casamento. 
Depois vendo-o e, com o dinheiro, pago o divórcio.»



quarta-feira, 19 de junho de 2013

O monstro

Esta notícia não espanta. Apenas confirma  o que move esta gente que nos governa: se não concordas, levas. Se contestas, há retaliação, de certeza.
Por isso os subsídios de férias que não chegam num mês em que estão marcadas jornadas de luta, por isso uma convocatória para todos os docentes para furar o impacto de uma greve, também por isso estas perguntas por parte de quem vive às custas do erário público. Esta gente habituou-nos a esperar pela vingançazinha sempre que algo não lhes corre de feição. Esta gente é perigosa e não faz ideia do que significa verdadeira política. 
A agenda desta gente é muito clara: acabar com os direitos dos/das trabalhadores/as e com as garantias de luta por esses direitos. No dia em que o sindicalismo acabar, «o povo unido jamais será vencido» tornar-se-á uma memória longínqua. 
Esta gente é muito, mas mesmo muito, perigosa. 
Cabe a cada um de nós cortar o mal pela raiz.



segunda-feira, 17 de junho de 2013

«O "eduquês" em discurso direto» - crítica a um ministro moribundo

«Dias de lixo, para não usar uma expressão mais forte, porque é o que eles são. 
Dias em que o que é preciso fazer ganha uma urgência enorme, dias e que todos os que podiam fazer alguma coisa se obstinam em fazer exatamente o contrário do que deviam, perante a indignação, a impotência, o desespero dos cidadãos. Dias em que já nem sequer se pode falar de irresponsabilidade, mas de perversidade, de meia dúzia de pessoas que obedece aos piores instintos da sua vaidade (...).»
José Pacheco Pereira (2013). Crónicas dos Dias do Lixo. Lisboa: Temas e Debates, p. 19.



(Caravaggio)

Nuno Crato, o professor, escritor e comentador sobre educação, defensor do rigor e responsabilidade, foi hoje traído por Nuno Crato, ministro da Educação do Executivo em funções.
Tenho a impressão que Nuno Crato, o professor, escritor e comentador, ficaria escandalizado com o que se passou hoje em Portugal. 
Já ao ministro Crato, não choca que alguns dos exames feitos hoje não tenham sido realizados nas condições consideradas fundamentais para que se evite as fraudes e, portanto, fonte de desigualdade e injustiça. É que o problema não está só no facto dos alunos realizarem exames diferentes; o grande problema está no facto de se terem realizado exames em que o número de alunos excedeu o número permitido (20) e que, por isso, dois professores vigilantes não consigam assegurar cabalmente a inexistência de fraude. Está também no facto de que em algumas escolas, as condições em que os exames aconteceram em algumas salas (manifestações de outros alunos, invasão de salas, atrasos significativos na entrega, etc.) não serem, de todo, ideais para a sua realização, tendo os alunos manifestado desconforto pela forma como o tiveram de realizar. 
Ao ministro Crato, não faz espécie que as normas do Júri Nacional de Exames, sempre tão rigorosamente fiscalizadas em outros tempos, fossem hoje publicamente relegadas para segundo plano como se de meras recomendações se tratassem. 
Não foi só a garantia de equidade nos exames que hoje ficou seriamente comprometida: a seriedade do Júri Nacional de Exames, dos Secretariados de Exames - e principalmente - do Ministério da Educação, ficaram hoje, irremediavelmente feridas de morte. 
Certamente que o professor Crato escreveria um tratado sobre isto, expressando as suas «fundamentadas preocupações filosóficas»*, armado da sua «vasta cultura científica»* e «experiência de docência em vários países»* sobre tudo o que hoje se passou. Mas ao ministro Crato cabem agora outros compromissos que passam por motivações menos elevadas do que as enunciadas. 
Toda a atuação do ministro Crato, nos últimos dias, é centrada na vontade cega de vencer, mesmo que para isso tenha que manipular o seu auditório: os cidadãos deste País. Hoje, o ministro Crato apostou principalmente nos ouvidos «ingénuos ou pouco sofisticados»* de quem não conhece os procedimentos para declarar que os exames decorreriam com total normalidade e depois para afirmar que 70% dos alunos o fizeram. Nada sobressalta a consciência deste ministério. 

Por último, será também importante reter que, segundo as declarações do ministro Crato, os bons professores - os responsáveis - são tão somente aqueles que responderam ao seu autoritarismo (a convocatória de todos os docentes num dia de greve não pode ser resultado de outra coisa) com a comparência ao serviço em dia de greve. Eis, pois, a definição de bom professor para o Ministro Crato.  Mas o professor Crato poderia relembrar ao ministro que os (bons) professores sabem há muito o que o Ministério quer que eles esqueçam (adaptação livre da última frase do livro do professor Crato que empresta o título a este post).
São, efetivamente, «dias de lixo» os que vivemos.

*Expressões retiradas da contracapa da obra do professor Crato que empresta título a este post.

Desinstalação do Medo - quem tem medo da greve?





Ao direito à greve não se segue nenhum MAS.

domingo, 16 de junho de 2013

Somos todos/as funcionários/as públicos

Fico sempre profundamente incomodada quando ouço que nós, professores/as, não somos como os/as restantes funcionários/as públicos.
Esta afirmação enferma, do meu ponto de vista, de um problema: é que nos  restantes funcionários públicos existem profissões que requerem também regimes especiais pela forma como funcionam (pensemos na medicina, enfermagem, segurança pública, etc.).
A única coisa que todos os funcionários públicos partilham é a entidade patronal, ou seja, que paga pelo serviço prestado. 
Dizer que não somos como os restantes funcionários públicos significa afinarmos pelo mesmo diapasão deste Executivo, que pretende tratar de forma igual o que é substancialmente diferente.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Resposta aberta ao apelo pungente de Paulo Portas

Caro Ministro dos Negócios Estrangeiros (e do que estiver mais à mão):

Vi o apelo que fez aos professores no passado fim-de-semana. Como não quero que fique sem resposta, aqui tem a minha:
V.ª Exa. não se lembra de que as crianças e jovens são o futuro deste País quando integra um Executivo que aumentou o número de alunos por sala,  que não dá condições de trabalho aos/às professores/as, que mantém a maior parte das escolas no limiar da sobrevivência, que não zela pelas condições de sobrevivência a uma grande parte dos pais dessas crianças, que aconselha esses mesmos jovens a emigrar (e poderia continuar a enumerar uma série de medidas que não respeitam as nossas crianças e jovens, e poderia ser mais específica e lembrar que a maior parte das escolas nem consegue assegurar o papel higiénico nas casas-de-banho, entre outras pérolas de higiene desta envergadura).
Não, V.ª Exa. só se lembra que as crianças e jovens são o futuro deste País quando se trata de «apelar» aos/às professores/as para que não façam greve contra o Executivo de que faz parte. 
Sei também que V.ª Exa. justifica sempre as suas escolhas e ações como sendo inspiradas por um grande sentido patriótico. Eu prefiro chamar-lhe um grande sentido de sobrevivência.


sábado, 1 de junho de 2013

I rest my case



Desconheço a norma portuguesa de catalogação bibliotecária, contudo, foi à custa desta [ou da sua deficiente interpretação] que hoje fui dar com a História da Sexualidade, do Foucault, juntamente com a História da Contracepção, do Angus Mclaren, na secção da «medicina e saúde». Quando exprimi a minha estupefação, a funcionária ripostou: «mas é contracepção, logo é saúde. Se puséssemos na História era tudo História».

terça-feira, 28 de maio de 2013

Quem são as mulheres que abortam?





E enquanto Espanha se prepara para restringir as condições de acesso ao aborto seguro e legal (ainda não se sabe bem em que moldes, já que há quem diga que a restrição irá ser total, e há quem jure que se manterá a possibilidade de interrupção em caso de violação ou em competição de interesses, leia-se mãe versus feto), alguém esclarece quem são as mulheres que abortam.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Boa Semana




Boa semana para ir a Serralves ver os traços de Jorge Martins ou aproveitar os jardins da fundação. Tirando o vento cortante que se faz sentir na marginal, a Foz continua um encanto, bem como os/as portuenses no geral que são de uma simpatia inigualável.



quarta-feira, 22 de maio de 2013

Ainda sobre a coadoção e o superior interesse das crianças

Tenho lido muitos comentários que contestam a coadoção aprovada na passada sexta feira. Alguns não merecem qualquer resposta já que a ausência de racionalidade é evidente. Outros são mais elaborados (e por isso, a meu ver, muito mais perigosos)  já que não originam uma imediata reação de repulsa. Desse argumentário bastante imaginativo (em que não incluo os argumentos que invocam a biologia porque, enfim, falamos de gente que não está num estado biológico puro e que suponho que perceba, à partida, a premissa fundamental de que o ser humano não se esgota na sua componente biológica. Eu sei que às vezes dá jeito, mas por norma é um argumento perigoso, já que muitas das vezes é relativamente fácil encontrar um contraexemplo) saliento «o superior interesse das crianças» (em ter uma família com referenciais masculinos e femininos). este argumento é proferido (ou digitado) sempre com um ar gravoso e sério, a fazer lembrar o Paulo Portas e o seu famoso sentido de Estado (também podemos comparar com o sentido de responsabilidade do Passos).

De volta ao superior interesse das crianças, supõe-se que os defensores desta tese tenham uma noção muito restrita de família: constitui-se por pai e mãe. Todos os outros possíveis cuidadores são excluídos desta equação e não são tidos como referenciais (de jeito, pelo menos).
Supõe-se também que os defensores destas famílias que obrigatoriamente têm que ter os dois referenciais (na figura dos cuidadores principais) excluam todas as organizações familiares que não correspondam a este requisito - mesmo que estejamos a falar de ligações com cariz biológico. Assim, não devem reconhecer legitimidade às famílias monoparentais  (por abandono, por falecimento de um dos cuidadores, etc.). 
Ou o superior interesse das crianças (em ter uma família com ambos os referenciais) apenas é válido quando é do superior interesse de quem argumenta?

Egon Schiele