quinta-feira, 31 de maio de 2007

O meu pobre coração não aguenta. 2

Morreu Marco António de resposta sempre pronta e sequioso por um olhar de Cleópatra. Morreu o estratega que se perde por uma mulher. Leia-se, que morreu (o Marco António de) Richard Burton.
O novo - esse - grita por fodas e esmaga cabeças. Parece um energúmeno que perdeu o pouco cérebro que tinha com a morte de César.
Quanto a Cícero, provavelmente ofendido com o que escrevi há algumas semanas, deu(-lhe) o golpe de génio (qualquer coisa como): "Lê esta missiva como se fosses de facto um homem sóbrio e inteligente e não um idiota ensopado em bebida e sexo."
Patética, a fúria do novo, em jeito de concordância com a missiva acabada de ler.
Átia já esteve mais inteligente. Dormir com acéfalos pode provocar perda substancial de cérebro. A ver se ainda o mantém (cérebro e real cabeça) no próximo episódio.
(Nunca mais é segunda)

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Tudo vale a pena se a allma não é pequena.

terça-feira, 29 de maio de 2007

agora conspiro eu

...por falar em publicidade, encontrei um verdadeiro tesouro aqui:http://conspiracaoas7.blogspot.com/2007/05/pasta-medicinal-couto-ressuscitou.html

um pouco de "son", por favor!


Os russos têm cartazes do
allgarve, nós cá temos do son.
Venham apanhar um bocadinho
de son.

A brincar a brincar...

Sobre a embrulhada dos erros que não são alvo de aferição nas provas de de Português dos 4º e 6º anos, o nosso Presidente diz que concorda com a sua realização. Contudo, não se sente "pudagogicamente" habilitado para se pronunciar quanto à polémica dos erros. No que me diz respeito, as minhas dúvidas "pudagógicas" dissipam-se quando tenho alunos de 11º e 12º anos a defender que "não usam acentos" (que como se sabe fazem parte da estação Outono/Inverno ) ou que os restantes erros (em alguns casos às dezenas) são irrelevantes porque o que interessa é o que quiseram expressar.

A ler.

Excelente texto, sobre temática que já tentamos abordar por aqui. Não com tanta arte, como é óbvio.

segunda-feira, 28 de maio de 2007

agora falo de palavras homónimas

­- O que é falo? – inquiriu a amiga. - Bem, falo é a forma do verbo falar no presente do indicativo da primeira pessoa do singular. – esclareceu a outra amiga. - Mas, espera, não tem sentido! A professora disse que o objecto tinha a forma de um falo! – desesperou a amiga. - Ah, então refere-se ao órgão genital masculino, ao pénis. – esclareceu a outra amiga. - Ah! Já percebi. – suspirou e disse a amiga. Nota: mais um flagrante da vida real.

domingo, 27 de maio de 2007

Ao alinhavar o post anterior, lembrei-me dele. E agora, depois de ler religiosamente a sua coluna de opinião (que continuo a fazer aos domingos, apesar de ter transitado para os sábados), vejo-me compelida a deixá-lo também aqui.

Deus Caritas Est /Deus Amor Est

Para o crente, onde e como encontrar Deus? Porque não decliná-lo também no feminino?
Afasto-me e aproximo-me de Deus(a). Não sei se creio, mas a crer em algo não será na representação do homem velho que estende um dedo à humanidade.
Mais próxima do cristal que me permite vê-lo Ela. Vê-la Ele. Dois. Não uma trindade, mas uma dualidade que se completa.
Li o poema que se segue e amei-A intuitivamente.


"He cares for me and He carries me.
As I rely on Him I can relate to others without fear.
With as open heart, forgiving.

She caresses me with the beauty of Her creation
With the warmth of the sun,
The fresh breeze from the wedding of skies and waters.

With sprouting green and mature red.
Ripe fruits my empty hands
And I can share and feed.

He embraces me with motherly affection.
And I receive consolation and become calm.

She kisses my wounds and hurting scars.
And I feel healed and whole.

He answers my desires with His peace
And turns my solitude into freedom.

Resilience and courage flow from the power of His word
So that I can withstand utter despair
Caused by the sheer violence and brokeness around me.

With the tender warmth of Her hand between my shoulders
I feel assured of the direction of my way.

Her gentle touch carries me forward
Surmounting distances and barriers
Constructed by man.

God is love
Empowering me to love."

Irmgard Icking
Maio de 2006

Lullaby de Domingo

sábado, 26 de maio de 2007

Cripple and the starfish

Muito interessante, de Antony and the Johnson: http://www.youtube.com/watch?v=luGpru86SeU Cripple and the Starfish Mr. Muscle forcing bursting Stingy thingy into little me, me, me But just "ripple" said the cripple As my jaw dropped to the ground Smile smile It's true I always wanted love to be Hurtful And it's true I always wanted love to be Filled with pain And bruises Yes, so Cripple-Pig was happy Screamed " I just compeletely love you! And there's no rhyme or reason I'm changing like the seasonsWatch! I'll even cut off my finger It will grow back like a Starfish! "Mr. Muscle, gazing boredly And he checking time did punch me And I sighed and bleeded like a windfall Happy bleedy, happy bruisy I am very happy So please hit me I am very very happy So please hurt me I am very happy So please hit me I am very very happy So come on hurt me I'll grow back like a Starfish

o meu posicionamento é também um direito!

Acho que não haveria, da minha parte, quaisquer razões para ignorar as diferenças conceptuais entre a palavra feminista e a palavra machista, visto que o acesso à informação é bastante facilitado; eu procuro, sempre que posso, tirar vantagens disso. Quando eu falo que o feminismo não é a minha luta é porque não me identifico SÓ com as causas defendidas por este sistema. Estamos a falar de direitos e não de deveres. Contudo, sei perfeitamente que a minha independência (dependente só de afectos, com muito gosto!) socio-económica se deve, em parte, aos movimentos feministas (inicialmente só mulheres, depois homens também) que, ao longo dos tempos, foram fazendo conquistas baseadas no princípio fundamental da igualdade perante a lei. Hoje em dia, sinto-me detentora dos direitos e deveres institucionalizados na minha sociedade; só não posso garantir que os usufruo em pleno, porque também acho que a lei não salvaguarda as diferenças! Não me interessa só a igualdade, mas sim a funcionalidade da lei. O meu trabalho (de mulheres e homens) é chefiado por uma mulher e nunca ouvi ninguém pôr em causa o mérito da pessoa por ser mulher, e digo-vos, desde já, que ela é bastante feminina e mãe de família até. Contudo, presumo que teve que lutar muito, pois uma mulher que é mãe tem que prestar o mesmo serviço como qualquer outra pessoa que não o é. A lei é para todos, é igual. Reconheço também que a essa igualdade, apesar de se pensar o contrário, trouxe muitas vantagens para os homens que, numa maioria, se viam aprisionados aos grilhões da sustentabilidade do seu núcleo familiar. A meu ver, ainda bem! Actualmente, temos mulheres e homens com direitos e deveres iguais, mas com problemas de funcionarem como iguais. Acho que ainda não conseguimos descobrir a medida ou a fórmula certa, mas temos vindo a conseguir. Enfim, uma questão que se tem que racionalizar. Os condicionalismos são muitas vezes ignorados pelos ditos defensores das igualdades, isso é evidente quando, numa sociedade em que o sistema religioso está completamente subjugado pelos preceitos da hegemonia de um só sexo (feminino ou masculino), os homens e as mulheres continuam, impávidos e serenos, a compactuar e a comungar desses mesmos “ideais e rituais”. Acho que a sociedade deveria estar mais atenta, pois não é por acaso que, de modo geral, os países protestantes ofereceram maiores possibilidades de evolução aos movimentos feministas. Diariamente, interesso-me por questões sociais e que, de certa forma, directamente contacto e que estão bem à vista de todos: crianças que são exploradas e negligenciadas pela família; idosos completamente desprotegidos; pessoas desprezadas e caídas nas ruas; a falta de expectativas e de causas da geração vindoura; o desemprego; a imigração e emigração clandestina; pessoas a morrerem com fome; pessoas perseguidas e, por vezes, torturadas por ideologias e culturas extremistas ou sexistas; e as catástrofes naturais e ambientais. Estou atenta, preocupo-me e tento dar o meu contributo para melhorar pelo menos o meio que me rodeia, por isso, considero o meu posicionamento mais direccionado para o HUMANITARISMO. NOTA: não pretendo ser miss e ganhar concursos de beleza!!!

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Como é óbvio...

...Questionar a mercantilização do corpo feminino a retalho - corpo despido de Si, objecto, triplamente objecto - só pode ser fruto de uma enorme dor de cotovelo. Aliás, o que as feministas mais têm são cotovelos. E dores. E bigode também. Toda a gente sabe (falácia de quê? Ajude-me aqui Funes, que não m'alembro)! E geralmente também só gostam de outras gajas (sem bigodes e sem cotovelos). Estas feministas são umas doidas. E (in)conscientes. Gaja que é gaja SÓ é feminina. Ista, nunca. E eu que o diga, que desde que me afirmo feminista tenho uma data de cotovelos e duplo bigode (só me falta gostar de gajas).
(sim, é uma lullaby extraORDINÁRIA)

O SENHOR É O MEU PASTOR?! NADA ME FALTARÁ?

(um agnus dei)

quarta-feira, 23 de maio de 2007

a cultura do nabo


Agora, ainda nem a metade do meu percurso, sinto-me exangue.

Já pensei em ser agricultora, mas faltam-me os meios e a disciplina de Técnica (existe?!). Falta-me, essencialmente, o terreno para cultivar NABOS em grandes quantidades, visto que pretendo não só abastecer o mercado nacional, mas também o internacional, mais, concretamente, a Europa.
Ambição não me falta e eu sei que Portugal, segundo as estatísticas, reúne boas condições para a cultura do nabo. Dá trabalho, mas (talvez) compensa.
Em suma, a cultura do nabo é que está a dar!

No entre-tanto que pensar e repensar na vidinha, a voz da mulher da Beira Interior que há em mim manifesta-se com expressões do género: Ó alma do diabo, consomes-me o fígado! Raios partam tudo isto!

terça-feira, 22 de maio de 2007

Espelhos e Reflexos

"O espelho é, em relação ao mundo, poderoso mas também específico. E parece que, desde a primeira possibilidade técnica do reflexo das águas, a que o mito de Narciso faz menção, a grande aposta da tradição ocidental foi a de se constituir como o reino da visibilidade universal: ver é conhecer e a aposta é que uma pedagogia do olhar é o que constrói a nossa relação com o mundo. A relação entre especulação filosófica e fenomenologia - Ser é Perceber - é a de um vínculo forte, como aponta com argúcia, Umberto Eco." Ieda Tucherman
Da última vez que estive Fora do Mundo, tive o prazer de usufruir da exposição de Kimiko Yoshida, com o belíssimo título "Tudo o que não seja eu". Por dificuldade de expressão, não aludi de forma nenhuma ao impacto que a mesma teve em mim; na maior parte dos casos, a única coisa que me ocorre nestas situações é o Silêncio, já que o indizível parece-me sempre incomensuravelmente maior. Pois bem, encontro agora um post que descodifica uma parte da belíssima exposição.

Desfloramento

Venho das noites escuras E aprendi a ver nas trevas e a ler nas trevas. Venho das noites escuras e sei o grande soluço das sombras e os cânticos impotentes dos peregrinos. Venho das noites escuras e daí o meu amor imenso pela luz! E quanto mais treva era a treva melhor eu aprendia a amar a luz do sol, e dos meus olhos sempre mais e mais abertos a luz interior irradiando aniquilava as sombras... E sendo sempre noite, era cada vez mais manhã. E cada vez mais enorme e definitiva, a manhã subia, a-pesar-da treva, a-pesar-do silêncio, a-pesar-de tudo! E cada vez mais era manhã. E era ainda a noite. A flor romântica da treva esfolhou-se nos dedos. E então nasci. E então vi que estava nu, E alegrei-me por estar nu, enfim! Sorvi os frutos da terra, e já não me souberam a papel impresso! Sacudi a poeira do que me tinham ensinado, e comecei a saber. Sob as palavras, desvendou-se então a voz, e a canção ardente da vida já não encontrou algodão nos meus ouvidos. Ah! Só quem veio das trevas e das noites escuras pode amar assim o imenso mundo do sol! (Adolfo Casais Monteiro)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

"Vampiros"

Excelente exemplo de agendamento político. Às portas de nova greve, começam as já habituais campanhas de sensibilização.
No céu cinzento Sob o astro mudo Batendo as asas Pela noite calada Vêm em bandos Com pés veludo Chupar o sangue Fresco da manada. (...) São os mordomos do Universo todo Senhores à força Mandadores sem lei Enchem as tulhas Bebem vinho novo Dançam a ronda No pinhal do Rei. (José Afonso)

É legítimo que o poeta fume?

O cigarro roubado a Pessoa, conduz a uma questão deveras pertinente. Que acontecerá quando os senhores do lápis azul (re)lerem Tabacaria?
"(...) Acendo um CIGARRO ao pensar em escrevê-los E SABOREIO no cigarro a libertação de todos os pensamentos. Sigo o FUMO como a uma rota própria. E GOZO, num momento sensitivo e competente. A libertação de todas as especulações E a consciência de que a metafísica é uma consequência de se estar mal disposto. Depois deito-me para trás na cadeira E CONTINUO FUMANDO. Enquanto o Destino mo conceder, CONTINUAREI FUMANDO. (...)"
«Um professor de Inglês, que trabalhava há quase 20 anos na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN), foi suspenso de funções por ter feito um comentário – que a directora regional, Margarida Moreira, apelida de insulto – à licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates.»
Aqui vai um poema de Augusto Gil bastante alterado por mim, claro.
Batem leve, levemente, como quem chama por nós. Será chuva? Será gente? Gente é, certamente A chuva não bate assim. ... Há pouco, há poucochinho, Nem uma agulha bulia Na quieta melancolia ... Quem bate, assim, levemente, Com tão estranha leveza, Que mal se ouve, mal se sente? É gente, com certeza.
Fui ver. - Há quanto tempo a não via! E que raiva, Deus meu!
Passa gente e, quando passa, Os passos oprimem e traçam Punições e silêncios... Fico olhando esses sinais Da pobre gente que avança, E noto, por entre os mais, Os traços miniaturais.
Uma funda turbação Entra em mim, fica em mim presa.
Nota: e anda o pessoal preocupado com Salazar.

Por falar em estética



A maquilhagem

“ A mulher está no seu direito, e cumpre até uma espécie de dever, aplicando-se em ser mágica e sobrenatural; é necessário que ela espante e encante; ídolo, ela deve dourar-se para ser adorada. Ela deve ir buscar a todas as artes os meios para se elevar acima da natureza, para melhor subjugar os corações e tocar os espíritos. Pouco importa que a manha e o artifício sejam conhecidos de todos se o sucesso for certo e o efeito sempre irresistível. É nestas considerações que o artista filósofo encontrará facilmente a legitimação de todas as práticas empregadas em todos os tempos pela mulher para consolidar e divinizar, por assim dizer, a sua frágil beleza. A enumeração dessas práticas seria longa; mas, para nos restringirmos àquilo que o nosso tempo chama vulgarmente maquilhagem, quem não vê que o uso do pó-de – arroz, tão estupidamente anatematizado pelos filósofos cândidos, tem como objectivo e resultado fazer desaparecer da tez todas as manchas que a natureza ultrajosamente nela semeou e criar um a unidade abstracta na cor da pele, na qual unidade, como a produzida pelo maillot, aproxima de imediato o ser humano da estátua, isto é, de um ser divino e superior? Quanto ao negro artificial que contorna os olhos e ao vermelho que marca a parte superior da face, ainda que o seu uso obedeça ao mesmo princípio, o desejo de ultrapassar a natureza, o resultado está ao serviço de uma necessidade completamente oposta. O vermelho e o negro representam a vida, uma vida sobrenatural e excessiva; este contorno negro torna o olhar mais profundo e mais singular, dando aos olhos uma aparência de janela aberta sobre o infinito; o vermelho que incendeia a face, aumenta a claridade da íris e acrescenta ao belo rosto feminino a paixão misteriosa da sacerdotisa.”
Baudelaire (escritor/poeta francês do século XIX)

Aviso: quando eu maquilhar novamente os meus olhos, não me perguntem por que estou com mais olheiras! Haja paciência...

domingo, 20 de maio de 2007

Que fazer com ela?

Há uns anos, um explicando meu, ao ouvir uma conversa sobre a aula que eu teria no dia seguinte - de estética filosófica - perguntou-me com um ar assombrado, se também percebia dessas coisas. Pediu-me imediatamente uma receita de tratamento para o acne.

E agora algo completamente novo...

Elogio à autofagia.
A SIC acaba de transmitir uma peça sobre como o caso do desaparecimento da criança no Algarve originou uma autêntica caça/massacre à notícia. E, quase no fim, uma espécie de lamento sobre como o caso esfria porque não existem novidades, porque já todos foram interpelados e de como os passeios dos pais da menina deixaram de ser novidade. Patético, isto a que chamam jornalismo. De referência, atrevem-se alguns a acrescentar.

Por aqui, andamos CATIVOS.


Lullaby de Domingo

sábado, 19 de maio de 2007


O ouvido fixa-se no som das folhas de um livro, nas teclas de telefone ou do teclado. Os olhos vagueiam pela imensidão da planície e as mãos, essas estão presas a uma frescura perdida. Estão envoltas em trapos de memórias e de amnésias.


Foto de Alain Couillaud

Dor que desatina sem bater

Tenho alguma dificuldade em sentir empatia por gente que considero estúpida. Tento refrear estes meus assomos mais pedantes, mas eles estão aí, são viscerais, praticamente incontroláveis.
Esta semana, apeteceu-me bater (para além dos tipos do costume - os detentores da patente da filosofia) em alguém que afirmava orgulhosamente que dos livros quer distância. "Só jogados! Para bem longe."*
A incredulidade deve ter assomado ao meu olhar. A fúria às faces. O desejo incontrolável de bater às mãos (os dedos fervilhavam). Mas se sou extremamente febril, também é verdade que sou cobarde. Não fui capaz de balbuciar nada. Agastada (mas só isso) virei costas para outro lado e continuei a falar de leituras.

*Não, não foi um adolescente.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

"Dor que desatina sem doer" 2

"Quem esteja minimamente familiarizado com as agruras da composição não precisará que lhe contem a história em todos os seus pormenores; como ele escrevia e achava bom o que escrevera; relia e achava execrável; corrigia e rasgava; cortava; acrescentava; ficava em êxtase; sucumbia ao desespero; passava noites excelentes e péssimas manhãs; agarrava uma ideia e deixava-a fugir; tinha uma nítida visão do seu livro, e a visão desvanecia-se; representava os papéis dos seus personagens enquanto comia; declamava-os enquanto passeava; ora vociferava, ora ria; hesitava entre este e aquele estilo; (...); e não conseguia decidir se era o mais divino dos génios se o maior tolo do mundo."
Orlando, Virginia Woolf

Onde reside o desejo?

(Ilustração de Aubrey Beardsley para a Salomé de Oscar Wilde.)

Da memória emerge Salomé d´Oscar Wilde, uma recordação de muitos anos.
Comprei o livro, por mero acaso, num alfarrabista do Bairro Alto; ou melhor, comprei o livro por ter gostado muito das ilustrações.
Lembro-me ainda de ter gostado muito da personagem Salomé, a mulher/menina movida pela força do desejo. Ela pareceu-me a principal vítima. Aliás, a peça fala do desejo como o principal elemento que leva à destruição de todas as personagens do drama. Todos sofriam do mesmo mal: desejo.

Há dias, no café, veio à baila o tema “O que mais te atrai numa pessoa” e, não sei porquê, as pessoas mencionaram só partes do corpo, tais como: olhos, mãos, voz, pernas, pés, peitos, nádegas, orelhas, boca, etc. Alguém notou que eu concordava com quase todas as preferências e ripostou: “ -Então, não te decides? Sempre indecisa!”
Ainda não sei bem, mas acho que gosto da pessoa num todo, e, diga-se de passagem e em tom de brincadeira, convém-me gostar da pessoa toda.

quinta-feira, 17 de maio de 2007

tal como Penélope


Tal como Penélope de Ítaca, Feniana tece, com as palavras, belíssimos textos. É um dos meus blogs preferidos. Gosto muito de a visitar na sua ilha. Navego sempre até lá para admirar os seus trabalhos repousantes e agradáveis.

Para lá chegar, sigam estas coordenadas:http://speakcorner.blogspot.com/
Nota: desconheço o autor da imagem

quarta-feira, 16 de maio de 2007

"Dor que Desatina sem doer"

"O gosto pelos livros fora nele precoce. Em criança, várias vezes o haviam surpreendido, à meia-noite, ainda debruçado sobre uma página. Tiravam-lhe a vela e ele criava pirilampos para o servirem nos seus intentos. Tiravam-lhe os pirilampos e por pouco não incendiava a casa com um morrão. Para resumirmos o caso em poucas palavras, (...) - diremos que o nosso fidalgo padecia de amor pela literatura. (...). Era da índole fatal desta doença substituir a realidade por um fantasma, de forma que Orlando, a quem a fortuna concedera todos os dons - pratas, roupa de cama e mesa, casas, criados, tapetes, camas em abundância - dissipava em névoa, com o simples gesto de abrir um livro, toda esta imensa acumulação. Os nove acres de pedra que eram a sua casa desapareciam; desapareciam os cento e cinquenta criados de dentro; os seus oitenta cavalos de sela tornavam-se invisíveis; e levaríamos demasiado tempo a contar os tapetes, sofás, adornos, porcelanas, salvas, galhetas, rescaldeiros e outros bens móveis, muitos dos quais de ouro lavrado, que se evaporavam como um sopro de brisa marinha ao contacto com o miasma. Assim acontecia, e Orlando, sentado sozinho a ler, era um homem nú."
Orlando, Virgínia Woolf

terça-feira, 15 de maio de 2007

mas eu mal estava ouvindo

(...) Falava da justiça e da luta para haver justiça E dos operários que sofrem, E do trabalho constante, e dos que têm fome, E dos ricos, que só têm costas para isso. E, olhado para mim, viu-me lágrimas nos olhos E sorriu com agrado, julgando que eu sentia O ódio que ele sentia, e a compaixão Que ele dizia que sentia. (Mas eu mal o estava ouvindo. Que me importam a mim os homens E o que sofrem ou supõem que sofrem? Sejam como eu - não sofrerão. Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os outros) Quer para o bem, quer para o mal. A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos. Querer mais é perder isto, e ser infeliz.) (...) (Louvado seja Deus que não sou bom, E tenho o egoísmo natural das flores E dos rios que seguem o seu caminho Preocupados sem o saber (....) E o homem calara-se, olhando o poente. Mas que tem o poente quem odeia e ama? Alberto Caeiro

O meu pobre coração não aguenta.


Octávio e António estão de volta, por enquanto amiguinhos. "Punhais no Senado"; em breve dançarão pelas ruas e entre o homem e o menino. Mediados por Elas, como é óbvio. Cícero, imperdível, na sua astúcia de advogado (lembro-me agora que foi o patético Mr. Collins em Orgulho e Preconceito).
Welcome back às minhas Segundas, Senhores e, principalmente, Senhoras de Roma (a cena entre Calpúrnia e Servília, divinal).

segunda-feira, 14 de maio de 2007

Epístola a António

Caríssimo: Como neste novo blog não permites comentários, vejo-me obrigada a fazê-lo de longe. Excelente, o teu post de hoje. Mas o problema daquele Encarregado de Educação é um bocadinho pior que um tiny, tiny psychological distress. Suponho que com este precedente, os paizinhos passem a receber uma cópia dos filmes a visionar em casa, de preferência entregues em mão pelo professor. E já que estamos com a mão no preconceito, há um livrito ou dois que bem podíamos lançar à fogueira. Hereges!



Muito contentinha. Finalmente consegui o Orlando. Infelizmente, a ilustração da capa não é tão bonita como esta. Mas enfim, ao tempo que andava à procura do senhor/a, mais vale estar de teclado quieto.
A partir de agora, blogar só mesmo nos tempos livres dos meus tempos livres.


domingo, 13 de maio de 2007

MST

O meu problema não está em que MST opine, mas no facto de o homem ser pago para isso. Irrita-me a postura eu cá sou da cepa do Hemingway*! Enervam-me as postas de pescada sobre qualquer assunto, com aquela tonalidade desdenhosa que o homem emprega a quase tudo o que diz. Na verdade, estou cada vez mais convicta que nós é que devíamos ser pagos para gramar com as birras de MST. Credo, como a criatura berra e bate com os pés. * Que também é um dos ódios de estimação cá da moça.

as pérolas e os porcos

A caravana passa e os porcos triunfam!


Por que se lançam pérolas aos porcos? Eles não comem pérolas e muito menos se interessam por elas. Os porcos podem ser porcos, mas não são estúpidos! É caso para se dizer: porcos porcos, pérolas à parte ou vice versa. De bons porcos anda o mundo cheio e, por isso mesmo, é melhor que cada macaco fique no seu galho.
A ordem de certas coisas nunca muda, pois quem sai aos seus não é de Genebra!
E por falar em pérolas, lembrei-me que de pérola a pérola não enche a galinha o papo! Ou até enche, mas não alimenta.
Bem, termino porque as gaivotas andam em guerra e há tempestade no mar! Nada agradável para um fim-de-semana que se quer pacífico.
Nota: por amor a Ámon, não confundam mais as minhas ideias!

Lullaby de Domingo

You ain't got no money? He'll get you some You ain't got no car? He'll get you one You ain't got no self-respect, You feel like an insect (...) You'll see him in your nightmares, You'll see him in your dreams He'll appear out of nowhere but He ain't what he seems You'll see him in your head, On the TV screen And hey buddy, I'm warnig You to turn off.

sábado, 12 de maio de 2007

Pressentir Sexta, permanecer na Quinta

A entrevista de Cesariny deixou claro; o poeta despe definitivamente a palavra para assumir a imagem. Eu, que sou adepta da palavra, agarro-me às franjas de Quinta, porque Sexta significa voltar à norma dos restantes dias, à imagem, ao desenho de Cesariny que se repete diariamente dispondo os mesmos elementos de forma aleatória. Agarrei-me às franjas de Quinta, porque sinto que só ela FALA, ou seja, só ela recorre descaradamente à palavra. Na tarde de ontem que não aconteceu ontem - porque segura por um fio no dia anterior - ouvi um mestre que usou a palavra sobre Jardins, Mundos e Utopias. Ainda antes de agarrar as palavras cintilantes na sala de conferência, as cortinas abrem-se e vemos o Mundo lá fora, os jardins de dentro para fora. Primeiro, a claridade súbita. A natural, claro. Depois, a imagem da vegetação luxuriante do outro lado do vidro. Discutir jardins, na caverna (palavras do mestre), tendo o jardim lá fora. E portanto, de janelas claras emprestei o ouvido aos jardins no mundo. Aos mundos de jardins. Às utopias fora do mundo e, principalmente, às utopias fora do Tempo. Fiz bem em permanecer na quinta feira, em suspender o tempo de que me falariam no dia que não foi sexta.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Detesto ser impulsiva. Abomino, na verdade. Mas não evito. Ou melhor, não consigo evitar. Obviamente o facto tem implicações terríveis: nunca terei uma postura respeitável. Ou melhor, a determinada altura, desmancho-me a rir ou disfarço o nervosismo com piadas. Enfim, uma lástima. Um dos piores aspectos desta minha impulsividade acontece quando escrevo a alguém (acontece o mesmo por cá). Só me lembro de fazer a revisão de texto quando já enviei o mail ou publiquei o post. Restam-me as lamentáveis erratas.

Nostalgias

Releio documentação de há seis anos. A determinada altura, leio que F.B. é responsável pela minha reconciliação com a filosofia. Também é verdade que desde então já nos zangamos (e reconciliamos) muitas mais vezes. Uma relação difícil. Uma relação gostosa. Não gosto que nada aconteça de mão beijada.

quarta-feira, 9 de maio de 2007

Terceira epístola a Nefertiti

O(s) TRABALHO(s) de Portas...

... LIBERTAram-no de algum eleitorado.
Ultimamente apetece-me mais ouvir/ler que dizer. Portanto, ando parca com as palavras - pelo menos as que tomo emprestadas (porque elas não são as minhas). As que tenho, rumino interiormente. Apetece-me permanecer calada, em total ebulição interior. Há algum tempo que não estava febril. Espero que passe.

hagiografias

(Santa Helena)

-Não sabe o que é uma hagiografia?

................................................................

-Ok, eu trago amanhã a história da minha vida.


NOTA: nas aulas utilizo, sempre que posso, exemplos concretos e práticos.

segunda-feira, 7 de maio de 2007

De Gays, Estereotipos e da Estupidez em geral

- também tive um amigo assim. Eu percebi que ele era gay antes de ele próprio
- geralmente é assim.
- eu vi logo! Por exemplo, ele não gostava de futebol.
- pois, pois, eles são muito femininos
- nem de desporto em geral. Mas são muito amigos.
- Sim, eu também tive um amigo assim. Era do tipo gajo-gajo e andava com um gajo-gaja. Depois, nós percebemos logo quem são eles porque cuidam-se muito. Reparam em tudo e gostam da Britney Spears e da Beyoncé.
- Havia um, lá na minha faculdade, que nunca saiu do armário. Mas nós desconfiávamos. Namorava sempre com miúdas lindas, durante um ano ou dois, depois terminava e ninguém percebia porquê. Elas eram tão lindas. Eu desconfiei logo.

Não, não é invenção. Com mais ou menos palavras, o diálogo continuou com elas a descreverem como é que, nas suas cabecinhas, se parecem os homens cuja orientação sexual pende para o mesmo sexo.
Achei curioso o verbo ter, como se ter um amigo gay fosse algo tão sui generis quanto ter um tamagochi como animal de estimação. "tive um assim, outro assado". Estas, coitadas, conseguem topar um gay à distância. Mas gajas, mulheres que gostem de amar outras mulheres, dessas nem falaram. No mundo delas não devem existir. Sei lá, só se for, com certeza as que gostam de futebol e de desporto em geral. E claro, devem namorar com miúdas lindas - as tais rejeitadas pelo outro gay.
É um esforço terrível, tentar não colocar por cá compulsivamente NC. Em dias como este, sufoco na prepotência e na invasão de outros, no dia que passa só com um vislumbre (ou uma alucinação).

Cogitações avulsas


Confesso-me exasperada com os brados de alguns sobre o que acontece aos SEUS impostos. Eu, como não lhes vi a Declaração, fico na dúvida. Mas também é verdade que, segundo a impressão de muitos, pertenço ao rol dos maiores ignorantes do País.

Fotografia de Christine Mathieu

Pérolas a porcos

Do que não se sabe falar, mais vale estar calado.

domingo, 6 de maio de 2007

às mulheres mais belas que conheço

(Amores-perfeitos às mães mais belas que eu conheço: Ezequiel e Lucília)

Hoje, telefonei à minha mãe e disse-lhe: -Beijos, mãe querida! - Ela ficou sensibilizada e agradeceu.

Eu ainda acrescentei: - Vamos ficar juntas durante muitos e muitos anos e também vamos continuar a resmungar de vez em quando uma com a outra! - Ela deu uma gargalhada e disse-me: -Pois é, mas eu vou estar em vantagem, vou ter uma bengala e dou-te com ela!"

E eu, claro, como não gosto que ela tenha a última palavra, pois já foi o tempo, rematei: -Eu fujo!

Assim seja, desejo eu! Amo-a muito.

Lullaby de Domingo

sábado, 5 de maio de 2007

Um caso sério 7

Tenho alguma dificuldade em preferir-lhe um post entre todos os outros. Mas a verdade é que este vale mesmo (mesmo, mesmo) a pena.

Começos.

"Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta. She was Lo, plain Lo, in the morning, standing four feet ten in one sock. She was Lola in slacks. She was Dolly at school. She was Dolores on the dotted line. But in my arms she was always Lolita. Did she have a percursor? She did, indeed she did. In point of fact, there might have been no Lolita at all had I not loved, onde summer, a certain initial girl-child. In a princedom by the sea. Oh When? About as many years before lolita was born as my age was that summer. You can always count on a murderer for a fancy prose style."
Vladimir Nabokov, Lolita

Na minha perspectiva, um começo excepcional. Exímio exercício de apanhar o leitor à primeira frase.

Para a Rosa e para o Sr. Gostoso:
"Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceito, bate nos dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã, um metro e trinta e dois a espichar dos soquetes; era Lo, apenas Lo. De calças práticas, era Lola. Na escola, era Dolly. Era Dolores na linha pontilhada onde assinava o nome. Mas nos meus braços era sempre Lolita. Teve uma percursora? Teve, de facto teve. Na verdade, talvez até não houvesse Lolita nenhuma se, certo Verão, eu não tivesse amado uma rapariga-menina inicial. Num principado junto ao mar. Oh, quando? Quase tantos anos antes de Lolita nascer quantos eu contava nesse Verão. É sempre de esperar num assassino uma prosa de estilo caprichoso."
Vladimir Nabokov, Lolita

quinta-feira, 3 de maio de 2007

64

Quando eu tiver o dobro da minha idade...

só com óculos, meu caro "anjonheiro"!



Às quintas-feiras marco o ponto na Oficina de Aprendizagem. As crianças vão lá, ou porque lhes apetece ou porque os professores obrigam, e fazem actividades relacionadas com as diversas áreas disciplinares.
Ao longo deste ano lectivo, foram vindo crianças que, no entender dos seus professores e educadores, precisam de apoios… e eu estou lá para os apoiar.
Tenho crianças que frequentam o 5º ano, o que nem sempre é fácil para mim, pois quanto mais pequenas, mais complexo se torna o acto da comunicação e esta experiência leva-me a afirmar que os educadores de infância e os professores primários são uns verdadeiros heróis!
Também é verdade que me divirto imenso e concordo que as crianças são o melhor que há no mundo! Também concordo que são do mais barulhento que há e, quase que aposto, que a colega que dá apoios aos alunos do Secundário, numa mesa ao meu lado, concorda comigo, pelos olhares que lança… está tudo dito!
Habitualmente, converso com elas, lemos histórias e elas escrevem sempre qualquer coisa sobre o que se falou. Depois, eu corrijo e elas reescrevem.
Apesar de alguma confusão e da muita “melgação”, pois não dão um passo sem mim, consigo obter trabalhos bastante originais.
Familiarizei -me com o ritmo daquelas crianças, gosto de estar com elas e da confusão que conseguem "organizar". Tenho dois gémeos que não os distingo, digo os nomes ao calha e um deles responde ou corrige-me quando é o caso; um N. que não consegue estar quieto nem calado por um segundo... e tenho outros mais, cheios de definições personalizadas.
Hoje, depois de eu ter perguntado ao N. pelos seus óculos, ele sai-se com esta: “Eu não os trago porque com eles pareço um doutor e eu não quero ser doutor, quero ser engenheiro!”. Então, perante tal preconceito declarado e declamado, disse-lhe que, mesmo parecendo um doutor, eu exigia os óculos para as minhas aulas!

Fábula


"Menino gordo comprou um balão
e assoprou
assoprou com força o balão amarelo.

Menino gordo assoprou
assoprou
assoprou
o balão inchou
inchou
e rebentou!

Meninos magros apanharam os restos
e fizeram balõezinhos."

José Craveirinha – Moçambique

quarta-feira, 2 de maio de 2007

terça-feira, 1 de maio de 2007

Post sem tradutor

Passei a tarde com Mário. A tarde de Terça, note-se aquela que não consigo descodificar no seu Dias Desta Semana. Só lhe percebo a quinta-feira, porque FALA A QUINTA-FEIRA. Mas só quando precedida pela quarta e seguida pela sexta. Ouço-o dizer, só com os lábios (já sem a raiva a nascer-lhe nos dentes*) que deixou de gostar da poesia das palavras. Porque o poema exige que se descreva - o amor pela rapariga do quarto andar, diz ele. Ficou-lhe o gosto pela (poesia da) pintura (da poesia), que é liberta de sentido, pelo menos, à primeira vista. Mas Mário, na tua poesia (das palavras) sente-se o pulso de todos nós.
* Escandalosamente roubada a Sérgio Godinho.

Illusions

Que figura vêm nesta rocha?

Foto do Parque Natural de Tayrona (Colômbia)

Carta aberta ao Cusquices de Gajas

As nossas Cuscas em geral, atribuíram-nos uma graça e um trabalho (de Hércules). Primeiramente ficamos sem palavras; agora, felizmente mais recuperadas do choque inicial. Muito obrigada pela honra que nos concedem. Em relação à tarefa que nos incumbiram, lamentamos algum desapontamento. Ainda tentamos acordar em relação aos nossos escolhidos... mas já eram seis e afinal éramos (ainda) só duas ao barulho. E seria injusto escolhermos deixando de parte os outros titulares desta casa que é nossa. Assim sendo, os nossos favoritos espraiam-se pelos links da nossa barra lateral e também por aqueles que não revelamos mas que sistematicamente frequentamos. São esses as nossas escolhas: excessivas, sabemos, mas ainda assim irredutíveis.

RR

Quando entrei na oficina pasmei. Olhei uma segunda vez. Ocupava uma grande superfície e era preto, ou quase preto. Aproximei-me com cautela, temendo que num desaparecesse num "blink of eyes". Continuava lá. Notava-se que era de traça antiga, mas parecia quase novo. A condução à esquerda. A senhora-anjo ali, pronta a esconder-se perante uma mão mais atrevida. "É de 82, mas ainda assim já tem direcção assistida, vidros eléctricos e ar condicionado. Pesa 3 toneladas e a garantia é vitalícia", explicavam enquanto eu observava os detalhes. A escovas dos faróis, o volante contrastantemente fininho para um veículo tão possante. O gigante motor. Eles continuavam a falar do proprietário: "tem mais três, o último dos quais de 2003. Diz que este consome 25 aos 100... comprou uma quinta nas amazónias. Como achava que aquilo era muito longe de tudo, adquiriu dois helicópteros". Ainda tentaram elucidar-me quanto aos valores envolvidos, mas eu não conseguia parar de pensar que com aquele veículo poder-se-ia comprar (no minímo) duas casas. E lembrei-me de como estranhamente, o valor do meu carro nem dá para pagar a prestação do meu (pronto, é mais do banco que meu, mas gosto de me iludir, que querem) imóvel. Diziam-me que "foi construtor civil na África do Sul. Fez fortuna durante o Apartheid e regressou em 92". E repentinamente, as imagens desse longínquo ano de 1990 e de cantarmos enquanto sabíamos da libertação de Mandela. Recordei vividamente, a capa do relatório da Amnistia Internacional sobre a África do Sul, e que relatava atrocidades sem fim durante os diversos "recolheres obrigatórios". Olhei para aquele RR e pensei que nunca um negro o poderia ter na África do Sul da década de 80. Que histórias contará aquele RR?

é vida...

Ora acertando com o que quero dizer, ora errando, Caindo aqui, levantando-me acolá" Alberto Caeiro