terça-feira, 31 de julho de 2007

Subsídios para uma educação contemporânea

Chocam-se sempre os outros quando afirmo esta minha vontade de não ter filhos. O olhar de incredulidade é avassalador porque continua a conceber-se que uma mulher não poderá desejar outra coisa; quantas vezes ouvimos rasgadas exclamações quanto à maternidade como condição necessária à concretização feminina? Portanto, após o movimento inicial de incredulidade, imediatamente ouço o inevitável "Isso é agora, porque ainda não sentiste o apelo." E o encolher de ombros imaginário é mútuo.
Não tendo especial inclinação para a maternidade, admiro a coragem de quem assume o passo. Ter um filho é um compromisso vitalício, um gesto de dádiva ao outro (quase) ímpar. Assumo assim, que a decisão da maternidade excede-me, implica um acto de responsabilização radical absoluto para o qual não me sinto preparada. Ao acolher uma criança em mim, acolho o compromisso de a acompanhar até onde ela queira e possa. Decisão difícil, assustadora. Não tendo vocação para uma dádiva tão extensa, mantenho-me quieta, ocupada pela educação criteriosa de uma gata.
O apelo de que todos falam, o relógio biológico que desperta em todos - homens e mulheres - é, portanto, inevitável. Pelo menos no imaginário da maior parte dos mortais. E, portanto, as crianças nascem orgulhosamente embaladas pelos olhares da Mãe orgulhosa e do Pai babado.


Frequentadora assídua dos corredores das instituições públicas de educação, também sei que o fascínio inicial muitas vezes esbate-se perante as necessidades da criança. É que a criança chora; adoece; tem birras. Bate o pé e exige atenção. E o olhar embevecido muitas vezes torna-se um olhar desesperado. Mais, a criança tem que ser alimentada, vestida. A criança exige a última playstation. E, portanto, os progenitores muitas das vezes bem intencionados encontram-se em conflito aberto entre as birras da criança e as birras da entidade patronal.
Os pais extremosos saem todas as manhãs e regressam às noite; acompanham o pequeno almoço e o jantar dos meninos. Quando acompanham. Tudo o mais, passa-se na instituição que os acolhe, substituindo-os enquanto procuram pagar o pão e a estadia na tal instituição. Para colmatar esta lacuna - dos pais que ainda passam um fim de tarde com as suas crianças - cogita-se a hipótese de o horário das creches ser prolongado até às 22 horas. Diz-se que para garantir que os Pais com horário nocturno também sejam abrangidos. Os horários nocturnos não terminam às 21.30, nem sequer às 22. Mas certamente as entidades patronais agradecem o desvelo. A criança das 8.30 às 22 horas no jardim de infância. Que maravilha!
Ainda assim, é pouco. Proponho então que as educadoras tenham também a tarefa de ir deitar as crianças nas suas caminhas, já que tal pode roubar tempo aos Pais. Vamos até mais longe: as crianças só deverão regressar a casa aos fins de semana - e só no caso de não constituir entrave para a vida profissional dos progenitores. Na verdade, o ideal reside na possibilidade dos Pais só retirarem as crianças do infantário ao fim de semana se tal lhes apetecer. Porque nem só de trabalho vive um casal, convém que possam ter tempo só para si, sem os berros de uma criança que reinvindica atenção. Estamos no bom caminho.

Fotografia de Jan Saudek

segunda-feira, 30 de julho de 2007

Cogitações avulsas

Em determinadas alturas do ano, preferia que os dias galopassem e que não deixassem memória. Que os altifalantes e microfones se recusassem a difundir os dislates, que as máquinas fotográficas, por artes mágicas, não disparassem figuras mais que lamentáveis. Infelizmente, nunca acontece.

domingo, 29 de julho de 2007

com os olhos bem fechados

" parábola dos cegos" de Peter Bruegel (1530-1569)
(...) A dignidade humana reside na dúvida; esta é certamente incómoda, mas o conforto é o privilégio das feras (e eu digo mal disso), dos loucos e dos assassinos. Os exemplos da arrogância foram-nos prodigalizados por todas as religiões que reivindicaram o privilégio de ter visto Deus e de o ter ouvido. Os exegetas mais prudentes concordaram que Ezequiel, por exemplo, é um destrambelhado. Recuso-me a qualquer Revelação. Não acredito que Ezequiel tenha alguma vez ouvido Deus dizer-lhe que arrancaria os pêlos púbicos de Israel, e digo-o com toda a moderação. Acredito que os olhos de Ezequiel estavam fechados.
(...)
in História Geral de Deus - Da Antiguidade à Época Comtemporânea, Gerald Messadié

Lullaby de Domingo

Aproxima-se o mês das horas lentas. Não sei que faça com elas.

quinta-feira, 26 de julho de 2007

Mudam-se os tempos, mudam-se também os "trucas"

Nós Pimba
Rapazes da vida airada
oiçam bem com atenção
todos temos o dever
de dar às nossas mulheres
muito carinho e afeição.
são as mais lindas do mundo
donas do nosso coração
se somos meigos p'ra elas
dão-nos tudo tudo tudo
com toda a dedicação.
e se elas querem um abraço ou um beijinho
nós pimba, nós pimba
e se elas querem muito amor muito carinho
nós pimba, nós pimba
e se elas querem um encosto à maneira
nós pimba, nós pimba
e se elas querem à noitinha brincadeira
nós pimba, nós pimba
(...)
Emanuel
Nota: não passei o resto da letra porque tenho problemas em digerir certos "ditos", fico sempre com muitas náuseas! Isto para mim é muito violento!

quarta-feira, 25 de julho de 2007

Sentir na pele o peso da palavra dos outros (cont)

A náusea provocada pela consciência de estar a contribuir para o ordenado mensal destas criaturas! Sugere-se que sejam pedidas contas a esta senhora por estas afirmações ofensivas, negligentes e hipócritas. Percebes agora, caro Sancho, porque quis esclarecer-te quanto à "matança dos inocentes"? Só se te referias à inocência de não pensar. Essa, é andrógena. E grassa pelas bancadas partidárias.

terça-feira, 24 de julho de 2007

Ministério de Morangos 3

Piada, piada seria se a aula fosse de Inglês Técnico.

Ministério de Morangos 2

Será que o professor era titular?

Ministério de Morangos

Suponho que o episódio passe à mesma hora ( ou integrado) que os Morangos com Açúcar. Resta saber se o prof era fixe ou era um daqueles ranhosos abominado pelos alunos. A dúvida surge porque supostamente não é de Educação Física. Ainda assim, precisamos ver como se apresentou para perceber o tipo de estereótipo foi representado.

indo eu...

Partir é bom, mas, pensar em partir, melhor ainda. Quanto a mim, acho que tenho sempre chegado. Partir é esperança. Chegar, desencanto."
in Estátua de Sal, Maria Ondina Braga

Sentir na pele o peso da palavra dos outros.

Ainda que as urnas por cá tenham revelado que se prefere esconder a miséria do que resolvê-la, é absolutamente escandaloso que as mulheres madeirenses sejam e - pior que isso - consintam na discriminação e alienação democrática em curso. Estamos perante uma questão de saúde pública, não perante um espectaculozinho qualquer para estrangeiro ver e o argumento evocado é, no mínimo, ridículo (ponderemos as verbas que são gastas em cerimónias e eventos bacocos e provavelmente o orçamento não seja assim tão impeditivo). Há anos que me parece indecoroso que determinadas áreas (pensemos, por exemplo, no desporto regional) sejam privilegiadas relativamente a outras bem mais prementes. Mas obviamente, as escolhas pautam-se pelos aplausos e sorrisos. Quanto ao eleitor, é preciso é mantê-lo razoavelmente contentinho e pouco informadinho.

domingo, 22 de julho de 2007

Cogitações avulsas

Pedir desculpa é tão doloroso que quase prefere que lhe torçam um braço. Infelizmente, na maior parte das vezes, não tem a graça de poder escolher.

Lullaby de Domingo

Sei que a dicção não é a melhor. Ainda assim... Je t'inventerai Des mots insensés Que tu comprendras

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Cogitações avulsas

Imperioso fechar o dia com Wagner, preferencialmente com o prelúdio de Tristão e Isolda. Suster a respiração, mergulhar até ao fundo e voltar mais serena. Amanhã.
Se a liberdade tem um sabor adocicado, por vezes, a libertação tem um sabor agri-doce.

quarta-feira, 18 de julho de 2007

O meu pobre coração não aguenta - In the end

Novamente, Pulo incólume no final desta série (ainda que bem mais astuto que na primeira). Não terá sido um grande episódio. Esta Cleópatra miúda convenceu pouco, já que é quase impossível suplantar a interpretação de Vivien Leigh e o texto de Bernard Shaw. Certo é que a menina só esteve bem aquando da conversa final com Octávio, em que o desnuda completamente ao afirmar que este tem uma alma podre. Octávio fica surpreso mas não ofendido, pelo que supomos que a criatura ou não valoriza a ideia de alma ou então até reconhece alguma verdade nas palavras da moribunda.
A rainha do episódio é na verdade Átia (ou melhor, de toda a série, na verdade), que no final recupera do golpe mortal de Marco António e protagoniza a cena mais marcante: perante os dentinhos afiados de Lívia (a esposa perfeita de Octávio, que tem um ar de roedora raivosa), explica-lhe pacientemente que outras já tentaram, sem sucesso, provocar a sua queda. Concordamos: na verdade, Átia é imortal. E ainda bem.

segunda-feira, 16 de julho de 2007

Do poder do BCE

Dizem que o dinheiro não traz felicidade. Pode ser. Mas tenho para mim, que dá outra cor, outro cheiro à infelicidade. Esta (a infelicidade) - por muito que me tentem convencer do contrário -, escolhe classes e castas, sim senhora. E tem umas bem em melhor conta que outras. Um rico deprimido compra um cruzeiro, bronzeia o couro nas bahamas ou numa outra qualquer ilha paradisíaca, o da classe privilegiada pela infelicidade pousa os pés nas praias da linha - se tiver dinheiro para o comboio; lava o pêlo no chafariz comum do bairro, que há muito que se sabe que a água é um bem escasso. Um próspero desanimado pode procurar um tesouro nos territórios incas ou nas pirâmides do México ou escolher ver o metal dourado no Museu do Ouro na Colômbia, em vez de se contentar em olhar pelas montras de uma qualquer ourivesaria da rua da prata. Pode gabar-se de conhecer as cores genuínas dos quadros dos pintores famosos. Sabe de cór os museus com os maiores escultores do século e até pode regalar-se com as melhores bibliotecas de todo o mundo. Quando o desalento bate à porta de um milionário este pode atirar-se aos melhores pratos do mundo, escolher ir à janela em vez da coxia ou apanhar um autocarro apinhado. Um abatido endinheirado vai buscar a sua cura a uns mergulhos turísticos nas águas gélidas do Titanic. Perde a graça dos mergulhos ali do cais da rocha, podem dizer. Pois claro, que as águas castanhas do rio também têm o seu encanto. Sobretudo o desafio de dizer que o pobre também combate a infelicidade - tem é um bocado mais de trabalho. Tenho para mim que o dinheiro traz outra cor à infelicidade. Outro cheiro. Não que a praça do Rossio não sirva de regalo - mas para turista, que para quem lá mora, os fontanários e o dona maria já perderam a graça de tanto olhar para o mesmo. Acima de tudo, traz o poder de escolha. Da escolha de um tratamento médico em vez de outro, de uma carreira em vez de nenhuma. E isto, caríssimos, faz toda a diferença.

M. Butterfly

O amante adia o segundo olhar. O primeiro encegueira. Em rigor, não é um olhar. É êxtase, que vai para além do que o amado pode ser: representação fantasmática do desejo. O amado (quase) nunca pede esse primeiro olhar. Sabe que merece apenas o segundo, apesar de o temer, de implorar pelo seu adiamento. Sempre tardio, é um olhar a nú e crú. Suicida.
Uma das mais belas áreas de Puccini, um Jeremy Irons soberbo e um final magnífico.

Só cá faltava isto!

Como já é habitual, a minha mãe telefona-me: - Já sabes quem é o Presidente da Câmara em Lisboa? - Sim, acabei de ver agora na televisão. Bem, aqueles… -Espera, o teu pai está a dizer para não falares mal ao telefone! Está a dizer que pode ser perigoso!! Eu soltei uma gargalhada mas, depois, fiquei deveras pensativa e apreensiva.

domingo, 15 de julho de 2007

Dos nomes e dos Homens


"(...) Um parto. A injecções, a ferros, a gritos e lágrimas da povoação inteira, mas um parto.
Um bicho de pernas gordas e olhinho azul. O Senhor Newton.
O pai, ninguém sabe porquê, mal o agarrou cá fora, que se havia de chamar Newton.
Queria Newton.
E o Conservador do Registo - uma fera de erudição - achou que o pai exagerava. Newton! Logo Newton!!! Mas eu disse que sim senhor. Newton, que tinha lá?
De enxada na mão, é quase certo que o novo homem não vai descobrir outra lei da gravidade universal. Mas vai de certeza descobrir o que é o sofrimento, e isso, cá no meu entender, chega perfeitamente para ele ter direito a usar na Terra seja que nome for".

In Diário I. Miguel Torga.
Foto: Mak Remisa

Lullaby de Domingo

Espero que entretanto se confirme a presença destes senhores em Paredes.


"(...) sentimos a prisão que é ser-se rapariga, a maneira como isso tornava a mente activa e sonhadora e como se acabava por saber quais as cores que combinavam umas com as outras. Sabíamos que as raparigas eram nossas gémeas, que todos existíamos no espaço como animais de pele idêntica e que elas sabiam tudo sobre nós, apesar de não conseguirmos de forma alguma penetrar na mente delas.

Percebemos, finalmente, que as raparigas eram, na verdade, mulheres disfarçadas, que compreendiam o amor até à morte, e que a nossa tarefa era simplesmente a de criar o barulho que parecia fasciná-las tanto (...)

In As Virgens Suicidas, by Jeffrey Eugenides


Vezes há em que sinto que somente expiro.

E o que expiro já nada é senão o terror de não o poder fazer de novo.
Dias tenho em que acordo sobressaltada com o ruído de um carro que não consegui confundir com o simples vento a passar.
Leio textos que se assomam de uma velocidade in-extremis - o imediato já lá atrás - e esqueço-me que posso reler a frase que passou para um passado junto à memória de expirar.

Horas há em que fico frente à janela. à espera não sei de quê. Talvez do carro que levou o ar que me fazia inspirar.

Foto: Estrela do Mar, Luís Quintas

sábado, 14 de julho de 2007

Sexta feira - 13.

"Foi desconvocada." - dizem placidamente, afastando o pardo dos meus dedos pouco ansiosos por lhe pegar. Não acredito. Não estou habituada a benesses. Sento-me, ainda incrédula. Confirmam. "Foi desconvocada". Sorrio. Não muito, porque a ordem para dispersar não contempla a todos. Outros permanecem, em silêncio. Cheiro-lhes a inveja (que eu sentiria, na cadeira deles); mantenho-me mais algum tempo sentada, por cortesia. Balbucio algumas generalidades, trocamos impressões. Eu saio. Não fico cá. Não revejo nada, não discuto nada, não tenho que voltar cá para o entregar. Eu saio. Eu saio. - Só isto me ocupa o pensamento na meia dúzia de minutos em que me deixo ficar ali. Arrasto levemente a cadeira; preparo-me para a saída. De mãos leves. Sem pardo a sustê-las, a empurrá-las para o desânimo. Estão livres. PS: Sancho, ainda não estou de férias.

sexta-feira, 13 de julho de 2007

No dia 13 a 13ª arte!

13ª arte é um blog que já consta na minha lista de favoritos. Ficam aqui as coordenadas:http://13arte.blogspot.com/

quinta-feira, 12 de julho de 2007

Eu cá tenho um GTI

O sonho dos meus amigos
é ter um GTI
não importa de que marca
de que cor
o sonho dos meus amigos
é ter um GTI
não importa se inglês ou japonês
eu ando pensativo
porque não tenho esse sonho
ando a pensar qual o motivo
porque não sonho com um GTI
o sonho dos meus amigos
é ter um GTI
não importa de que marca
de que cor
o sonho dos meus amigos
é ter um GTI
não importa se inglês ou japonês
os meus amigos riem-se de mim
por ser feliz assim
sem sonhar com um GTI
eles não sonham que me basta ter-te a ti
a sonhar comigo desde que te conheci
o sonho dos meus amigos é ter um GTI
não importa de que marca
de que cor
o sonho dos meus amigos é ter um GTI
não importa se inglês ou japonês
desde que seja um GTI
desde que seja um GTI
p'ra que quero eu um GTI
se me basta ter-te a ti
eu não quero um GTI
deita fora o GTI
p'ra que quero o GTI
só me basta ter-te a ti
dos Clã
Eu tenho um GTI.
Os meus amigos não gostam do meu GTI.
...
Não me basta ter-te só a ti, GTI.
de Moi-même

terça-feira, 10 de julho de 2007

Entre o Altar e a Fogueira

Bem sei que prometi "amena" mas exaustiva conversa frente a uma boa refeição e vinho a condizer. Mas a verdade é que fiquei a ruminar nesta questão e apetece-me aqui deixar um apontamento sobre a impossibilidade da feminilidade em Maria. A concepção tradicional de Maria - concebida sem pecado por homens de batina - provoca uma extrapolação absoluta da feminilidade; torna-a assexuada. Só é Mulher na altura de dar à luz, porque é momento absolutamente necessário para o surgimento do "Filho do Homem"(??). Assim, sublimada de tal modo que deixou de ser Mulher, para única e exclusivamente ser Mãe - com os lirismos decorrentes: uma Mulher não está completa enquanto não dá à luz. A concepção Mariana é, portanto, uma impossibilidade, o excesso, um obstáculo artificial, inacessível, desprovida de substância real mas apresentada como a possibilidade para todas as outras: inaugura-se assim uma assimetria absoluta entre o que a Mulher deve ser (o ideal mariano) e o que a Mulher realmente é. Esta idealização condena-a a ser sempre precedida por uma cena predicativa: tornar-se apenas no que é dito ser-lhe permitido ser: "Cheia de Graça" e de virtude, claro está. Por tudo isto, Maria que concebeu "sem pecado" tornou-se a companheira inumana, descorporizada que ensinou a tradição cristã a apontar o dedo (isto para ser suave) à Mulher que assume/reinvindica o corpo como seu.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

era uma vez...

O príncipe Sapo "Era uma vez uma princesinha que quando se cansava da sua luta inglória contra a estrutura machista do poder que vigorava no castelo, se descontraía passeando a pé pelo bosque e sentando-se à beira de um pequeno lago. Aí se entretinha a brincar com a bola de ouro preferida, que atirava ao ar para depois apanhar, e a reflectir sobre o papel da militante eco-feminista na sua época. Certo dia, enquanto acalentava a utopia em que o seu reino se transformaria se coubessem às mulheres as rédeas do poder, deixou cair a bola, que rolou para dentro do lago. Ora, o lago era tão fundo e a água tão turva que ela não teve hipóteses de ver para onde a bola tinha ido. (…) De repente ouviu uma voz dizer: - Eu posso ir buscar a vossa bola, princesa. A princesa olhou em volta e viu a cabeça de um sapo que rompia a superfície do lago. - Não, não- disse ela. – longe de mim escravizar um membro de outra espécie, para, com o produto do seu trabalho, satisfazer os meus desejos egoístas. - Então e se fizéssemos um contrato de reciprocidade? (…) – A questão é esta: eu não sou realmente um sapo. Sou um homem a quem um feiticeiro mau lançou um feitiço. Embora a minha forma de sapo não seja melhor nem pior (apenas diferente) da minha forma de homem, adorava regressar ao convívio das pessoas. E a única coisa capaz de quebrar o feitiço é um beijo dado por uma princesa. A princesa reflectiu um pouco sobre a possibilidade da ocorrência de assédio sexual entre espécies, mas a difícil situação comoveu-a. (…) Ali estava, um homem em camisa de golfe e calças aos quadrados de cores berrantes – meia-idade, estatura média e dando sinais incipientes, mas já visíveis, de calvície . A princesa ficou siderada e recuou: - Desculpe… vai talvez achar que tenho preconceitos classistas, mas… Não é costume nestes casos os feitiços serem feitos em príncipes? - Lá costume é (…), mas eu sou construtor civil e o feiticeiro pensou que estava a enganá-lo num negócio de terrenos. Vai daí convidou-me para uma partida de golfe e, quando eu ia para dar a primeira tacada, transformou-me. Mas (…) não foi tempo perdido. Aproveitei para conhecer o terreno, que considero ideal para a construção de um complexo de escritórios/habitação/ lazer. (…) Basta esvaziar o lago, cortar oitenta por cento das árvores, conseguir licenças de… A carreira do sapo bravo acabou no momento em que a princesa lhe voltou a enfiar a bola na boca, o empurrou para debaixo da água e ali manteve preso até que ele parou de estrebuchar. Durante o seu passeio de regresso ao castelo, a princesa pensou, espantada, na quantidade de boas acções que uma pessoa pode praticar em apenas uma manhã. (…)" James Finn Garner, Histórias Tradicionais Politicamente Correctas Achei a estória muito engraçada, contudo não a explorei nas aulas, apesar de constar no manual do oitavo ano de Língua Portuguesa. Por questões que achei óbvias, virei a página… Não fosse alguém querer também praticar boas acções logo pela manhã. Pouco provável, mas…
No próximo o ano lectivo, vou pedir aos meus alunos para alterarem o final desta estória.

domingo, 8 de julho de 2007

O ritmo da asfixia

Sob o título de "PS contra Ps", a Visão desta semana apresenta um artigo sobre o "desconforto" que alguns membros do Partido Socialista têm vindo a manifestar perante os tiques de intolerância que a máquina governamental tem vomitado nos últimos tempos. Obviamente, um desconforto; porque incómodo sério só para os despedidos, dispensados ou processados com esta brincadeira de julgar que estão num regime democrático. A Imprensa Portuguesa começa a acordar para estas questões; mas não esquecemos as posições tomadas, ainda há um ano, em relação à maior parte das medidas que já indiciavam o (des)norte dos titulares das várias pastas. O tabuleiro muda radicalmente quando as movimentações começam a chegar-se também aos meandros dos média. Durante algum tempo assistiram de camarote, com aplausos de incentivo; agora colocam-se em bicos de pés, porque começou a tocar-lhes também a eles. Desapareceram os editoriais de elogios rasgados à acção governamental. Pois. Estes comportamentos revelam muito do que somos; só nos movimentamos, só nos indignamos ou rebelamos quando nos sentimos directamente lesados. O que é lamentável, como é óbvio, já que indicia absoluta insensibilidade para com o problema (enquanto é só) dos outros. Não será por acaso que o artigo que referi ao início termina da seguinte forma: "Arons de Carvalho, um dos desagradados com o caso de Vieira do Minho, prefere realçar, no entanto, a coesão da bancada socialista, apesar das divergências. «Temos liberdade interna e nada nos impede de questionar posições concretas. Mas no grupo parlamentar continua a haver grande entusiasmo com as políticas do governo.»" Não me parece saudável este tipo de linha de pensamento. Que se considere que enquanto os seus direitos estiverem salvaguardados, estamos bem. Não é aceitável que se desvalorize os comportamentos verificados só porque alguns, internamente, ainda não sentiram a corda a apertar no seu pescoço.

Lullaby de Domingo

Uma ternura de melodia, com travo amargo na palavra.

sábado, 7 de julho de 2007

Wonderful World

(O Principezinho, Antoine de Saint-Exupéry)


I see trees of green, red roses too
I see them bloom for me and you
And I think to myself, what a wonderful world

I see skies of blue and clouds of white
The bright blessed day, the dark sacred night
And I think to myself, what a wonderful world...

Louis Armstrong

ceci n´ est pas une pipe



A humidade e o calor pesavam-me na alma.
Com os olhos presos num ponto indefinido, estava looooooonge, looooooooooonge… muito loooooooooooonge… Ai que prazer…
Entretanto, alguém com um sorriso muito airoso, vaporoso e ruidoso interrompeu-me:
- Ah! Encontrei-a! Aleluia, tive mesmo que perguntar a uma funcionária onde estava uma senhora… Desculpe, como é mesmo o seu nome? Não me recordo do seu nome! Perguntei, então, por uma senhora professora pequenininha, moreninha e, pelo falar, é continental. Só assim é que consegui encontrá-la!
Eu, claro, lá consegui disfarçar o quanto estava incomodada.
Enquanto fazia o trabalho que me levava a estar ali, pensava: “ Eu não sou nada “pequenininha”, tenho 1.68 de altura! Zsou morena, admito! Agora com pronúnzcia?! EU NÃO TENHO PRONÚNZZCIA!
Azcho que a zsenhora anda a enxergar e a ouvir mal. Pode zser da idade!!! Eu, por ezxemplo, szou mais nova e já tenho problemaszz de audição!”

Há situações na minha vida que me fazem lembrar a pintura de Magritte. Por um lado, sou aquilo que eu julgo ser, por outro lado, sou o que os outros julgam que eu seja. Sinceramente, não sei qual é o lado mais verdadeiro, mas eu nem sempre concordo com a imagem que os outros fazem ou têm de mim.

sexta-feira, 6 de julho de 2007

quinta-feira, 5 de julho de 2007

As escolhas são inevitavelmente trágicas. Cientes desta condição, da última vez que nos vimos com este trabalho escolhemos, de uma assentada, a nossa listinha de links. Nada mais justo, porque estão ali ao lado por algum motivo. Contudo, desta vez o caso é mais tramado. Somos chamadas a eleger blogues com grelos. E perante tal não queremos, de modo algum, ferir a susceptibilidade de nenhum dos blogues escritos por dedos exclusivamente masculinos (e que são geralmente muito sensíveis a este tipo de comichões). Contudo, não resistimos a uma provocação: ninguém se surpreende com a expressão "é uma mulher com tomates", pelo que seria plausível instituir também "um homem com grelo". Não pretendemos chegar tão longe. Por agora, seguimos a norma. Assim, as nossas nomeadas são: 1 - Cusquices de gajas (como não poderia deixar de ser). 2 - Ana de Amsterdam. 3 - D'ama. 4 - Speak Corner. 5 - Alma Nômade. 6 - Troca de olhares. Isto significa que os blogues que constam na lista acima poderão dar continuidade à tarefa.

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Concílio das moçoilas cá do sítio... e do moçoilo também.

Reunião geral a fim de respondermos à graça com que fomos presenteados pela Isabella do Mundo Perfeito. Ainda quase sem forças na ponta dos dedos pela gentileza de uma das minhas bloggers favoritas.

terça-feira, 3 de julho de 2007

Carta aberta a Sancho

Aconselhas-me a ser como Tomé. O post abaixo é apenas uma caricatura da engrenagem, tal como este outro aqui. Ou até por essa outra novidade de há uns tempos atrás, de que o ilustre representante decretou que o Limbo deixou de existir. Caso para perguntar: e que aconteceu com todas as criancinhas que lá estiveram de castigo até agora? Terão direito a indemnização e pedido oficial de desculpas? Mas se queres conversar sobre a Igreja Católica, então conversemos. Deixei de ser católica quando comecei a compreender o que significa ser mulher. E isso implica tomar consciência de que na estrutura da máquina não existe lugar para pessoas como eu. Clarifico. Há lugar: a esfregar o chão das catedrais e igrejas, a compôr os arranjos florais e a ministrar catequese aos meninos e meninas, a fim de lhes formatar o espírito. Mais do que isso, só em silêncio e de preferência com os braços e pernas cobertas (já para não falar nos decotes). A mulher não tem lugar nesta Igreja que aconselhas a ouvir com atenção. À representação feminina, amordaçaram o clítoris e profanaram o útero, fecundado por um Espírito Santo criado para o efeito. Portanto, uma mulher que não é aceite enquanto mulher. Tornada Outra, nem mulher nem homem. Desfeminilizada por decreto ou concílio, whatever. Decidido por homens, claro está. Passemos à galeria de mulheres beatificadas ou santificadas (ainda não percebi a diferença). A maior parte virgens, castas, mulheres piedosas e cientes da preciosidade que é o seu desprazer. Vês, como estou atenta às orientações desta Igreja? Reafirmei a minha profissão de fé ao NÃO ao catolicismo no dia em que ouvi afirmar que as mulheres participam exactamente como deve ser, sob pena de que mais do que isso não saberiam o que ou como fazer. Ora, tenho por hábito banir do meu léxico indivíduos, instituições e organizações que insistem em atestar-me como mentalmente menor. Tens razão. A Igreja não é risível. É patética. E só tenho pena que a maior parte das mulheres ainda não o tenha percebido. Porque veríamos então o número de fiéis predispostos a sustentar os sapatos do piedoso Bento.
Ainda me estou a rir com a última notícia do Vaticano. Vou ali recompor-me e depois volto para conversar sobre isto. Alguém pode passar-me um lenço?

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Repulsa, verdade e maldizer.

Tenho recebido algumas reclamações relativamente ao post ilustrado com a fotografia de Witkin. Reconheço que não será particularmente simpática. O facto de a criatura estar nua, claro. Não é coisa bonita de se ver, eu sei. Mas, minhas amigas, que fazer quando esta é realmente a fotografia perfeita para ilustrar o post? Não digo que todos os exemplares que tento descrever no post sejam tão barrigudos. Ou que se sentem com tanta graciosidade (tenho a certeza que não). Mas tenho quase a certeza que, a despirem-se, conservariam as peúgas. Quanto à cabeça... exactamente como esta! Mas concedo que realmente lhe falta o tal copo na mão.

domingo, 1 de julho de 2007

Lullaby de Domingo.

Quem mais? Melhor que isto, só lá estar. Como tal não é possível, ouvimos por cá, (quase) conformadinhas.