Inicio a semana com o cansaço de quem esteve por uns dias numa sala num exercício intensivo e estranho, que misturou lavagem cerebral e respectivo adestramento. Senti-me, na verdade, uma heroína romântica, uma espia que foi levada para uma cave suja e escura (não foi o caso, mas podia), onde membros de uma qualquer
organização (não tão) secreta tentam (por via de aliciamento e tortura) esvaziar-me das minhas mais profundas e secretas convicções.
Oferecem-nos doces, primeiro: chamam-nos de professores, de inteligentes, de esclarecidos. Com o pêlo (suficientemente??) amaciado, convidam-nos a confrontar situações, de raíz enviesadas para o resultado que já sabemos ser o esperado. É então que começa o verdadeiro
jogo, que entretece os dias de suposta reflexão e clarificação: jogam-nos teses e argumentos/(falácias), gritam imparcialidade e justeza, jogam-nos teses e argumentos/(falácias), murmuram sobre a necessidade de leccionar desta forma, jogam-nos teses e argumentos/(falácias), dizem-nos o que é (e o que não é) filosofia, jogam-nos teses e argumentos/(falácias), alegam rigor científico, jogam-nos teses e argumentos/(falácias), declamam os conteúdos que devem ser irrelevantes, jogam-nos teses e argumentos/(falácias), rematam com
Esta é a verdadeira via. Querem que repitamos à saída: crítica, analítica, crítica, analítica, crítica, analítica. Os murmúrios suspendem-se à porta do auditório, os olhos semicerrados pelo sol da tarde de sábado, o cheiro a terra molhada, o arco-íris prometendo trégua por algum tempo.
(Pintura de Basquiat)