sexta-feira, 9 de agosto de 2013

«Ele é muito atrevido! Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar?"»

A afirmação é de Cuca Roseta, sobre o dueto com Julio Iglesias, plasmada na revista Lux Woman (e que abre o artigo sobre o evento). Esta afirmação é antecedida por: «Durante o dueto com Cuca Roseta, Julio Iglesias mostra que continua um sedutor».
A generosidade do ou da autora do artigo em considerar que estamos perante a confirmação das capacidades de sedução do cantor é óbvia. E ainda mais óbvia se torna quando se lê o texto na íntegra e o humor  com que toda a situação é relatada.
Então, a cantora, que «de forma divertida, refreou as intenções do cantor» que tentava, em cima do palco, beijá-la, afirma: «Ele é muito atrevido! Pensamos que ele é um galã charmoso, um senhor com quase 70 anos que respeitamos, mas ele acha que é novíssimo. Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar desta situação de uma forma elegante? (risos). Mas foi giríssimo. Toda a gente se riu imenso e eu também. Até havia umas senhoras que diziam: "Não se ria, deixe, deixe."» 

Todo o teor do artigo é deplorável. Pelo depoimento da cantora que, aparentemente, desvaloriza uma situação de assédio desta natureza, pelo facto de ter acontecido em palco para gáudio das espetadoras que ainda consideraram um exagero a cantora não se deixar agarrar e beijar, pelo facto de considerar que era importante escapar de forma «elegante» às mãozinhas do porcalhão. A inconsciência da jovem está não só patente nas afirmações que reproduzi acima, mas também porque continua a achar que «foi uma honra enorme abrir o concerto dele» e que se trata de «um homem inteligentíssimo». Não surpreende que a cantora não identifique a situação com o que realmente é: assédio, abuso de poder, comportamento machista que deve ser violentamente repudiado e nunca normalizado. Não ficaria surpreendida se questionada com a possibilidade de alguma vez ter sido vítima de comportamentos machistas a cantora responda candidamente que não. Muitas mulheres não têm verdadeiramente consciência de situações que são, de facto, abusivas. E por norma, também respondem que não são feministas, são femininas. Mas o problema não fica por aqui, ou seja, pela total falta de consciência relativamente ao abuso.
Mais grave que as declarações da cantora é o tom do artigo (sem qualquer referência à sua autoria, já que só se identifica os autores das fotografias que o ilustram), que é verdadeiramente vergonhoso. Uma revista para mulheres redige este artigo desvalorizando por completo a noção de que estamos perante uma situação abusiva, chamando de sedução e charme o que não passa de machismo vil, comportamento absolutamente reprovável. Uma revista cujo público alvo são as mulheres continua a passar a mensagem de que é normal, risível, castiço até, que alguns homens tenham comportamentos destes. São charmosos. Sedutores. Másculos. 
Quanto a elas? Quanto às leitoras?É suportá-los com elegância. E palmas, claro.
Palminhas.


2 comentários:

Ceridwen disse...

Não foi só a Lux Woman. Também aqui:
http://www.hardmusica.pt/noticia_detalhe.php?cd_noticia=16670

«Cuca Roseta, foi também chamada ao palco para um dueto com Júlio Iglésias, no tema “Bésame mucho”, que correu muitíssimo bem, sendo interessante ver o espanhol espalhar o seu charme perante a fadista que de forma muito bem disposta refreou os intentos do artista espanhol.»

Basicamente, na cabeça das/aos antropólogas/os da comunicação social cada um fez o seu papel. Ele o de macho que conquista e ela o de uma fêmea que contraria (porque esse também é o papel das fêmeas) a conquista (mantendo sempre a elegância e a boa disposição: nada de histerismos, hein!)
A Lux apenas reconfigurou uma situação de assédio num momento de inolvidável sedução. Para muitas cabeças a linha que separa assédio de sedução é intermitente: quando as feministas quiseram juntar as ameaças verbais e psicológicas às físicas para efeitos de violação, o editor da Commentary (Norman Podhretz) afirmou que isso seria «confundir violação com o que no passado era universalmente conhecido por sedução.»

Obviamente, ameaçar alguém com despedimento, ou com um mal futuro é, obviamente, o que me ocorre em primeiro lugar quando penso no que me seduz: como é que alguém se atreve a questionar isso?

Ceridwen disse...

Esqueci-me:

Acima de tudo: respeitinho, que é de um idoso que estamos a falar.