«Dias de lixo, para não usar uma expressão mais forte, porque é o que eles são.
Dias em que o que é preciso fazer ganha uma urgência enorme, dias e que todos os que podiam fazer alguma coisa se obstinam em fazer exatamente o contrário do que deviam, perante a indignação, a impotência, o desespero dos cidadãos. Dias em que já nem sequer se pode falar de irresponsabilidade, mas de perversidade, de meia dúzia de pessoas que obedece aos piores instintos da sua vaidade (...).»
José Pacheco Pereira (2013). Crónicas dos Dias do Lixo. Lisboa: Temas e Debates, p. 19.
(Caravaggio)
Nuno Crato, o professor, escritor e comentador sobre educação, defensor do rigor e responsabilidade, foi hoje traído por Nuno Crato, ministro da Educação do Executivo em funções.
Tenho a impressão que Nuno Crato, o professor, escritor e comentador, ficaria escandalizado com o que se passou hoje em Portugal.
Já ao ministro Crato, não choca que alguns dos exames feitos hoje não tenham sido realizados nas condições consideradas fundamentais para que se evite as fraudes e, portanto, fonte de desigualdade e injustiça. É que o problema não está só no facto dos alunos realizarem exames diferentes; o grande problema está no facto de se terem realizado exames em que o número de alunos excedeu o número permitido (20) e que, por isso, dois professores vigilantes não consigam assegurar cabalmente a inexistência de fraude. Está também no facto de que em algumas escolas, as condições em que os exames aconteceram em algumas salas (manifestações de outros alunos, invasão de salas, atrasos significativos na entrega, etc.) não serem, de todo, ideais para a sua realização, tendo os alunos manifestado desconforto pela forma como o tiveram de realizar.
Ao ministro Crato, não faz espécie que as normas do Júri Nacional de Exames, sempre tão rigorosamente fiscalizadas em outros tempos, fossem hoje publicamente relegadas para segundo plano como se de meras recomendações se tratassem.
Não foi só a garantia de equidade nos exames que hoje ficou seriamente comprometida: a seriedade do Júri Nacional de Exames, dos Secretariados de Exames - e principalmente - do Ministério da Educação, ficaram hoje, irremediavelmente feridas de morte.
Certamente que o professor Crato escreveria um tratado sobre isto, expressando as suas «fundamentadas preocupações filosóficas»*, armado da sua «vasta cultura científica»* e «experiência de docência em vários países»* sobre tudo o que hoje se passou. Mas ao ministro Crato cabem agora outros compromissos que passam por motivações menos elevadas do que as enunciadas.
Toda a atuação do ministro Crato, nos últimos dias, é centrada na vontade cega de vencer, mesmo que para isso tenha que manipular o seu auditório: os cidadãos deste País. Hoje, o ministro Crato apostou principalmente nos ouvidos «ingénuos ou pouco sofisticados»* de quem não conhece os procedimentos para declarar que os exames decorreriam com total normalidade e depois para afirmar que 70% dos alunos o fizeram. Nada sobressalta a consciência deste ministério.
Por último, será também importante reter que, segundo as declarações do ministro Crato, os bons professores - os responsáveis - são tão somente aqueles que responderam ao seu autoritarismo (a convocatória de todos os docentes num dia de greve não pode ser resultado de outra coisa) com a comparência ao serviço em dia de greve. Eis, pois, a definição de bom professor para o Ministro Crato. Mas o professor Crato poderia relembrar ao ministro que os (bons) professores sabem há muito o que o Ministério quer que eles esqueçam (adaptação livre da última frase do livro do professor Crato que empresta o título a este post).
São, efetivamente, «dias de lixo» os que vivemos.
*Expressões retiradas da contracapa da obra do professor Crato que empresta título a este post.
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