quarta-feira, 29 de junho de 2011

A Disciplina Amansada 2

Têm sido tempos aparentemente mansos, os que medeiam este post e estes outros, escritos há tanto tempo. Mas esta mansidão esconde um turbilhão latente, contido por estratégias mais comedidas face às resistências que aqui e ali surgiram (e que culminou com a suspensão do exame nacional - uma espécie de agora ninguém brinca). 
A verdade, é que a filosofia está cada vez mais amansada e temo que os próximos tempos revelem o trabalho ardiloso de quem apenas sussurra. Eficazmente. 

Esta semana, descobri nos escaparates das tabacarias uma revista sobre Filosofia (ignorância minha). Comprei-a por curiosidade e a primeira coisa que li foi a entrevista a Daniel Lins, que originou a repescagem dos posts acima lembrados. É que Lins, a determinada altura afirma (relativamente ao Brasil, mas que poderia perfeitamente ser em relação ao nosso País) que «a Filosofia, salvo exceções, é marcadamente teológica, com seu cortejo de 'padres', os novos padres 'ateus', comentadores atrelados à Filosofia do Estado (...)» e mais à frente continua «'Isto não é Filosofia', diz o filósofo do Estado. Pode-se até mesmo sorrir desses mestres da significação, mas são eles que nos altos arraiais da burocracia emperram o pensamento e instalam a sua representação:'Isto não é Filosofia, mas literatura.'», tendo como referência a obra de Nietszche - entre outros -  por oposição ao modelo de conhecimento defendido pelas teorias ontológicas  (e analíticas, acrescento eu). E percebo como a minha análise na altura foi ingénua, que julgava tratar-se de uma seita. Mas Lins tem razão: é, cada vez mais, a Filosofia do Estado. 

*Pormenor de O Grito, de Edvard Munch

5 comentários:

António Conceição disse...

Nietszche, efectivamente, é um poeta, não é um filósofo. Mas a Filosofia do Estado é uma coisa séria. Não é isso que se faz nos gabinetes dos assessores de imprensa dos ministros.

NYX(des)VELADA disse...

Woman Once a Bird,
permita-me endereçar-lhe "uma" palavra de solidariedade e, no mesmo lance, de desespero. Uma "solidariedade solidária" (e ouça, se possível, uma certa relutância em recorrer à expressão precedente) face à redução (proveniente do pensamento de Desidério Murcho) "da" crítica a um "exercício filológico". Lamento a má importação de uma certa Escola de Frankfurt (no que diz respeito à crítica) que teve, primeiramente, o desejo de denunciar "abusos de poder", e ainda, a confusão de Desidério Murcho entre filosofia crítica (kantiana) vs. critério de verdade. Repare-se que a enunciação «de per se» «Acha que as pessoas que estudam Heidegger e Derrida deviam ser proibidas de o fazer? Pensa que o estudo destes autores devia ser banido das universidades, como aconteceu à Alquimia?» culmina, como sempre, na indução de uma certa agressão ao pensamento, que não mais não diz do que um «argumentum ad hominem», traduzindo, pois, a «independência incondicional» de que nos "fala" – Derrida: A Universidade sem condição. De novo, "solidariamente solidária", ao citar: «a Filosofia, salvo exceções, é marcadamente teológica, com seu cortejo de 'padres', os novos padres 'ateus', comentadores atrelados à Filosofia do Estado (...)». Será que é preciso desenhar uma tabela (e confesso que penso nisso muitas vezes - num certo estilo de redução ao absurdo) com as várias "descrições" de «laicidade», reenviando-a, desde logo para os departamentos de filosofia e, em simultâneo, para a Assembleia da República?!

(...)

*Quanto a Nietszche: Eco virá*
Atenciosamete, Nyx.

ECO(in)SONORO disse...

Caro Funes,
Na primeira vez que me endereço a si, permito-me fazê-lo, citando:

“É preciso, antes de mais nada, ouvir correctamente o som que sai desta boca, som alciónico, para não ofender desditosamente o sentido da sua sabedoria. «As palavras mais secretas é que suscitam a tempestade; os pensamentos que chegam com passo de pomba dirigem o mundo».” (Nietzsche, Ecce Homo)

E começo dizendo-lhe: «é preciso» (re)pensar os limites que pensam/pesam o próprio «acto da escrita»… Afinal, que legitimidade é essa, de que “a filosofia” tão pomposamente se adorna, colocando-se no alto de um púlpito que lhe permite discernir o que é e o que não é filosofia? Quem poderá, (com)prometendo-se enquanto “filósofo/a”, retirar-se do campo de uma certa literatura ? (Estará o «pensamento» assim tão distante do «poema»?)

Acredito, «de coração», que «é preciso» (re)pensar esses limites, (re)pensando também com eles «a» filosofia e «a» literatura, para que não mais se caia na padronização asfixiante de um “Nietszche, efectivamente, é um poeta, não é um filósofo.”…

Atenciosamente,
Eco.

Anónimo disse...

ouve lá o patega, tu queres nos convencer que na madeira se vendem revistas de filosofia???? daaahhh....

Woman Once a Bird disse...

Caríssima/o NYX (des)VELADA: muito obrigada pelo seu belíssimo comentário. Há muito que temo pelo perigo que nos ronda. Quanto a Eco, poupou-me o trabalho de responder a Funes (que mais poderia acrescentar?).