segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Desassossegos 3 - Crónica de uma gata (semi) sitiada

Caríssimos: Há muito que não vos presto contas de mim, mas o certo é que aguardei pacientemente que perguntásseis. Com o desenrolar dos tempos, passei por várias fases: primeiro, tédio, a aguardar as vossas solicitações. Depois, impacência, perante a vossa displicência em nem perguntar por mim. Finalmente, raiva. Odiei-vos, caros amigos, odiei-vos. A vós principalmente, Mr. Lekker, que ainda pensei que tivéssemos um relacionamento especial. A única coisa que sei é que nunca mais perguntou por mim nem por minhas dietas. Vigiei constantemente este pc, à espera de notícias. Nunca chegaram. Enfim, sou uma gata abandonada à sua sorte. O motivo por que os meus bigodes surgem novamente por cá é o seguinte: contar-vos as últimas do ranhoso, velho arqui-inimigo. É que, nos últimos tempos, a criatura revelou uma faceta surpreendente. Continua agressivo para comigo - que os rancores não lhe passam (nem a mim, nem a mim). Mas é um rancor mais desimportado. Com menos esperas e menos espuma no canto da boca. Com rosnares mais mansos. Tornou-se um estranho, o patifezinho. Quase simpático. Ignora-me, o bandido, como se eu fosse gata para ser ignorada (o recado também serve para vós). Até certo ponto, concedo que este quase abandono melhorou o meu dia-a-dia; já me atrevo a colocar as quatro patas no quintal e até, por vezes, a acompanhar orgulhosamente a apanha do correio - diverte-me provocar os idiotas de quatro patas que ladram (literalmente) à minha arrogante passagem. Na maior parte das vezes, o monstro dorme e não me dispensa meio minuto de atenção. Ergo a cauda e as orelhas e passeio-me olhando-o de soslaio, não vá o diabo (o próprio) tecê-las. A cena tem-se repetido invariavelmente e até é comentada nas redondezas. Primeiro, ignorei o desinteresse do velho iracundo. Pensei que se lhe passava a generosidade. Uma febre que rapidamente teria cura. Contudo, surpreendeu-me, o ignóbil. A gota de água deu-se quando percebi que a criatura ganhou ternura (confesso que até se me descaíram os bigodes - e admito que me acontece com alguma frequência), mas informava eu que o bicho feio ganhou ternura porque deu-lhe para ser Pai! Leram bem, caros ingratos (até fiz parágrafo para voz dar tempo a digerir a novidade). Pai! A criatura tomou a seu cargo dois ranhositos das redondezas que o seguem por todo o lado. E é vê-los, preguiçosamente a dormir debaixo do meu nariz - como quem diz, que em rigor dormem debaixo do carro da Woab. Amorosamente os três. Enconstados, deliciados com o sol, com ronronares suficientemente sonoros para despertar a atenção de quem circula. Inclusive apanhei os dois projectos de patifezinhos a afilar as unhas no corpanzil do velho doido, muito satisfeitos como se a criatura tivesse útero e os tivesse parido. Está tudo doido! Menos eu, está claro. PS - E vai sem fotografia, face à desconsideração de que tenho sido vítima.

6 comentários:

Anónimo disse...

És uma ingrata, minha cara! Pergunto sempre por ti!

A. disse...

Foto, foto, foto!
:)

Ceridwen disse...

Just lovely! As usual :)

Mr. Lekker disse...

Mea culpa, mea culpa. Mas fico contente em saber que tudo se resolveu a contento. Sabe que nós somos uns duros mas, no fundo no fundo, temos uns corações de manteiga...

Woman Once a Bird disse...

Mr Lekker:
Não o sabia de quatro. Nem de bigodes. Tão pouco, com feridas de guerras por causa de gatas mais oferecidas que moi! Surprise, surprise.

Woman Once a Bird disse...

Lueji, só com muito jeitinho lhe concedo a pelingra.

Nefertiti: o recado não era para si. Aliás, até tivemos muito recentemente uma conversa íntima, pelo que não a incluo no rol de ingratidões.