segunda-feira, 15 de julho de 2013

Amamentação - isto também é feminismo(s)

Eu e o meu companheiro tivemos um filho há quatro meses. Daí que este tema esteja na ordem do dia no que diz respeito à realidade dos nossos dias. E se sempre mantive os temas demasiadamente pessoais longe deste blog (pelo menos de forma tão explícita), abrirei exceção quanto a este tema.
Enquanto grávida, li muito do que havia para ler sobre o que me esperava, inclusive sobre amamentação. Conheci as recomendações da OMS, li muito sobre «conselheiras de amamentação», sobre o que funciona e não funciona, sobre o que se deve ou não fazer... 
Este é um post na ótica da utilizadora/provedora. Ou seja, ignora em absoluto a maior parte do que é conhecimento científico sobre amamentação e apenas partilha a minha experiência pessoal e as reflexões que tenho feito a partir da minha experiência.

1 - A amamentação não é fácil. Nem natural. 
Por muito que me dissessem isto durante a gravidez, nunca percebi bem o alcance destes avisos. De facto, nem o bebé sabe o que fazer nem é fácil e natural para quem amamenta. 
Para o bebé, a pega não é instintiva. Tem que ser dirigido e os compêndios explicam o que depois é muito difícil pôr em prática (até porque o bebé não os leu e também tem ele um papel fundamental no meio disto tudo).
Para quem amamenta, o processo é doloroso - muito doloroso.
E porque não se tem noção do que é consumido, e como o bebé tende a adormecer ao peito, nunca se tem a noção se está alimentado ou apenas vencido pelo cansaço. 

2 - Não existe mau leite. Mas existe pouca quantidade de leite - e não, o corpo feminino não é essa oitava maravilha que produz sempre tudo o que o bebé necessita, como se ouve e lê por aí. E a falta de leite não se resolve com o tradicional: ponha o bebé na mama. Apenas estamos a adiar o problema: o bebé continua com fome, choroso e a baixar perigosamente de peso. A mãe fica exausta, stressada, com os mamilos em sangue e com uma enorme vontade de fazer uma mastectomia. 

3 - As bombas extratoras de leite, os mamilos de silicone e toda a restante parafernália são, efetivamente, nossos amigos. Tudo o que promova a alimentação da criança e a manutenção da saúde da mãe é de louvar. Não é verdade que as bombas extratoras de leite macerem mais a mama que a boca do bebé e piorem a situação. Bem pelo contrário. 

4 - Não é verdade que as mulheres que amamentem e suplementem com leite adaptado, ou que simplesmente usem apenas leite adaptado o façam por preguiça (como tanto se lê e ouve). Só quem desconhece o processo de alimentação com leite adaptado pode considerar que é menos trabalhoso que a amamentação. 

5 - A amamentação não é um momento místico, em que ambos os envolvidos se sentem a flutuar com um processo de vinculação «extra-ordinário». A vinculação estabelece-se para além do ato de alimentar - e nesta equação, o biberão também é um veículo para a vinculação (ótima oportunidade para fomentar também o relacionamento pai-filho/a, avô/ó-neto/a, tio/a - sobrinho/a, etc.).

6 - A amamentação não torna as mulheres especiais (a maternidade também não, de resto). Ser mãe é diferente de ser pai, mas ser diferente não significa uma tábua de valores que eleve a maternidade a uma experiência sobre-humana . 

7 - Com o biberão certo, o bebé não corre o risco de recusar a mama. Esta é a minha experiência (optamos pelas tetinas da medela calm). Nada posso dizer sobre outras tetinas porque apenas usamos estas. Mas a verdade é que o nosso filho nunca recusou nem mama nem biberão. 

8 - Os bebés não precisam ser amamentados até aos 18 anos para serem saudáveis. Uma das razões porque nunca me dirigi a uma conselheira de amamentação é porque tenho lido muito do que escrevem por aí. E os fundamentalismos fazem-me sempre muita confusão. Quando se põe em causa, constantemente, o que é aconselhado pelos pediatras porque as «conselheiras» é que sabem... enfim, passo.

9 - Sabendo que o leite materno é precioso para, entre outras coisas, o sistema imunitário do bebé, importa não tornar a não amamentação como um crime perpetrado contra uma criança entregue a uma mãe negligente, preguiçosa e mal aconselhada 
(leio tanto isto por aí. Não tem leite? É porque foi mal aconselhada. Deixou de amamentar porque engravidou e não quis continuar a amamentar? É porque foi mal aconselhada. Incluiu suplemento porque o leite não era suficiente? É porque foi mal aconselhada).

 Esta insistência fundamentalista quanto à amamentação, a condenação das mulheres que optam por não o fazer, cheira-me também a tentativa de pôr as mulheres no seu devido lugar. Como sabemos, houve sempre tendência para tornar tudo o que diga respeito às mulheres como uma decisão coletiva em que elas tinham/têm sempre muito pouco a acrescentar. E isto de se acharem senhoras de si tem muito que se lhe diga...

5 comentários:

D.S. disse...

Gostei muito deste post. Ainda não sou mãe mas interesso-me moderadamente por estas coisas e já li muito fundamentalismo sobre a amamentação. Muitos dedos acusadores espetados contra mães que escolhem não amamentar ou amamentar durante pouco tempo. Criou-se muitos mitos à volta da maternidade, incluindo da amamentação justamente como dizes da ligação mística que se cria nesse momento entre mãe e filho. E a ligação entre pai e filho?
Enfim, é isso mesmo: amamentação também diz respeito ao feminismo.

Woman Once a Bird disse...

Ainda bem que gostaste, D.S.
Eu nunca fiz da maternidade um sonho. Durante muito tempo não o quis para mim (e não acho que todas as mulheres queiram ou tenham que querer ser mães) e só agora fez sentido. Foi um bebé planeado.
Dito isto, considero cada vez mais que a mística criada em torno da maternidade e da amamentação tem um objetivo muito específico: dar-lhes uma sensação de empoderamento que, na verdade, as mantém manietadas. Porque sentem-se mais responsáveis que os pais, porque se são insubstituíveis, então têm que ceder em outras dimensões da sua vida (profissional, por exemplo) a fim de corresponderem a esse privilégio que têm, que é o da maternidade. Por isso digo que isto também é feminismo. No outro dia lia num joornal que há um estudo que indica que os bebés alimentados exclusivamente a leite materno são mais inteligentes que os bebés alimentas a lm+ artificial ou só a leite artificial. Gostaria de ter acesso a este estudo para perceber como se chegou a estas conclusões, para perceber todas as variáveis em jogo. Enfim...

Pólo Norte disse...

Eu que luto há um ano pela liberdade da mulher escolher se a amamentação é uma solução que lhe cabe ou não, pelo direito à opção, não podia concordar mais com este texto...

Woman Once a Bird disse...

Eu sei Pólo Norte. Li os posts e caixas de comentários sobre o tema. Li o quanto foste atacada pela opção que tomaste. Como é hábito, há sempre uma tentativa desenfreada para impôr costumes...

Anónimo disse...

Bom Texto, muito útil mesmo, parabéns continua a postar com esta qualidade.