quinta-feira, 9 de abril de 2009

Rei morto, rei posto

Foi péssima, a experiência da última entrada numa sala de cinema. tão má, que não consegui balbuciar quase nada. Mas nada como tentar colmatar um travo amargo com um novo sabor.
Novamente sala de cinema, bisando a experiência na mesma semana. esta mais ampla e em estreia (por cá as estreias são usualmente old experiences).
Bom, mas lá fomos novamente, direitinhas à boca do lobo: quem viu a treta (rol do qual faço parte) e quem de mente limpa estava por não ter caído na cantiga do slumdog (eu avisei, eu avisei que não me parecia grande espiga).
Sessão da tarde, que é a melhor, sala meia vazia, como se gosta.

(Funes, a partir daqui a coisa complica)

Há uns anos atrás, havia um verdadeiro rol de actores pelos quais não dava um centavo. Charles Bronson, Jim Carey, um outro tipo que não me lembro o nome (mas que usava sempre o cabelo comprido e os músculos à mostra e que dizem que é criatura que adora todas as criaturas fora dos ecrãs) e Clint Eastwood. Jim Carey tolero apenas no fantástico Despertar da Mente; O Charles Bronson e o outro recalcado continuam no meu inferno (e sem um tostão). Clint Eastwood... bem, esse foi um dos tais que me fez morder a língua. Primeiro clandestinamente (assim a modos como o episódio do Saramago, mas pior, porque apresentava a desculpa de gostar dos filmes que realizava, mas que não o podia ver a ele enquanto actor). Com Mystic River esta desculpa funcionou na perfeição; já não colou aquando de Million Dollar Baby, altura em que me deixei de preconceitos (que é como quem diz, de tretas) e assumi que gosto do que o homem faz.

(pausa para fumar, que isto de rascunhar sobre o Eastwood e principalmente sobre Gran Torino deixa-me nervosa)

Não há nada que não tenha gostado neste filme. Desde a fotografia (que para mim é geralmente secundária) até ao texto, muito bem urdido e com tiradas geniais.
Eastwood está magistral. Fora de portas, um homem enorme, sem medo, com a postura corporal que tanto agradava a Leone. Um rosnador profissional, sempre pronto para ladrar ao mais próximo: familiar, padre ou vizinho. Portas dentro, um homem solitário; o melhor exemplo está na cena em que vemos um Eastwood mergulhado na banheira, a água a cobrir-lhe a fragilidade do corpo normalmente disfarçada pela rigidez das roupas que enverga. Um homem dos outros tempos, que mantém orgulhosamente a bandeira do seu País à porta de casa mas que se rende aos vizinhos vindos de longe.

É difícil escrever sobre este filme; sobre a violência que não nos entra gratuitamente pelos olhos dentro (como no caso de slumdog), mas que sustenta todo o enredo: poderia ser um revaldo perto de nós, gente que tenta desesperadamente combater o que lhes é destinado por força das circunstâncias. Não nos deixa ao largo como simples voyeurs, nem tão pouco apela à piedade (coitadinhos, coitadinhos, what's next?).
E a solidão. É que a solidão daquele velho homem pode ser perfeitamente nossa e os fantasmas afigurar-se-nos-ão parecidos.

Como chegar aos nossos? Como deixar que os nossos se cheguem até nós?


Do you belong
In your skin
Just Wondering

1 comentário:

Marta disse...

Grande post! Menina Bird! Até eu puxei do cigarro para te ler, nervosa e comovida!

O filme é genial. Todinho. De ponta a ponta. E a música...
Meu deus! Claro que tenho fé!
Em Clint Eastwood. Assim!


ps: só me converti a Jim Carey em Homem na Lua! De resto, não podia com ele, nem coberto de chocolate :)