Na adolescência passávamos lá as tardes. E as manhãs. Os primeiros cigarros fumados à mesa acompanhados por uma bica bem escura, bem adulta, atestava o que o BI não dizia: já éramos gente. Naquela altura, o nosso antro ao lado da escola, poiso de gente em falta: às aulas. A partir da soleira da porta manhosa, éramos todos maiores de dezasseis - e se não fossemos fingiamos ser.
Um horrível buraco.
Por ali, a partir daquela entrada que já não existe, acediamos à caverna, onde as bicas e os finos e o ambiente enevoado lembravam de certo modo a outra, sem que ainda dela tivéssemos conhecimento. Ali fizemos amigos/as e desfizemos outros/as, construímos amores e desamores, edificamos planos para o outro dia, para o ano seguinte, para os dez anos a contar a partir dali.
Projectamos um álbum da Ilha, para levar na bagagem quando partíssemos em busca ainda não sabíamos bem de quê. Juramos amizade eterna, rivalidades desmesuradas, amores infinitos. Poucos se mantiveram, a maior parte sombras, cópias das cópias.
Um lúgubre buraco.
Catorze anos a partir dali e já não existe. Já não existia há algum tempo, substituído por um sensaborão café de maçã e canela, como todos os sítios aborrecidamente saudáveis que vão substituíndo os espaços menos polidos. Mas hoje, nada. Nada jaz, a não ser a escavadora que domina o espaço onde aquele café manhoso existiu. É um pedaço de nós - mais um - que parte.
Um miserável buraco.
Um horrível buraco.
Por ali, a partir daquela entrada que já não existe, acediamos à caverna, onde as bicas e os finos e o ambiente enevoado lembravam de certo modo a outra, sem que ainda dela tivéssemos conhecimento. Ali fizemos amigos/as e desfizemos outros/as, construímos amores e desamores, edificamos planos para o outro dia, para o ano seguinte, para os dez anos a contar a partir dali.
Projectamos um álbum da Ilha, para levar na bagagem quando partíssemos em busca ainda não sabíamos bem de quê. Juramos amizade eterna, rivalidades desmesuradas, amores infinitos. Poucos se mantiveram, a maior parte sombras, cópias das cópias.
Um lúgubre buraco.
Catorze anos a partir dali e já não existe. Já não existia há algum tempo, substituído por um sensaborão café de maçã e canela, como todos os sítios aborrecidamente saudáveis que vão substituíndo os espaços menos polidos. Mas hoje, nada. Nada jaz, a não ser a escavadora que domina o espaço onde aquele café manhoso existiu. É um pedaço de nós - mais um - que parte.
Um miserável buraco.
2 comentários:
gostei tanto tudo!
Foi tendo como ambiente esse lúgubre buraco que ele chamou à memória a imagem do futuro.
Foram ali antecipados os beijos ávidos das paixões, a vida por vir, como se a quisesse beber toda, às golfadas. Ali descobriu a urgência com que a queria engolir, senti-la dentro da sua pele, a correr no seu sangue, como se o mundo fosse acabar.
Julgava, então, que o futuro traria delírios oníricos, aromas inusitados. Encontrou e viveu as mais belas sinfonias, os mais ardentes sabores, as mais sublimes visões. Foi ali que despertaram verdadeiramente as vozes do seu corpo, que sentiu o fragor da paixão, o apelo irresistível do desejo. Entre consecutivas baforadas de LM e cafés engolidos de supetão, já frios, sonhou com melífluos lábios, que acreditava saberem a cereja e a sal, carnudos como goiabas, de sabor gentil a araçál. Essa foi a caverna que o libertou, verdadeiramente, da infância.
Partilhou sonhos e acreditava ser suficientemente forte para mudar o mundo. Construamos, nós próprios, um outro melhor.
As faltas não aconteciam por não se ir à escola. A aula de latim era pouco importante, os debates de Filosofia demasiado limitadores. Faltavam quando pouco antes das oito não se anunciavam, em entrada triunfante, naquele que era o verdadeiro espaço de aprendizagem.
E se o futuro destruiu muitas das cumplicidades que ali foram geradas, a verdade é que algumas se perpetuam.
Olha-se e vê que apesar da distância que o separa daquilo que sonhava ser, não é, todavia, outra coisa qualquer. Seria possível antecipar isto? Será o presente tão diferente do futuro que desejou?
Sim, o buraco era negro. Mas os sonhos, as ilusões, os sentimentos e os sorrisos - os sorrisos, minha amiga! - iluminavam todo aquele espaço.
E é por esta história que concordo contigo. Não quero chá, nem bolo de leite, nem luminosidade, nem ambiente asséptico, nem vida saudável. Prefiro antes a escuridão que nos protegia do mundo, os cigarros fumados com urgência, enevoando o espaço pouco higiénico e as bicas curtas. Servidas ainda antes sequer de dizer bom dia!
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