quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Há quem, como eu, prefira estar quieto

"Entusiasmo-me com a beleza das paisagens, que valem como as pessoas, e tive já uma grande curiosidade pelos tipos rácicos, pelos costumes, e pela diferença de mentalidade do povo de região para região. (...) Porém não sou etnólogo, nem folclorista, nem estudioso de nenhum desses aspectos e logo me desinteresso. Seja pelo que for, não gosto de viajar. Já pensei em pedir demissão. Mas é difícil arranjar outro emprego equivalente a este nos vencimentos. (...)
Acordar todas essas trinta manhãs no meu quarto! Ver durante trinta dias seguidos a mesma rua! Ir ao mesmo café, encontrar as mesmas pessoas!... Se soubessem como é bom! Como dá uma calma interior e como as ideias adquirem continuidade e nitidez! Para pensar é preciso estar quieto. Talvez depois também cansasse, mas a Natureza exige certa monotonia. As árvores não podem mexer-se. E os animais só por necessidade física, de alimento ou de clima, devem sair da sua região. Acerca disso tenho ideias claras e uma experiência definitiva. (...)"

in O Barão, Branquinho da Fonseca

4 comentários:

António Conceição disse...

Parabéns Nefertiti,

Branquinho da Fonseca é seguramente um dos quatro ou cinco melhores escritores portugueses do século XX. Incompreensivelmente, anda esquecido.
Além do mais, pouca gente fez tanto pela cultura em Portugal como António José Branquinho da Fonseca.
Obrigado.

Táxi Pluvioso disse...

Viajar só no Google Earth...

Mr. Lekker disse...

Eppur si muove.

Anónimo disse...

Foi uma descoberta recente e ao acaso. Gosto muito da escrita deste autor: simples e "lapidada".

Pur, mr. lekker:
Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente,
Por a alma não ter raízes
De viver de ver somente!

Não pertencer nem a mim!
Ir em frente, ir a seguir
A ausência de ter um fim,
E da ânsia de o conseguir!

Viajar assim é viagem.
Mas faço-o sem ter de meu
Mais que o sonho da passagem.
O resto é só terra e céu.

F. Pessoa