terça-feira, 11 de março de 2008

O admirável mundo da bola

As equipas eram feitas à pressão e segundo o grau da amizade que tínhamos uns pelos outros. Eu, por exemplo, ficava sempre na equipa do meu irmão e das minhas primas. As balizas eram duas pedras paralelamente alinhadas e a distância entre elas era incerta, dependia sempre do número de jogadores e do critério de quem organizava o jogo, ou de um entendimento unânime. O campo era a rua alongada e pouco larga. Não existia meio campo. As linhas laterais eram os muros das casas. Estávamos equipados com aquilo que calhava: saias, chinelos, sapatilhas, calças, etc. As cores das camisolas eram ignoradas, nós reconhecíamos facilmente quem eram os “nossos”. Aliás, as cores eram muitas, só que se misturavam. Depois de criarmos as condições necessárias, iniciávamos então o jogo propriamente dito e com “tudo ao molho e fé” na pontaria. Os penaltys eram marcados conforme a sensibilidade do lesado; por norma, eram assinalados e, quando calhava, marcados assim: “já não brinco mais”; “levas um murro”; “vou dizer à minha mãe; “levas uma canelada” e de muitas mais maneiras que já não me lembro. Estes ditos e feitos eram sempre acompanhados por impropérios que não vale a pena referir. Enquanto jogávamos, havia sempre alguém mais (pseudo) entendido no assunto que relatava o jogo, e que resultava mais ou menos assim: Chalana passa a bola para o Pelé, Pelé perde a bola, e é o Eusébio, o Pantera, o Maior, o Admirável que tem a bola, finta Maradona, finta Cadete, finta Rui Águas, finta outro e mais outro e é… GOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOLO! Nem todos os golos eram consensuais, as dúvidas e as polémicas podiam surgir a qualquer momento. Discutia-se então: “foi ou não foi com a mão”, “a bola passou ou não passou por trás da pedra”, “as pedras estavam ou não estavam no lugar inicial”. Enfim, eram sempre momentos de profundos e, por vezes, conflituosos debates. O jogo lá aí prosseguindo, mas com muitas baixas. Os jogadores iam desistindo à medida que as mães chamavam ou à medida que aquele jogo se tornava cada vez mais competitivo e selectivo. Por fim, só ficavam os “loucos da bola”. Restavam sempre pouco mais do que três ou quatro jogadores.

14 comentários:

Unknown disse...

Eu era o maior! O mais velho, as bolas eram sempre as minhas e o campo era no meu prédio. Além disso eu é que tinha computador, por isso se quisessem jogar depois tinham que ceder.
Durou pouco tempo a festa. A adolescência destruiu todo o meu Reino.

Anónimo disse...

Sois jovem, meu caro, no meu tempo não se falava em computares. E, depois, eu vivia numa aldeia da Beira Interior.

Unknown disse...

Bem, eu joguei à bola na rua até aos 14. Nessa altura já tinha computador e um video-jogo. Era o maior, lá está!

Ceridwen disse...

Adorei este texto!

Unknown disse...

Aqui há computadores desde 1910.

Woman Once a Bird disse...

Aqui, onde?

Woman Once a Bird disse...

Eras uma das resistentes? ;)

António Conceição disse...

Vamos lá a ver, isto foi há quanto tempo?
É que importa averiguar se decorreram já os prazos de prescrição penal, porque cá para mim cheira-me que havia nestes jogos muita corrupção.
Será que não se justifica aqui a abertura de um inquérito ao "apito nefertitiano"?

Anónimo disse...

Não, não se justifica porque não existe árbitros neste jogo.

Woman, achas? Eu ficava sempre à baliza.

Anónimo disse...

Acho giro ser uma miuda a relatar esta experiência.
Penso que exactamente isto que aqui tão bem descreve faz parte do imaginário de rapaziada, de todos nós.
Mas imaginei que seria uma experiência recordada apenas por homens.
Já agora, também brincou aos indios e aos cowbois ? e roubar fruta nas noites de verão ?
e quedas de bicicleta ?
Que maravilha!

Anónimo disse...

Tudo isso! As férias do Verão eram enormes e a criançada era muito feliz e criativa. Só tenho boas lembranças.

Eu ainda sou do tempo ; ) em que os desenhos animados eram apresentados pelo queridíssimo Vasco Granja : ))! Eu adorava-o!

Anónimo disse...

A ele (Vasco Granja) nada a apontar. De fugir os belos desenhos animados do desenhador checo Petr Yacov...

Anónimo disse...

A ele (Vasco Granja) nada a apontar. De fugir os belos desenhos animados do desenhador checo Petr Yacov...

Marta disse...

E ver o programa todo, as secas (para aquela idade) dos desenhos animados dos países de leste, à espera que desse o Tex Avery.

Já agora eu era avançado (note-se a utilização do masculino), do tipo "sai da frente que atrás vem gente".

Sim as raparigas também brincavam ao índios e aos cowboys, aos polícias e ladrões, ao berlinde e quanto à fruta não fui eu que tirei. Os meus joelhos provam que estava muito longe do local espalhada no chão com a bicicleta em cima.