Na sua crónica semanal, Anselmo Borges chama a nossa atenção para a posição de Georges Minois que considera que o ateísmo coerente seria o ateísmo silencioso, ou seja, o ateísmo que não elege Deus como uma questão, ou sequer possibilidade. Curiosa, esta crónica, numa semana em que se pode ler por aí o fruto de uma pretensa discussão racional sobre a questão.
Desagrada-me o discurso ateísta militante. Não porque não concorde com muito do conteúdo, mas repudio a forma. Não compreendo como a bandeira da racionalidade pode estar impregnada de falácias corriqueiras. Confunde-se má educação com argumentação racional, na medida em que se rotula toda e qualquer outra perspectiva como sendo fruto de quem não sabe pensar.
A fé comporta um legado positivo, a par de todas as aberrações que propiciou e propicia. Tal como a tão aclamada e nebulosa "racionalidade", de resto. Do mesmo modo, muitos posicionamentos ateístas são perfeitamente lúcidos e conscientes de que um diálogo não deve permitir o insulto rasteiro.
Não me considero ateia, nem tão pouco crente. Provavelmente o meu não posicionamento na matéria permite-me uma certa complacência com ambas as partes. Não considero que uma posição moderada de uma crença em Deus diminua de algum modo o crente, até porque entramos na esfera (que deve ser) privada. O que não suporto mesmo são atitudes dogmáticas de parte a parte; o que não suporto são os pretensos códigos de conduta de como cada um deve pautar as suas vivências (religiosas ou não). O fundamentalismo não é apenas religioso. Afirmá-lo é de uma profunda e perigosa ingenuidade. Ou desonestidade intelectual.
Tal como o conceito de Deus, o conceito de Razão possui múltiplos sentidos, pelo que nem sempre é empregue de modo razoável ou saudável. O segundo, pretensamente mais seguro e fiável, pode ser tão tóxico quanto o primeiro. Venha o diabo e escolha.
10 comentários:
excelente post. eu confesso que sou fundamentalista com os fundamentalista. não os suporto! fugo a sete pés! :))
digo fundamentalistas
Adorei a do "venha o diabo e escolha", brilhante! Deus ainda tem hipóteses, pois é difícil não sentir um certo fascínio pelo mistério da perfeição do mundo, mas o diabo está mesmo out.
Não partilhando os mesmos posicionamentos de fundo, devo dizer que este é um excelente post.
Também li a crónica de Anselmo Borges, que foi meu professor no secundário, imagina.
E gostei, como sempre. É um pensador brilhante. Dos nossos melhores.
Isabela, coincidentemente também fui sua aluna. Só que na faculdade. Uma cadeira interessantíssima (Antropologia Filosófica). Ficou-me o gosto. ;)
Gostei do post. Quanto às crónicas do Anselmo, há muito que as deixei de ler. Grande parte delas são patetices absolutas (nada coincidentes com o Anselmo). Não parece ter sido o caso.
Sabes que ele corre o risco de ser posto a andar da Faculdade muito em breve?
Bjs
Essa generalização é perigosa, Sancho.
Quanto à saída da faculdade, não fazia ideia. Pormenores para o mail? Bj
eu sou ateia mas invejo os crentes...
Gostei bastante de ler. Muito mesmo.
Obrigada.
Enviar um comentário