domingo, 9 de abril de 2006

O estranho caso do fato de treino de domingo à tarde


Durante toda a semana, gerem o seu universo a partir dos saltos que escondem a unhaca pintadinha de vermelho na manicure. O cabelo, impecavelmente esticado, não dispensa a madeixa loura. Unhas de gel do tamanho de um dedo, com estrelas, rosas e buracos com argolinhas enfiadas.Calcita de ganga dois números abaixo e com a cintura bem baixa; aquando da compra, o teste não falhou (levantar o papel imaginário do chão): se não aparece metade do rego, não se compra. Pede-se outro modelo. Assim sim, com o estômago a transbordar, a funcionar como um folho de pele que ornamenta a cintura da calça. Como blusa, tudo vale, desde que o decote seja generoso e não reste muito à imaginação. Porque gaja que é gaja deve parecer saidinha de uma linha de montagem. Durante toda a semana, equilibram-se no fio do stiletto (sem vara, sem vara).
Domingo, estão off. Dia santo, folga no cargo de mulher fatal. Ténis nos pés, fato de treino baratucho (de preferência da cor do clube do nobre e valente esposo), "soutien de armação" e madeixas escondidas num rabo de cavalo esculpido à pressa. Da semana, restam apenas as unhas.
Alegremente em bando, acompanham os seus mais que tudo que, munidos do calçanito domingueiro e da peúga branca, vão para o campo mais próximo resfolegar as mágoas de gajo de secretária. E toca a fingir que estão interessados na bola, enquanto as devotas estão sentadas no banco ou no café mais próximo, a babar perante os impropérios que eles vão desferindo à falta de jeito no pé. É de macho escarreirar de um lado para o outro, cuspir para o chão e urrar nas tardes de domingo e é de fêmea berrar, bater palmas e fazer a dança de acasalamento, tudo pelo seu pavão. Sempre em grupo, claro (que as figuras infelizes não se fazem individualmente - pelo menos não em público, a olho nú).
Que faz correr, perdão, urrar a gaja? Que campainha mental despertou o salivar compulsivo que faz a gaja adoptar o programa do seu cavaleiro de t'shirt? Uma correspondência no interesse? o condicionamento neste caso não sofre o processo de extinção. É que mesmo sem o reforço do estímulo (eu interesso-me pelos teus hobbys e tu pelos meus), continuam as crentes, domingo após domingo, a salivar abundantemente à espera que o parolo que saiu de casa não seja o mesmo que regressa... ou seja, que se tenha transformado num parolo mais interessado. Mas não. A única transformação ocorre no cheiro pestilento dos ténis, das peúgas, do calção e da t'shirt que ele deixa no chão do quarto, apesar dos berros dela para que coloque tudo no cesto da roupa suja.
Após um dia inteiro a berrar, domingo à noite, a única diferença é que a gaja está rouca.
E o parolo ainda lhe diz que acha sexy.
Querida R, depois diz-me se corresponde às gajas do clube recreativo...

14 comentários:

Anónimo disse...

Nem mais! Eram desta natureza as gajas do clube recreativo.A berrarem e a rirem da minha túnica Made in Nepal.Depois passou-me...sobra-lhes as peúgas, o parolo do gajo e, quiça, hoje almoçam o resto do jantar religiosamente guardado no...no... taparoé.
Bjs

Anónimo disse...

olha. um excelente post. mui bueno mesmo.
queria comentar inteligentemente mas olha, acho que não vale a pena. já me fizeste rir hoje, estou contente. ai estou estou.

gaja disse...

Mas que bem que esteve WOAB!!! que bem que maneja a tesoura!

rps disse...

Miss WOAB no seu melhor.

Dirim disse...

sem dúvida, rps, sem dúvida :)

Nefertiti disse...

Ironia... vais ao pormenor! Gostei muito.

lp@wonderland disse...

Ia jurar que também as conheço... ;)

dama disse...

Não conheço a realidade. Mas o texto está excelente.

Nefertiti disse...

Obrigada e volta sempre ao nosso canto!

Raimundo disse...

Não sei que dizer... pois que jogo à bola aos domingos porque me falta o tempo aos dias de semana... e que também urro - embora, devido à minha inépcia com uma bola nos pés, não tenha muitas oportunidades para o fazer. E... e que deixo as meias espalhadas pela casa... e cuspo para... humm... o chão e... bem... até me envergonha admitir mas... quer dizer... acho sexy uma voz rouca... feminina, claro... e... (suspiro)... raios... talvez seja mesmo um parolo. Agora que penso melhor, isso explica o porquê de continuar a vestir as t-shirts justinhas do exército.

Maldita sejas mulher, que m'acordaste a consciência.

greentea disse...

espectacular esta história - não me integro no grupo mas é assim, oiço e vejo a minha volta...
conheço uma que mal se pode mexer e é ela que vai comprar os bilhetes para o mais que tudo ir para a bola...
Que show! gosto da unhaca pintada e da roupa espalhada pelo quarto que eles (claro) nãp põe no cesto .
E da rouquidão!
Beijos para ti. Sem catarro

Woman Once a Bird disse...

Serviço público, Raimundo, serviço público...

Xor Z disse...

Tenho a impressão que já vi isso tipo de fauna.

Xor Z disse...

Queria dizer, esse tipo de fauna.