terça-feira, 18 de abril de 2006

Não me esqueço de Ti


"Em cada Tu, nós invocamos o Tu eterno." (M. Buber)



Nos últimos dias tenho acompanhado uma polémica acesa em alguns blogues; a proposta da Rua da Judiaria acendeu uma diversidade de comentários e posts que, por aqui e por ali, podem muito bem ilustrar o País (e o mundo) que temos.
A hipótese de quatro mil velas avivarem a memória de um massacre ocorrido em Lisboa parece incomodar, como se o passado só fizesse sentido quando dizemos que fomos grandes, que desbravamos mundos (e, já agora, povos, porque o belicismo português não se ficou pelas ruas de Lisboa, nem teve por alvo só os Cristãos Novos). E se tudo parece muito lá para trás (500 anos justificam a cegueira, a tentativa de esquecimento, o desviar do olho e da consciência), certo é que um apelo destes despertou a verborreia discriminatória aqui e ali. Exigem-se explicações e isenções (Ah, se o apelo tivesse surgido num blog não judaico a iniciativa não estaria tão comprometida).
Fundamentalmente, choca-me que, depois de Auschwitz, se escreva com tanto desprezo pelo Outro. A responsabilidade é, por excelência, condição de resposta, de relação. Fugir a isto é fugir de si mesmo; fugir à relação é fugir ao diálogo com o outro. E por isso confunde-me que se pergunte (ingenuamente??) em nome de quem é feito o apelo (a chamada ao diálogo, à relação) : o apelo é feito em nome de todos nós. Da humanidade. Porque esquecer a história, recusar o passado é aniquilar a possibilidade do humano.
(Pintura de Magritte)

11 comentários:

rps disse...

Para esse tipo de peditório já dei. Já dei que chegue para o holocausto nazi e para todos os massacres de judeus.
Nada tenho a ver com anti-semitismo. Não estou nem aí, nessa dialéctica semitismo/anti-semitismo. O que se passa é que eu, sobre isso tudo, já sei o que se passou, acho chocante, acho que não pode repetir-se e indignar-me-ei sempre que qualquer coisa semelhante ocorrer. Tenho dito. E agora, por favor, não andem a lembrar-me isso todos os dias. Não que me incomode a consciência - nada fiz por isso, nem carrego culpas que não são minhas. Só não quero estar a ser incomodado com insistência com a mesma coisa!

Não sei se os judeus foram o povo mais massacrado da História - acho, até, que medir e comparar horrores é de algum mau gosto (*). Mas não tenho dúvidas de que nunca nenhum povo rentabilizou tanto os males que afectaram os seus antepassados.

A iniciativa das velas pelos judeus massacrados em Lisboa no século 16 não me perturba nada. Só que não me motiva um pingo de adesão. Acho-a um disparate.

(*) uma vez, nos anos 80, alguém numa qualquer sessão da ONU, chamou a atenção para a situação de Timor-Leste, e afirmou que nesse território ocorria uma tragédia de dimensões superiores à do holocausto nazi.
O que foste dizer: multiplicaram-se os protestos e as indiganações de organizações de judeus porque a tragédia deles é que era a maior de todas.
É para isto que já não pachorra...

Woman Once a Bird disse...

Não leio a iniciativa dessa forma. Apenas considero que as páginas negras não devem ser esquecidas (como a escravatura, como o holocausto - que não diz respeito apenas aus judeus, como Timor Leste, como os horrores da ex-jugoslávia, etc. etc.etc. Importa é não esquecer e não minimizar. Porque da perda de memória (re)nasce o horror. E contra isto, tenho sempre toda a pachorra do mundo.

Anónimo disse...

A propósito do tema, li algures qualquer coisa do género: a memória não ressuscita os mortos. Não se trata aqui de ressuscitar ou desculpar ou ainda de ter ou não pachorra.Tb não me parece que a questão de fundo seja a medida da tragédia.
Em Portugal, país pequeno, muito pequenino, não há "nós";não há "espaço anónimo" de discussão, não se discutem ideias...por isso, perguntam «em nome de quem é feito o apelo».
Roubo as palavras a José Gil, observo-as, fazendo-as minhas: a morte, acontecimento irremediavelmente trágico, deve inscrever-se na vida para que esta se torne possível e faça sentido para os vivos.
WOB disse-o de forma clara :Não podemos continuar a ser os mesmos depois de Auschwitz.

Woman Once a Bird disse...

Errata: AOS Judeus.

Anónimo disse...

Acho que estas iniciativas são sempre louváveis! Nem que seja para recontar a nossa história às gerações mais jovens, e mostrar-lhes posicionamentos... na história não houve só conquistas!!!(nefertiti)

Anónimo disse...

Adorei a imagem!!(idem)

Anónimo disse...

hmmm. quanto ao tema prefiro não manifestar-me, pois não me quero ridicularizar com a minha relativa ignorância, mas quanto ao Magritte manifesto-me sempre. Não o considero um grande pintor, considero-o um grande pensador. É por isto que gosto (que aprendi a gostar, cada vez mais) dele.

Xor Z disse...

De facto, a questão não é serem judeus, timorenses, hutus ou tutsis, o problema são os massacres ou, indo mais longe, os genocídios. Já agota, ainda alguém acende velas pelos índios da América ou por outros que certamente nos vêm à lembrança relacionados com os israelitas.
Isto não quer dizer que a sua indignação, chamo-lhe assim à falta de melhor expressão, não seja legítima.

Woman Once a Bird disse...

Caro Xôr Z: A chama da memória deve permanecer acesa por todos eles. E ainda bem que nos vêm à lembrança; significa que restou a consciência. Sem isso, estaríamos perdidos.

Xor Z disse...

Amen a isso. Perdõe a velharia teológica.

MOLOI LORASAI disse...

É muito fácil se implantar o INUMANO. Por exemplo, basta alguém ser suspeito de ser terrorista, dentro de um avião. Depois de revistado e nada encontrado, ninguém te pede desculpas, nem a equipe de bordo da TAP. Basta alguém acionar o sistema do INUMANO. Depois de acionado, você não pertence À RAÇA DOS HUMANOS.