quinta-feira, 23 de fevereiro de 2006

Baudelaire...

... no Rosa do Mundo. A partir daí, foi uma saga para conseguir o título de onde tinha sido extraído o texto. Pois bem, por causa do sopro na cabeleira da outra, lembrei-me de o repescar. E oferecê-lo aqui, porque me apetece respirar o odor do texto...
"Deixa-me respirar por muito, muito tempo, o odor dos teus cabelos, mergulhar neles todo o meu rosto, como um homem sequioso na água de uma nascente, e agitá-los com a mão como um lenço perfumado, para sacudir as recordações no ar.
Se tu pudesses saber tudo o que vejo! Tudo o que sinto! Tudo o que ouço nos teus cabelos! minha alma viaja sobre o perfume como a alma dos outros homens viaja sobre a música.
Os teus cabelos contêm um sonho inteiro, cheio de velas e de mastros; contêm grandes mares cujas monções me levam para climas adoráveis, onde o espaço é mais azul e mais profundo, onde a atmosfera tem o perfume dos frutos, das folhas e de pele humana.
No oceano da tua cabeleira, entrevejo um porto a formigar de canções dolentes, de homens vigorosos de todas as nações e navios de todas as formas recortando as arquitecturas finas e complicadas sob um céu imenso onde se pavoneia um calor eterno.
Nas carícias da tua cabeleira, encontro os langores das horas passadas sobre um divã no camarote dum belo navio, embaladas pelo arfar imperceptível do porto, por entre os vasos de flores e as bilhas que refrescam a água.
No lume ardente da tua cabeleira, respiro o odor do tabaco misturado com ópio e açúcar; na noite da tua cabeleira, vejo resplandecer o infinito do azul tropical; nas praias acetinadas da tua cabeleira, embebedo-me com os odores combinados de alcatrão, de musgo e de óleo de coco.
Deixa-me morder longamente as tuas tranças pesadas e negras.
Quando mordisco os teus cabelos elásticos e rebeldes, parece-me que devoro recordações."
(in O Spleen de Paris)

5 comentários:

Anónimo disse...

Um texto marabilhoso, cá para o José. De Baudelaire só conheço poemas soltas, encontrados e lidos na net. Agora, como ando bastante desligado da poesia em geral (neste momento só abro excepções para Álvaro de Campos e para os vários poemas que vão aparecendo em belogues que vou lendo), não tenho sequer pensado em pegar no rosa do mundo. Até porque, já te disse, no livra, tenho um problema enorme com a qualidade do papel desse livro, que nem parece coisa da Assírio, mas compreendo que tivessem que apostar num papel mais fino para conseguir pôr tudo num mesmo volume e assim reduzir os custos. Na teoria até concordo com a opção, mas na prática é mesmo muito destabilizador, para mim, claro, estar a ler uma página e conseguir ver perfeitamente as letras do outro lado da folha. Que eu sou daqueles que para ler como deve ser tem que estar no mais profundo silêncio.
E bem, por estas e por outras, tenho o Rosa do Mundo num stand-by daqueles profundos. Tenho pena.

Woman Once a Bird disse...

Lembro-me de te ter referido exactamente este texto.Mas o Rosa é para se ir lendo, lento...
Quando fiz o post lembrei-me de ti, exactamente por causa do papel do Rosa do Mundo.

Nefertiti disse...

Mais uma vez deste amostras do teu bom gosto. o texto é lindíssimo! Muito envolvente. Obrigada.

Nefertiti disse...

É um texto perfumado! Bjinhos

Anónimo disse...

Um texto lindo escolhido por uma pessoa linda!
Beijos