terça-feira, 3 de março de 2015

Ai não?


Segundo o Público, estas são palavras de Paulo Cunha e Silva, vereador da cultura da Câmara do Porto. Estas declarações foram ditas a propósito da crítica de Carla Miranda, vereadora sem pelouro, da mesma autarquia, a quem, segundo o jornal, o presidente da Câmara, Rui Moreira, mandou ter "dois pingos de vergonha".

This isn't happiness


De acordo com a notícia, Miranda terá criticado a atribuição de uma medalha municipal de mérito a Sindika Dokolo, marido da oligarca Isabel dos Santos. Dokolo é um poderoso colecionador de arte, que passeia as suas aquisições um pouco por todo o mundo. Predispôs-se a levá-las à Invicta. Pelo que consegui perceber, a oposição de Miranda incide na atribuição da medalha de mérito. O que, decididamente, ultrapassa a minha compreensão são as declarações de Cunha e Silva, vereador da cultura. Então não importa a origem da coleção? Se o produto tiver sido roubado pode ser exposto? Se for comprado com recurso à exploração de mão de obra escrava também não há problema? E se vier do Estado Islâmico também pode ser? (eu sei que é pouco provável, que eles optam por destruir a arte, mas vá, estamos no campo da imaginação). Se for oferta do Mubarak ou do Yanukovych também marcham? 

O que me parece inaceitável não é sequer a atribuição de uma medalha de mérito a um colecionador de arte (isso pode ser discutível, e parece-me bem que seja discutido e que se discuta sim, a qualificação da pessoa a quem se vai atribuir o mérito, evidentemente! Afinal de contas, a medalha é suposto simbolizar o mérito, logo, mais que natural que se avalie se a pessoa a merece ou não). Se Dokolo tem ou não mérito? Não faço ideia. Mas espero que, quem vai atribuir a medalha, não o faça somente por ele ser casado com uma das mulheres mais poderosas do planeta, cujo pai lidera um país com desigualdades sociais gritantes e com atropelos muito graves à liberdade de expressão, conforme denúncias da Amnistia Internacional. Ou apenas por ele ser dono de uma ótima coleção de arte, porque embora ele seja o único marido de Isabel dos Santos, não é o único colecionador de arte do mundo, de resto, só no país temos vários, um dos quais com uma coleção particularmente bem cotada.

O que realmente me parece intolerável é que uma pessoa com responsabilidades, no poder local, venha dizer publicamente que "não importa a origem da coleção"? Ai não? Olhe, na altura em que as oligarquias caem há sempre gente que se desvincula. Deve ser dos «macaquinhos no sótão».


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