domingo, 18 de agosto de 2013

Yeah, It's Just You

Segundo a historiadora Joanna Bourke, quando em 2006 foram reveladas mais fotos da série tortura em Abu Ghraib, a reação do público terá sido tépida, em parte devido ao cansaço do tema, o qual foi transformado por alguns/mas em espetáculo. Um popular locutor de rádio terá inclusive, comparado as fotos a um espetaculo eroticizado, ao género do de uma cantora pop. Os mitos custam a morrer: 

sim, ele está a ter uma ereção e Sim, tenho a certeza que está aterrorizado.




You know, if you look at - if you, really, if you look at these pictures, I mean, I don't know if it's just me, but it looks like anything you'd see Madonna or Britney Spears do onstage. Maybe I'm - yeah. And get a National Endowment for the Arts (NEA) grant for something like this. I mean, this is something that you see onstage at Lincoln Center form an NEA grant. Maybe on Sex and the City - the movie.



segunda-feira, 12 de agosto de 2013

A Licenciatura que faz falta em Portugal

Sociological Cinema







Soube, pela Joana Lopes, que o Paulo Moura (Público) publicou uma reportagem sobre Call Centers, em português Centros de Contacto. Uma das fontes de Moura foi um CEO (que isto de se ser administrador ou gestor está totalmente demodé e só se é credível se se disser em estrangeiro). Dizia eu que uma das fontes de Moura foi o CEO da Teleperformance, o senhor João Cardoso. Este defende, entre outras bizarrias, a criação de uma licenciatura em Operador de Call Center (sic).

Além do mais, o sr. Cardoso lança um alerta contra o demónio da regulamentação do setor: é essencial para a sobrevivência dele (do Cardoso e da empresa que dirige) manter «a flexibilidade nas leis laborais».

É que aqui ao lado, quando se tentou regular o setor, as empresas, que é como quem diz os clientes das Teleperfomances espanholas, fugiram todas para a América Latina. Ou seja, segundo se pode ler na reportagem, a Teleperformance tem um regulamento interno – que, por sinal, inclui que pessoas que trabalham sentadas não possam – contra todas as recomendações médicas e de saúde no trabalho – estar de pé, ainda que por breves momentos -, e que obriga toda a gente a cumprir, mas alguém tentar regular o seu setor, ou melhor, o setor onde opera, isso é que não pode ser. Atenção, sr. Cardoso, é que se os seus clientes «fugirem« todos para o Brasil podem vir a ter este problema. Os PALOP, apesar de já albergarem serviços de call center da PT, não têm condições logísticas e mão de obra qualificada comparáveis às portuguesas. Não estou bem a ver para onde é que os clientes da Teleperformance iriam fugir.

O problema pode não ser uma fuga dos clientes para outras paragens. É que regulação pode implicar ter que ser mais competitivo sem ser à custa dos/as colaboradores/as e essa hipótese, pelos vistos, a Teleperformance não admite. Aqui entre nós, ser competitivo à custa da exploração de seres humanos não tem nada de inovador e muito menos de genial. É a génese da maior parte das fortunas dos mais ricos do planeta e faz parte da História da Humanidade, portanto, o CEO da Teleperformance podia poupar no discurso de terem percebido antecipadamente a oportunidade de negócio e tal como se fosse algum guru da gestão.

Vamos lá ver se a gente se entende. É que eu conto com quatro anos e meio de centros de contacto desde que entrei no mercado de trabalho, portanto, sei bem do que falo. Além disso, antes de ter passado por aí, tive outros contactos com o mundo maravilhoso dos contratos temporários. A última vez que trabalhei nesse mundo foi em 2005, portanto, a flexibilidade que senti no contrato e local de trabalho não foi fruto das mais recentes legislações liberais. Já as tínhamos há muito tempo.

E já tínhamos contratos de 15 dias e menos (quando trabalhei em promoções tinha contratos de dois dias), remuneração por objetivos, férias e horas extraordinárias não pagas, horários de oito horas seguidas apenas com meia hora de intervalo, mudanças de entidades patronais quando lhes apetece sem dar cavaco aos trabalhadores/as. Que mais se pretende? Escravatura? Claro que não, que disparate, Ceridwen! Lá estás tu com os teus exageros!

Os centros de contacto têm no seu coração uma coisa chamada ACD – Automatic Caller Display – que decide o destino de cada um/a. É o ACD que mostra o número de chamadas em espera, o número de pessoas a atender, em pausa, os tempos de espera, os tempos… porque num centro de contacto, o tempo é tudo: tempo de log (que é o tempo em que o telefone está a receber chamadas), tempo de pausa, tempo de espera, tempo de chamada, o tempo. Todo o tempo é controlado, os corpos disciplinados sob a colaboração dos/as vigilantes (chefes de equipa perfeitamente doutrinados e que estão logo acima dos/as operadores/as na escala hierárquica, mas que frequentemente, têm aspirações e esperanças de chegar a CEO's da coisa).


Recordo o brilho nos olhos de um jovem chefe de equipa ao falar do que seria o ideal de um centro de contacto: assegurar a presença somente das pessoas necessárias ao trabalho (chamadas, naquele caso) para cada dia. E, à hora que falava, já era possível saber quantas pessoas seriam necessárias para as próximas cinco horas: havia tecnologia que conseguia analisar mediante o padrão de contactos recebidos, quantas pessoas seriam necessárias para cada dia da semana. Ou seja, na segunda precisavam de 50, estavam 50, no domingo 20, e apenas 20 lá estariam. Onde estavam os outros 30? Em casa, sem receber, claro. Ou a receber algum subsídio do Estado, que cabe sempre aos contribuintes pagar ou que estas empresas não gastam. Então porque é que ainda não operavam dessa maneira? Bom… essa porcaria chamada legislação é possível contornar e aldrabar, mas não ignorar totalmente, portanto, havia um limite para a decência. Mas esta decência já na altura não era cumprida noutros centros de contacto: mais pequenos, onde havia sim, este sistema de um calendário semanal e onde as pessoas podem ser requisitadas consoante as necessidades da empresa, a única que conta neste binómio socioeconómico.


Não é por nada, mas nestas condições também eu sou competitiva.


A Licenciatura

«Deveria haver, na universidade, uma licenciatura em Operador de Call Center, defenfe o CEO da Teleperformance, para que as empresas não tenham de ser elas a investir em formação».

Vamos lá ver, segundo o sr. Cardoso, os contribuintes portugueses/as, os/as mesmos/as que a Teleperformance explora e a quem impõe condições indignas de trabalho, é que devem pagar sua formação (seja numa pública, seja numa privada o Estado, ou seja: NÓS, pagamos sempre o ensino), para que empresas pobrezinhas como a Teleperformance não tenham que «investir em formação». Não lhe chega terem à disposição candidatos/as com formação em línguas estrangeiras e na materna, para além das competências de informática na ótica do/a utilizador/a e capacidade de expressão verbal e argumentação para as quais, a Teleperformance terá contribuído apenas com os seus impostos, como todos/as nós e como todas as outras empresas. Não, pelos vistos é preciso que outros paguem a formação específica para trabalhar na Teleperfomance. Mas porquê uma licenciatura em operador de call center e não em operador de supermercado? Porquê aquela e não esta?

Será que este CEO sabe que, a partir do momento em que a profissão adquire estatuto de formação avançada tem que ser paga como tal? 

É que, uma coisa é ter licenciados/as (em arquitetura, engenharia civil, literatura, relações internacionais ou noutra coisa qualquer) a trabalhar em centros de contacto outra, muito diferente, é ter licenciados/as em Operador/a de Call Center, ou seja, pessoas com formação especializada superior e universitária na área específica em que estão a trabalhar.

Ou a ideia do sr. Cardoso é ter funcionários/as especializados com formação superior pagos como operadores não especializados e com formação básica? Estará a Teleperformance disposta a pagar por licenciados/as em Call Center?

Este CEO andou mesmo na universidade?

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

«Ele é muito atrevido! Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar?"»

A afirmação é de Cuca Roseta, sobre o dueto com Julio Iglesias, plasmada na revista Lux Woman (e que abre o artigo sobre o evento). Esta afirmação é antecedida por: «Durante o dueto com Cuca Roseta, Julio Iglesias mostra que continua um sedutor».
A generosidade do ou da autora do artigo em considerar que estamos perante a confirmação das capacidades de sedução do cantor é óbvia. E ainda mais óbvia se torna quando se lê o texto na íntegra e o humor  com que toda a situação é relatada.
Então, a cantora, que «de forma divertida, refreou as intenções do cantor» que tentava, em cima do palco, beijá-la, afirma: «Ele é muito atrevido! Pensamos que ele é um galã charmoso, um senhor com quase 70 anos que respeitamos, mas ele acha que é novíssimo. Agarrava-me e eu pensava: "Como é que eu vou escapar desta situação de uma forma elegante? (risos). Mas foi giríssimo. Toda a gente se riu imenso e eu também. Até havia umas senhoras que diziam: "Não se ria, deixe, deixe."» 

Todo o teor do artigo é deplorável. Pelo depoimento da cantora que, aparentemente, desvaloriza uma situação de assédio desta natureza, pelo facto de ter acontecido em palco para gáudio das espetadoras que ainda consideraram um exagero a cantora não se deixar agarrar e beijar, pelo facto de considerar que era importante escapar de forma «elegante» às mãozinhas do porcalhão. A inconsciência da jovem está não só patente nas afirmações que reproduzi acima, mas também porque continua a achar que «foi uma honra enorme abrir o concerto dele» e que se trata de «um homem inteligentíssimo». Não surpreende que a cantora não identifique a situação com o que realmente é: assédio, abuso de poder, comportamento machista que deve ser violentamente repudiado e nunca normalizado. Não ficaria surpreendida se questionada com a possibilidade de alguma vez ter sido vítima de comportamentos machistas a cantora responda candidamente que não. Muitas mulheres não têm verdadeiramente consciência de situações que são, de facto, abusivas. E por norma, também respondem que não são feministas, são femininas. Mas o problema não fica por aqui, ou seja, pela total falta de consciência relativamente ao abuso.
Mais grave que as declarações da cantora é o tom do artigo (sem qualquer referência à sua autoria, já que só se identifica os autores das fotografias que o ilustram), que é verdadeiramente vergonhoso. Uma revista para mulheres redige este artigo desvalorizando por completo a noção de que estamos perante uma situação abusiva, chamando de sedução e charme o que não passa de machismo vil, comportamento absolutamente reprovável. Uma revista cujo público alvo são as mulheres continua a passar a mensagem de que é normal, risível, castiço até, que alguns homens tenham comportamentos destes. São charmosos. Sedutores. Másculos. 
Quanto a elas? Quanto às leitoras?É suportá-los com elegância. E palmas, claro.
Palminhas.