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Sociological Cinema |
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Soube, pela Joana Lopes, que o Paulo Moura (Público) publicou
uma reportagem sobre Call Centers, em
português Centros de Contacto. Uma das fontes de Moura foi um CEO (que
isto de se ser administrador ou gestor está totalmente demodé e só se é
credível se se disser em estrangeiro). Dizia eu que uma das fontes de Moura foi
o CEO da Teleperformance, o senhor João Cardoso. Este defende, entre
outras bizarrias, a criação de uma licenciatura em Operador de Call Center
(sic).
Além do mais, o sr. Cardoso lança um alerta contra o demónio
da regulamentação do setor: é essencial para a sobrevivência dele (do Cardoso e
da empresa que dirige) manter «a flexibilidade nas leis laborais».
É que aqui ao
lado, quando se tentou regular o setor, as empresas, que é como quem diz os clientes das Teleperfomances espanholas, fugiram todas
para a América Latina. Ou seja,
segundo se pode ler na reportagem, a Teleperformance tem um regulamento interno
– que, por sinal, inclui que pessoas que trabalham sentadas não possam – contra todas as
recomendações médicas e de saúde no trabalho – estar de pé, ainda que por breves momentos -, e que obriga toda a gente a
cumprir, mas alguém tentar regular o seu setor, ou melhor, o setor onde
opera, isso é que não pode ser. Atenção, sr. Cardoso, é que se os seus clientes «fugirem« todos para o Brasil podem vir a ter este problema. Os PALOP, apesar de já albergarem serviços de call center da PT, não têm condições logísticas e mão de obra qualificada comparáveis às portuguesas. Não estou bem a ver para onde é que os clientes da Teleperformance iriam fugir.
O problema pode não ser uma fuga dos clientes para outras paragens. É que regulação
pode implicar ter que ser mais competitivo sem ser à custa dos/as
colaboradores/as e essa
hipótese, pelos vistos, a Teleperformance não admite. Aqui entre nós, ser competitivo
à custa da exploração de seres humanos não tem nada de inovador e muito menos
de genial. É a génese da
maior parte das fortunas dos mais ricos do planeta e faz parte da História da
Humanidade, portanto, o CEO da Teleperformance podia poupar no discurso de
terem percebido antecipadamente a oportunidade de negócio e tal como se fosse algum guru da gestão.
Vamos lá ver se
a gente se entende. É que eu conto com quatro anos e meio de centros de
contacto desde que entrei no mercado de trabalho, portanto, sei bem do que
falo. Além disso, antes de ter passado por aí, tive outros contactos com o
mundo maravilhoso dos contratos temporários. A última vez que trabalhei nesse
mundo foi em 2005, portanto, a flexibilidade que senti no contrato e local de
trabalho não foi fruto das mais recentes legislações liberais. Já as tínhamos
há muito tempo.
E já tínhamos
contratos de 15 dias e menos (quando trabalhei em promoções tinha contratos de dois dias), remuneração por objetivos, férias e horas
extraordinárias não pagas, horários de oito horas seguidas apenas com meia hora
de intervalo, mudanças de entidades patronais quando lhes apetece sem dar
cavaco aos trabalhadores/as. Que mais se pretende? Escravatura? Claro que não,
que disparate, Ceridwen! Lá estás tu com os teus exageros!
Os centros de
contacto têm no seu coração uma coisa chamada ACD – Automatic Caller Display – que decide o destino de cada um/a. É o
ACD que mostra o número de chamadas em
espera, o número de pessoas a atender, em pausa, os tempos de espera, os tempos…
porque num centro de contacto, o tempo é tudo: tempo de log (que é o tempo em
que o telefone está a receber chamadas), tempo de pausa, tempo de espera, tempo
de chamada, o tempo. Todo o tempo é controlado, os corpos disciplinados sob
a colaboração dos/as vigilantes (chefes de equipa perfeitamente doutrinados e que estão logo acima dos/as operadores/as na escala
hierárquica, mas que frequentemente, têm aspirações e esperanças de chegar a CEO's da coisa).
Recordo o
brilho nos olhos de um jovem chefe de equipa ao falar do que seria o ideal de
um centro de contacto: assegurar a presença somente das pessoas necessárias
ao trabalho (chamadas, naquele caso) para cada dia. E, à hora que falava, já era possível saber quantas
pessoas seriam necessárias para as próximas cinco horas: havia tecnologia que conseguia
analisar mediante o padrão de contactos recebidos, quantas pessoas seriam
necessárias para cada dia da semana. Ou seja, na segunda precisavam de 50,
estavam 50, no domingo 20, e apenas 20 lá estariam. Onde estavam os outros 30?
Em casa, sem receber, claro. Ou a receber algum subsídio do Estado, que cabe sempre aos contribuintes pagar ou que
estas empresas não gastam. Então porque é que ainda não operavam dessa
maneira? Bom… essa porcaria chamada legislação é possível contornar e aldrabar,
mas não ignorar totalmente, portanto, havia um limite para a decência. Mas esta
decência já na altura não era cumprida noutros centros de contacto: mais
pequenos, onde havia sim, este sistema
de um calendário semanal e onde as pessoas podem ser requisitadas consoante as
necessidades da empresa, a única que conta neste binómio socioeconómico.
Não é por nada,
mas nestas condições também eu sou competitiva.
A
Licenciatura
«Deveria haver,
na universidade, uma licenciatura em Operador de Call Center, defenfe o CEO
da Teleperformance, para que as empresas não tenham de ser elas a investir
em formação».
Vamos lá
ver, segundo o sr. Cardoso, os contribuintes
portugueses/as, os/as mesmos/as que a Teleperformance
explora e a quem impõe condições indignas de trabalho, é que devem pagar
sua formação (seja numa pública, seja numa privada o Estado, ou seja: NÓS,
pagamos sempre o ensino), para que empresas pobrezinhas como a Teleperformance não tenham
que «investir em formação». Não lhe chega terem à disposição candidatos/as com formação em línguas estrangeiras e na materna, para além das competências de informática na ótica do/a utilizador/a e capacidade de expressão verbal e argumentação para as quais, a Teleperformance terá contribuído apenas com os seus impostos, como todos/as nós e como todas as outras empresas. Não, pelos vistos é preciso que outros paguem a formação específica para trabalhar na Teleperfomance. Mas porquê uma licenciatura em operador de call center e não em operador de supermercado? Porquê aquela e não esta?
Será que este
CEO sabe que, a partir do momento em que
a profissão adquire estatuto de formação avançada tem que ser paga como tal?
É que, uma coisa é ter licenciados/as
(em arquitetura, engenharia civil, literatura, relações internacionais ou
noutra coisa qualquer) a trabalhar em centros de contacto outra, muito
diferente, é ter licenciados/as em Operador/a de Call Center, ou seja, pessoas com formação
especializada superior e universitária na área específica em que estão a
trabalhar.
Ou a ideia do
sr. Cardoso é ter funcionários/as especializados com formação
superior pagos como operadores não especializados e com formação básica? Estará
a Teleperformance disposta a pagar por licenciados/as em Call Center?
Este CEO andou mesmo na universidade?