segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O Escândalo da Aldeia




Tamara Dean

Eu vi uma criada de servir. (....) As [crianças] do sexo feminino, sobretudo, envelhecem prematuramente, graças ao esforço que lhes é exigido logo a partir dos 5 ou 6 anos. Os rapazes são mais poupados. Mesmo as famílias de teres e haveres, quando têm de mandar um filho para a cidade, para os estudos, escolhem sempre o varão. As filhas ficam a trabalhar nos campos ou a vender ao balcão da mercearia ou mesmo na taberna.
Encontrávamo-nos de visita em casa de uma família da terra. A servir à mesa, uma jovem de 12 anos, fresca, de olhos brilhantes e tristes. (...) um dos circunstantes perguntou ao dono da casa, (...), porque não a mandava continuar os estudos, visto ter concluído a instrução primária com brilho. O homem mal conseguiu dissimular o escândalo que o alvitre lhe causara. «Qual quê? Vai servir que tem bom corpo. Era o que faltava! Gastar dinheiro com gente desta. Era um escândalo aí na aldeia. O que havia o povo de dizer».

António dos Santos, in Notícias da Amadora, 11 de Janeiro de 1969


Como era bom viver no Portugal salazarinho

Adenda: a Inês Brasão acaba de publicar um maravilhoso ensaio sobre este tema.

Boa Semana





Semana(s) cheias de palavras de pecado. O discurso médico do século XVIII a garantir que a masturbação era fonte de «palpitações, perda de vista, dores de cabeça, vertigens, convulsões como no caso dos epiléticos e até frequentemente a autêntica epilepsia; dores espalhadas pelos membros ou fixadas na nuca, na espinha dorsal, no peito, no ventre; grande fraqueza nos rins e, às vezes, um entorpecimento quase geral». 
Não muito longe deste andam alguns personagens do cenário político estadounidense, os quais garantem que os corpos das mulheres conseguem feitos extraordinários apenas, eventualmente, previstos por estes médicos ou, antes deles, pela santa igreja que dominou/a a Europa. Ainda nesta linha de raciocínio, de lembrar este caso e perceber qual a relação com isto. Aparentemente, nenhuma. I.e. que relação pode haver entre a condenação de uma mulher vítima de gang-rape em 200 chicotadas (o homem que estava com ela - que também foi raptado e violado - recebeu 90 chicotadas - pela acusação de estar com uma mulher que não era sua familiar em privado - leia-se: no carro) e uma mulher republicana que fez uma proposta de lei no Arizona na qual defende que as entidades patronais têm o direito de escolher quem trabalha nas suas empresas, com base nas suas convicções religiosas, i.e., se acreditar que as mulheres não devem tomar a pílula, e elas a usarem (e não tiverem uma declaração médica a comprovar que o seu uso é para controlo de acne, p.e.) para efeitos de contracepção (sei lá, o uso para o qual foi inventado) podem despedi-las. Nem uma palavra acerca do uso do preservativo para os homens.. ou a vasectomia. Obviamente, que, por trás das convicções religiosas (em ambos os casos) esconde-se um enorme desprezo e ódio pelas mulheres. As palavras do ministro saudita para justificar o castigo aplicado: total concordância com «o livro de deus e os ensinamentos do profeta maomé» servem perfeitamente para a situação anterior: basta mudar o nome do profeta.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Some things never change

Cartier Bresson

«(...) A 'feudalidade' é um sistema de exploração dos trabalhadores por um pequeno grupo de especialistas da guerra, que nada produzem e que são alimentados por outros. (...)»

Georges Duby, 1991

sábado, 18 de agosto de 2012

Ouvi Dizer




às horas que bato o dedinho nas teclas, estão os rapazes a tocar o som da reunião - e eu aqui a ter uma apoplexia (bendita Antena 3 - seis é melhor que nada). Não sei como sobreviverei a Outubro.
E canto como, se num repente, voltasse a estar na Aula Magna..... (bendita Antena 3)

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Boa Semana






Porque, às vezes, nada pode ser alguma coisa.
«nothing can be truly something»



segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Boa Semana




Em semana em que se anuncia a reforma espanhola nos conteúdos da antiga disciplina de Educação para a  Cidadania, por instrução da santa madre igreja, é com um sorriso cínico que lemos que José Ignacio Wert (ministro da educação) ganhou um enorme aplauso na Conferência Episcopal. O que deu em troca? Ora, ora, nada de mais, apenas a garantia de exclusão de conteúdos relacionados com a homofobia, conflitos sociais ou a desigualdade de género - tudo temas blasfemos, já se vê, daqueles que se quer bem afastados de uma monarquia católica. A ICAR manda? Espanha obedece, monsenhor! Veremos quanto demora até cá chegar.

Por cá as coisas não estão muito melhores. O prof. Marcelo diz que o partido laranja não pode mostrar medo na rua. Eu vejo com muito bons olhos que o Passinhos e restante turma vão mostrar o medo ou que quiserem à porta fechada, pelo menos aliviam o ar. 

A esperança na humanidade chega agora do Mali.

domingo, 5 de agosto de 2012



O líder de um grupo «asiático» acusado de aliciar, abusar sexualmente e violar «jovens britânicas» (entre os 13 anos e os 15 anos) viu a sua pena de prisão ser aumentada em três anos por ter abusado de uma jovem «asiática».  Shabir Ahmed, 59 anos, irá agora cumprir 22 anos de cadeia. Durante o tempo em que o julgamento se arrastou, os jornais britânicos relatavam as atrocidades cometidas - 47 vítimas - pelo grupo de oito paquistaneses e um afegão. A primeira denúncia data de 2008, mas a polícia e o Ministério Público acharam que jamais um «júri iria acreditar na rapariga» (ela podia não ser credível... mas estava a dizer a verdade) - e o caso foi abandonado até haver uma mudança de chefia. As vozes críticas fizeram-se ouvir, com particular acutilância a extrema-direita, que organizou grupos de protesto junto ao tribunal: alegadamente, o caso não terá sido investigado por as autoridades recearem a acusação de 'racismo' (i.e. a obsessão pelo 'politicamente correcto' terá permitido que mais raparigas se tornassem vítimas); que os jornais optam por tornar vaga a nacionalidade dos arguidos, apelidando-os de «asiáticos», pela mesma razão (obsessão pelo politicamente correto); que os crimes cometidos contra a «jovem asiática» mereceram apenas mais três anos de cadeia, o que coloca em causa o valor do bem jurídico protegido (autodeterminação e liberdade sexual) quando o mesmo é cometido contra uma britânica ou contra uma «asiática».

Uma das coisas que salta à vista neste caso é o quão discricional pode ser o ato de investigar e de acusar.  O Ministério Público - que tem o poder de levar ou não alguém a tribunal - de acreditar ou não na(s) testemunhas, de pedir as perícias que entender - pode errar. E como vimos - e nem seria necessário ir até às ilhas britânicas - erra. Seria natural, caso não fosse muito, muito grave. E particularmente grave uma vez que, acreditar ou não na testemunha é algo subjetivo, i.e, sujeito aos nossos preconceitos e contradições.

Barbara Kruger


Outra questão que me ocorre é o receio da acusação de racismo e preconceito. Palavras facilmente arremessadas quando se trata de descredibilizar @ outr@.
Patriarcado é uma palavra e um conceito muito usado pel@s cientistas sociais, com particular incidência para quem trabalha questões de género. De uma forma simplista, define uma organização social em que a autoridade é exercida pelos homens. Continuando no registo simplista, é mais ou menos consensual que o patriarcado é responsável por uma série de crenças e atos que prejudicam as mulheres e que, a violência de género, bem como a violência praticada contra minorias sexuais, é motivada pelas crenças alimentadas pelo patriarcado. Os programas de tratamento para arguidos acusados e violência doméstica incluem módulos que visam alterar a representação que os agressores têm das mulheres (seres inferiores e que precisam - e podem - ser disciplinados fisicamente e que precisam de ser controladas dada a sua natureza emocional e instável - isto de ter útero e ovários provoca cá uns humores....). Nos países ocidentais ouvem-se críticas à hiper-sexualização das crianças - em particular das raparigas - e do abuso dos corpos (ou partes deles) para vender: seja o que for e ainda que nada tenha que ver com mulheres ou com os corpos delas. Responsabiliza-se a cultura patriarcal pela violência doméstica e sexual.

Contudo, parece haver um pudor excessivo quando se trata de equacionar se os crimes praticados pelo gangue de Rochdale merecem também uma abordagem étnica/cultural. Obviamente que nem todos os paquistaneses e afegãos são agressores sexuais ou pais dispostos a matar as mulheres pela honra familiar (o caso de Lal Bibi está aí para o provar). Contudo, parece-me um pouco óbvio que estes arguidos não só têm um enorme desprezo pelas mulheres, como em particular pelas mulheres cujo estilo de vida pode ser encarado como particularmente indigno e cujo comportamento e assemelha mais ao dos homens - o que as torna, aos olhos da sua cultura, menos mulheres, menos humanas reforçando a sua indignidade face a qualquer atitude de respeito. Em muitos países as mulheres são inferiores por letra da lei: não lhes é reconhecido direito de propriedade, direitos sexuais, de trabalho, ou outros direitos básicos de cidadania, noutros países, menos atrasados alguns destes direitos estão garantidos mas são limitados. Ora, não me parece totalmente descabido que os cidadãos desses mesmos países tenham crenças misóginas (tal como, de resto, acontece no Ocidente) e que vejam as mulheres ocidentais - que desrespeitam todos os valores defendidos nos seus países de origem - como seres particularmente desprezíveis e indignos de respeito. Contudo, quando se diz isto, surge logo a enorme sombra da palavra racismo. É um mistério compreender como é que reconhecemos que um sistema de organização social ocidental prejudica e promove a violência contras as mulheres, mas somos preconceituos@s se  dizemos o mesmo de pessoas cuja cultura que faz exatamente o mesmo que o ocidente - mas a triplicar.  De notar que não estou a referir que é uma questão religiosa (embora não conheça todas as religiões do mundo, estou em crer que não há uma única que promova ou garanta a igualdade entre homens e mulheres, pelo contrário, tendem a reforçar preconceitos de género). Curioso que se acuse de racismo quem afirma que este caso tem um lado cultural/etnico, mas que tudo se cale quando uma «jovem britânica» não foi levada a sério quando denunciou um crime gravíssimo como é o do abuso sexual. É que os preconceitos contra as mulheres parecem ser sempre menores face a todos os outros preconceitos.

Adenda: todos os arguidos eram respeitados na comunidade. A maioria tinha emprego e um deles desempenhava funções de líder espiritual. Alguns tinham famílias com filh@s. Ou seja: o perfil normal de um agressor sexual. As vítimas eram raparigas pobres e oriundas de famílias desestruturadas, algumas das quais ao cuidado dos Serviços Sociais britânicos e em casas de acolhimento. Com excepção do caso da menina «asiática», todas as outras eram, segundo a imprensa, britânicas - em alguns jornais podia ler-se 'brancas'. Porque as vítimas eram brancas - originárias do país de acolhimento - e os agressores estrangeiros o caso serviu de pano acusações mútuas de racismo: extrema direita acusa estrangeiros de serem violadores de mulheres brancas - como se a extrema direita se importasse com o direito à autodeterminação sexual das mulheres! - e enquanto isso, o líder do grupo acusou o tribunal de racismo e perguntou porque é que o júri era constituído, em exclusivo, por pessoas brancas.