Ao fim de alguns dias, desistiu.
Ao início ensaiava longos monólogos mentais em que punha em prática a Língua. Imaginava respostas, limpas e certeiras. Treinava o que diria na padaria, no quiosque, como pedir um café ou comprar um livro. Soavam-lhe maravilhosamente bem estes diálogos inventados. E depois, quando interpelada (na padaria, no quiosque, no café ou na livraria) uma profusão de signos (outros) silenciavam-lhe as respostas.
Desistiu e começou a comunicar maioritariamente por gestos. Na padaria, já lhe conheciam o gosto pelos croissants a que chamavam brioches. Sabiam que os entendia, mas não ouviam redondas palavras da sua boca em resposta.
As palavras eram silenciadas, cobertas por camadas de outras palavras que ela sabia não serem a Língua. Pode uma Língua ser dita apenas na nossa mente?
4 comentários:
Cara Woman,
Tenho andado a pensar no Paradoxo da heterologicalidade. Ora, i) há palavras que se referem a si mesmas como p. ex. a palavra «curta» e a palavra «palavra»; ii) mas também há palavras em que o pressuposto anterior não se aplica como p. ex. a palavra «longa», dado que se trata de uma palavra heterológica. Tratar-se-á de heterológico vs. autológico? Será que a Língua, enquanto movimento do inconsciente, ao existir apenas na minha mente (no legado lacaniano) se torna responsável pela psicose?! Desde Aurélio, a Condillac, Humboldt, Saussure, ou até Chomsky - parece existir sempre um "ponto de contacto", a saber, a linguagem enquanto característica inata da mente… E lá vou eu para as reduções ao absurdo: o que é o inatismo diante da anencefalia?! Por outro lado, se me perguntar: «Pode uma Língua ser dita apenas na nossa mente?» direi, quase que de modo automático, sim! Porém, se recordar, a título exemplificativo do quadro de «Melancholia I» (1514) do Dürer surge outra vaga de questões. Como é possível identificar uma figura geométrica (no quadro) que "não tem" nome?! E o que permitiria deduzir da "phantasia" husserliana?!
Atenciosamente.
Cara(o) NYX(des)VELADA:
Responderia, após o seu comentário, que uma língua também pode ser dita apenas na nossa mente. Mas que esta não se esgota na Língua, nem a Língua se deixa aprisionar pela/na nossa mente (nem pelos nossos lábios, nem tão pouco pelo nosso ouvido).
Por isso há também a indecibilidade, que aflora com o exemplo de Dürer, o silêncio fantasmático que precede e excede qualquer ato de locução. Estarei a pensar bem?
Abraço.
...ab-solutamente de acordo!!!Nem a "nossa" "mente" se deixa aprisionar pela Língua...ai está, também, o silêncio "fantasmático" talvez, e saliente-se este talvez, enquanto advento da Língua...
Atenciosamente, a Nyx.
Errata: indecidibilidade.
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