sábado, 14 de maio de 2011

«E morderam-se as bocas abrasadas»*

Na história da nossa poesia, há traços de injustiça que teimam em desenhar os contornos da nossa (falta de) memória.
Judith Teixeira, a mulher desavergonhada cujos poemas Marcelo Caetano se gabou de queimar é continuamente lançada na fogueira do nosso esquecimento. Essa poeta de Sodoma, que juntamente com António Botto (com Canções) e Raúl Leal (com Sodoma Divinizada), acendeu a pira do jovem Marcelo, indignado com a versalhada ignóbil que empestava a sua cidade - o mesmo Marcelo Caetano que, sensivelmente 50 anos depois, tentaria queimar essa outra papelada imunda que empestava o seu País, as Novas Cartas Portuguesas, da autoria das três Marias (Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa).
Voltemos a Judith Teixeira, mulher poeta que nos anos 20 do século passado desafiou com a sua obra poética e incendiou a veia inquisitorial do que se avizinhava. Arrisco dizer que se não foi ainda devidamente resgatada, tal deve-se ao facto de ainda hoje não se perdoar a uma mulher ter escrito o que escreveu na época em que o fez. O cânone continua a sacrificá-la e Castelo de Sombras, Decadência e Nua, continuam a sustentar o peso das cinzas do esquecimento.

Adeus
Sim, vou partir.
E não levo saudade
de ninguém...
Nem em ti penso agora!...
Julgavas que a tristeza desta hora
fosse maior que a firme vontade
que eu pus em destruir
o luminoso fio da ternura
que me prendia ao teu olhar?...
Julgaste mal;
Eu sei amar,
mas meu amor,
o que eu não sei,
é ser banal!
(...)

*Do poema Perfis Decadentes



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