segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Humano Demasiado (des)Humano

Uma casa de banho branca é um perigo. O excesso de claridade denuncia as viandantes ilegais, lustrosas nas suas carapaças escuras, a calcorrearem apressadamente as superfícies imaculadas. 
Tivemos uma batalha com uma delas, uma noite destas. A criatura, coitada, corria assustada a esconder-se nos recantos sombrios. E eu, se inicialmente calma, fui progressivamente deixando que o pânico me invadisse e me tornasse cada vez mais implacável. O bicho não sairia vivo daquela divisão, atormentando o nosso sono. É que quando penso em virar costas e fingir que ela não existe, que as suas antenas desmesuradas e as suas patas em espigão não me incomodam, a verdade é que consigo imaginá-la - como se já a sentisse - a invadir a minha pele enquanto durmo. É isso que me incomoda: julgar que o bicho secretamente pode ter a veleidade de me tocar e eu não o sentir. E o nojo, o nojo que isso suscita. Imaginar a correria sobre os corpos adormecidos, o lastro invisível deixado em nós.
Ela tem medo, coitada. Corre a esconder-se onde pode, mesmo que seja debaixo da gata que não compreende a correria e assusta-se connosco - e não com a barata. Os olhos dela crescem, de incredulidade, perante a violência do embate na minúscula divisão. Assusta-se com os movimentos bruscos - não os da criatura em fuga, três vezes morta - mas os nossos (os teus, na verdade - que apenas denunciei e a pontei e vigiei), a exigir a morte do monstrengo, preço de uma noite descansada.
No final, já o cadáver desaparecido da vista, tenho alguma pena do animal que perdeu a vida por nós. E concordo em silêncio com a tua afirmação de que também tu lamentas que ninguém consiga gostar destas criaturas de deus.
A verdade é que entretanto adormeci e o remorso não me assaltou o sono.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu não gosto de baratas, de moscas,de mosquitos, de ratos... e eles também não gostam de mim. Quando me incomodam mato-os, o inverso não se verifica por razões óbvias...
beijinhos e bom descanso
Helena

Alix disse...

Compreendo-te! eu que no domingo abandonei o meu quarto depois de ter arrastado a cama, nem sei onde fui busacar forças para tal peripécia, não consegui e dar conta do monstro e fui cobardemente para o quarto do lado, porta fechada e manta enrolada a tapar as frichas, não fosse o meu sono ser tocado por aquelas nojentas antenas...

Alix disse...

Compreendo-te! eu que no domingo abandonei o meu quarto depois de ter arrastado a cama, nem sei onde fui busacar forças para tal peripécia, não consegui e dar conta do monstro e fui cobardemente para o quarto do lado, porta fechada e manta enrolada a tapar as frichas, não fosse o meu sono ser tocado por aquelas nojentas antenas...

Alix disse...

Compreendo-te! eu que no domingo abandonei o meu quarto depois de ter arrastado a cama, nem sei onde fui busacar forças para tal peripécia, não consegui e dar conta do monstro e fui cobardemente para o quarto do lado, porta fechada e manta enrolada a tapar as frichas, não fosse o meu sono ser tocado por aquelas nojentas antenas...

Sancho Gomes disse...

não lamento, nem tenho remorsos: barata boa, é barata morta e longe de mim!

como bom texto é este teu post.