terça-feira, 23 de junho de 2009

Guardadora de Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.

Nos longos 150 min+30min de tolerância da prova de Matemática B, lembrei-me inúmeras vezes do Caeiro Guardador de Rebanhos. Porque ali estava eu, guardadora, sem lobo mau à vista que fizesse com que o tempo fosse menos lento.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.

Mas não são. Os meus pensamentos desesperam e concentram-se sem querer no tempo que numa manhã se faz sempre o mesmo e o ponteiro não passa (por onde?) e os segundos não andam. Tento ignorá-lo, mas é como a insónia na noite que precede a vigia em que o sono é substituído por um malicioso é preciso ter sono. Nada. Nem sono à noite, nem vigília ligeira de dia, nem ruído de chocalhos para além da curva da estrada em que os meus pensamentos sejam contentes.

Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim

Nem versos escrevo num papel escondido no meu pensamento, porque não sou poeta, nem sou Caeiro, nem tampouco sinto um cajado nas mãos.
Eu nunca guardei rebanhos, mas nesta altura do ano é como se os guardasse, andarilha de quatros paredes, sem outro objectivo que não contar o tempo enquanto os/as miúdas suam, tremem, lêem, escrevem, hesitam, desesperam, rascunham, riscam... e eu nada, apenas andar sem norte, sem olhá-los/las em demasia para não os/as desconcentrar, enervar, perturbar. Ansiosa por um pedido de folha renovada, ou de mais uma folha de rascunho, ao menos uma assinatura que ocupe 5 segundos dos 150 min+30 de tolerância.

E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

Hoje fui guardadora sem rebanho, porque nem olho as minhas ideias, é terreno estéril. E quero fingir que compreendo o sentido de tudo isto, mas não consigo. Apenas bocejo e espero que ao menos os miúdos tenham sorte. Mesmo sem manga do bibe riscado, apenas o suor da testa quente.

5 comentários:

Anónimo disse...

Eu começo para a semana...

Ceridwen disse...

Adorei este post!

José Ricardo Costa disse...

Eu também estive na mesma prova. Se o Inferno existir, não deve andar longe daquilo...

JR

Victor Gonçalves disse...

Lembro-me de na Montanha Mágica ler uma bela descrição psicológica sobre o passar do tempo sem necessitar de qualquer exterioridade, naquele caso de livros ou conversas. Dar ao tempo a dimensão do instante e sermos presente passado e futuro, sem Cronos portanto.

Estranho, foi Cronos que veio ordenar o mundo, mas neste caso é ele que traz o sem sentido.

Woman Once a Bird disse...

Caro Dioniso:
É curioso, porque é a passagem do livro que também recordo de imediato quando penso na sua leitura. Belíssima descrição.