sábado, 25 de abril de 2009

TV em sábado à noite - poema de 25

Acabei de ouvir o José Maria Branco a cantar Natália. Também foi por isto que Abril aconteceu:

Dão-nos um lírio e um canivete
e uma alma para ir à escola
mais um letreiro que promete
raízes, hastes e corola

Dão-nos um mapa imaginário
que tem a forma de uma cidade
mais um relógio e um calendário
onde não vem a nossa idade

Dão-nos a honra de manequim
para dar corda à nossa ausência.
Dão-nos um prémio de ser assim
sem pecado e sem inocência

Dão-nos um barco e um chapéu
para tirarmos o retrato
Dão-nos bilhetes para o céu
levado à cena num teatro

Penteiam-nos os crânios ermos
com as cabeleiras dos avós
para jamais nos parecermos
connosco quando estamos sós

Dão-nos um bolo que é a história
da nossa história sem enredo
e não nos soa na memória
outra palavra para o medo

Temos fantasmas tão educados
que adormecemos no seu ombro
sonos vazios despovoados
de personagens de assombro

Dão-nos a capa do evangelho
e um pacote de tabaco
dão-nos um pente e um espelho
pra pentearmos um macaco

Dão-nos um cravo preso à cabeça
e uma cabeça presa à cintura
para que o corpo não pareça
a forma da alma que o procura

Dão-nos um esquife feito de ferro
com embutidos de diamante
para organizar já o enterro
do nosso corpo mais adiante

Dão-nos um nome e um jornal
um avião e um violino
mas não nos dão o animal
que espeta os cornos no destino

Dão-nos marujos de papelão
com carimbo no passaporte
por isso a nossa dimensão
não é a vida, nem é a morte.

2 comentários:

Marta disse...

perfeito :)

beijo, linda

Helena Velho disse...

Há quem diga que a Natália é um poeta menor...não entendo no que se baseiam, no que sentem quando a lêem.Mas, se eu entendesse tudo era assim uma espécie de "iluminada".
Eu gosto muito da poesia que escreveu(e gostava muito dela)!