domingo, 18 de janeiro de 2009

Ser condescendente com a morte*

Um relógio (belíssimo relógio) que regista o tempo no sentido inverso.
A partir de um conto de F. Scott Fitzgerald, David Fincher apresenta-nos uma parábola da obsessão contemporânea com a inscrição do tempo no corpo, catedral amaldiçoada do existir.
É o velho sonho que remete para a procura de uma certa fonte da juventude que finalmente desembocou em alquimias de século XXI, com mulheres e homens que ao invés de envelhecerem digladiam-se diariamente com o registo temporal. Portanto, a premissa é muito simples: e se esse registo fosse inverso?
Não que o tempo não deva deixar a sua marca em nós (não?); apenas queremos que suavize essa passagem, que não nos arraste na decadência do minuto que implacavelmente passa, que não nos lembre que somos finitos, aproximando-nos cada vez mais ao pó através do corpo que diariamente se desfaz.
E assim surge diante de nós um homem ideal: um novo velho que progressivamente se transforma em velho novo. Um homem ao contrário, com uma temporalidade generosa perante o passar dos anos, mas nem por isso menos implacável. Um Benjamin aterrorizado com a possibilidade do rejuvenescimento, de mãos quase dadas com uma Daisy paralisada perante a inevitabilidade do (seu) corpo que envelhece. Em uma das deixas, Daisy afirma que estavam destinados a encontrar-se algures no meio do percurso, quando a coincidência dos corpos lhes permite o reconhecimento do gesto amoroso por algum tempo. Gesto que se interrompe, uma vez mais, pelos corpos mutantes de ambos que reclamam separação aos amantes.
A obsessão contemporânea pauta toda a narrativa e horroriza o espectador. Nada mais perturbante que o espreitar da demência no corpo de uma criança de sete anos, com um passado que se desvanece numa memória envelhecida e o sabor amargo que resta na certeza de que ainda que se engane o corpo e a imagem que dele se cria, a finitude não se engana e não se compadece perante a visão de um recém nascido com o conhecimento do mundo no olhar.

*Título surripiado a Heiddeger

3 comentários:

Blueminerva disse...

Toda a película é um deslumbre, mas aquele final é magistral, um soco no estômago.

beijocas

Anónimo disse...

Eu só achei maravilhoso o relógio, o resto achei mal conseguido... mentalmente não se assiste a nenhum tipo de evolução: é sempre um ser imaturo.

Woman Once a Bird disse...

Percebo a referência a um ser imaturo. Achei-o essencialmente ingénuo, mas dadas as circunstâncias (??) não me pareceu tão descabido quanto isso. :)