quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Mãos sujas

Já aqui o disse uma vez: não tenho qualquer complacência com as questões culturais que implicam a sujeição da mulher. Mas também não me parece justo que se estabeleça uma cisão de tal forma grave que nos justifique o inchaço de peito quando falamos em nós. Não estamos numa trama de desenhos animado em que os bons são claramente bons e os maus indiscutivelmente maus.
No que diz respeito a doutrinas religiosas, nenhuma pensa a mulher de forma justa; e logo aqui as relações a dois estão minadas por este intrincado religioso e cultural que determina e condiciona os papéis de um em relação ao e com o outro. Com justeza, posso pensar que o cristianismo - nomeadamente o catolicismo - tem efectuado um percurso longo e doloroso no sentido de estes padrões se alterarem. Mas está longe, demasiado longe do que se pode e deve esperar. E portanto, não se pergunte por quem os sinos dobram: afinal de contas, dobram por todos nós. (adulteração do texto de John Donne)


"O século XX ter-nos-á ensinado que nenhuma doutrina é, por si mesma, necessariamente libertadora, que todas elas podem derrapar, todas elas podem ser pervertidas, todas têm as mãos sujas de sangue: o comunismo, o liberalismo, o nacionalismo, cada uma das grandes religiões e mesmo o laicismo. Ninguém possui o monopólio do fanatismo e ninguém, por outro lado, tem o monopólio do humano.
Se se quiser lançar sobre estas questões tão delicadas um olhar novo e útil, é necessário ter, em cada etapa da investigação, o escrúpulo da equanimidade. Nem hostilidade, nem complacência, nem, sobretudo, a insuportável condescendência que parece ter-se tornado para alguns, no Ocidente e não só, uma segunda natureza."
Amin Maalouf, As Identidades Assassinas, p. 63

1 comentário:

Sancho Gomes disse...

Aplaudo. O teu texto e o do Malouf.