Já não serves, já não serves
Nunca mais, sapato preto,
No qual tenho vivido como um pé
Durante trinta anos, pobre e branca,
Mal me atrevendo a respirar ou a dar um Atchim.
Paizinho, tinha de ser eu a matar-te
Mas morreste antes de eu ter tido tempo -
Pesado como mármore, um saco cheio de Deus
Estátua lívida com um dedo do pé cinzento
Grande como uma foca de S. Francisco.
(...)
Sempre tive medo de ti,
Com a tua Luftwaffe, a tua lenga-lenga.
O teu bigode aparado
E o teu olho ariano, bem azul.
Homem-panzer, homem-panzer, Ó Tu -
Não Deus mas uma suástica
Tão negra que nenhum céu podia esgueirar-se por ela.
Não há mulher que não adore um fascista,
A bota na cara, o bruto
Bruto coração de um bruto como tu.
Estás de pé junto ao quadro preto, paizinho,
Na fotografia que eu tenho de ti,
Uma cova no queixo em vez do teu pé
Mas sem deixares por isso de ser um demónio, nem
O homem negro que
Mordeu o meu lindo coração vermelho partindo-o em dois.
Tinha dez anos quando foste enterrado.
Aos vinte tentei morrer
E voltar, voltar, voltar para ti.
Pensei que até os ossos me serviam.
Mas trouxeram-me de novo à vida,
E juntaram-me os bocados com cola.
E soube então o que devia fazer. Fiz uma réplica de ti,
Um homem de negro com ar de Meinkampf
E muito entendido na roda dos suplícios.
E eu disse sim, sim.
Portanto, paizinho, isto acabou finalmente.
O telefone negro está desligado da raíz,
As vozes deixam de achar o seu caminho.
Se já matei um homem também posso matar dois -
O vampiro que disse que eras tu
E que bebeu o meu sangue durante um ano,
Sete anos, se queres saber,
Paizinho, agora podes voltar a deitar-te.
Tens uma estaca nesse teu gordo coração negro
A gente da aldeia nunca gostou de ti.
Dança e bate o pé em cima de ti.
Sempre souberam que foste tu.
Paizinho, paizinho, meu sacana, acabou-se.
Sylvia Plath
(exemplar companheira de viagem)
2 comentários:
estou soterrada em Plath até não pder mais. assim como em Lispector. as palavras são aquelas e mais nenhumas.
feliz ano 2009, WOAB!
beijinhos
p.s. fico feliz quando vejo a tua felicidade, vinda desse livrinho.
:-)
Minha querida, somos duas. E a Clarice assume cada vez mais um lugar central na minha vida.
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