sábado, 6 de dezembro de 2008


Quando sentiu o carro a bater soube imediatamente que tinha morrido. Ouviu o estrondo e, de seguida, sentiu o sangue quente e pegajoso a escorrer-lhe pela boca. Mas o pior era o homem do carro de trás, que se dirigia para si, esbracejando.
Quando se aproximou do carro abriu a sua grande boca em forma de gruta e deixou ver os caninos apodrecidos e amarelados das misturas de café e cigarros tardios.
Joana não sentiu medo. Queria fechar o outro olho. Sabia-se morta e a claridade incomodava-lhe o descanso mortal. Esperava, ao menos naquela altura, sentir a paz tão ambicionada.
Nunca sonhara morrer num acidente rodoviário, mas não desprezara os choques mortais ou as quedas acidentais. Ser atropelada é que já estava fora de questão - havia que preservar a integridade na hora da partida e a ideia dos órgãos espalhados pela estrada arrepiava-a.

Foto de Alexandra Estrela

1 comentário:

Táxi Pluvioso disse...

Depende do carro. Se for Bentley ou Ferrari ainda lá vai. Agora ser morto por um Fiat Punto, ou pior, um carro eléctrico do Sócrates é que não.