quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Quando tocadas pelo inantingível *

Há dias felizes. Que não se anunciam quando as pálpebras se abrem e olhamos difusamente para o tecto do quarto, ou para as paredes brancas, ou para a gata amarela que nos fixa curiosa. Os dias felizes não se denunciam imediatamente. Surgem sorrateiros, com uma cadência lenta. Levantamo-nos e parecem exactamente iguais aos outros. As mesmas rotinas; o pequeno almoço estremunhado em pijama, lento, o prolongamento dos gestos na preguiça de quem não quer recomeçar, ainda. O duche morno, a vestimenta escolhida quase por acaso, sem ponderar longamente. Não interessa.
Nos dias felizes, há sempre um acontecimento chave, que despoleta o sorriso. Uma chave de correio, uma escrita inesperada, uma lembrança preciosa que acolhemos no sorriso com que a recebemos.
Nos dias felizes, os amigos dizem-nos, por palavras encriptadas, que pensaram em nós, que leram por/em nós, na impossibilidade de lermos. Dizem da novidade e discutem connosco as possibilidades. Ou apenas simplesmente o amor.
Os dias felizes por vezes aparecem em catadupa, com pequenas situações que nos preenchem as horas e nem nos apercebemos que são mesmo felizes. Percebemos depois, na hora de fechar os olhos, a perder de vista o tecto do quarto ou as paredes brancas ou a gata que insiste em fixar-nos, ainda curiosa.

*Título inspirado em leituras sobre Levinas, mas que em nada compromete o autor.

4 comentários:

Anónimo disse...

Apesar de ter sido um dia conturbado para mim, difícil até, ao ler estas palavras, fico feliz por ti.

Ceridwen disse...

Adorei este post!

Sancho Gomes disse...

Fico feliz por te saber feliz.

jorge c. disse...

Odiei este post. O inatingível não me tem tocado.