sábado, 5 de julho de 2008

"Ver era um crer vacilante. Tudo era talvez. " Hélène Cixous

(Desconheço a autoria da fotografia)

A discussão começou com a Ana, com a sua escrita agressiva e muitas vezes maniqueísta. Gosto do que escreve, da forma como o faz, muito embora por vezes o meu instinto inicial repudie o que escreve. O meu apreço pela sua escrita é proporcional ao desprezo que tem manifestado pelas feministas. Por mim, portanto.
A discussão que lançou com este post, evocando o santo nome do Congresso em vão, despoletou uma grande variedade de respostas por esses blogues fora. Não os linko, porque perdi-lhes, na maior parte dos casos, o rasto.
Mas a questão do véu (e afins) e da excisão feminina é uma questão feminina/ista. E a acusação da Ana parece-me injusta. Pelo menos no que diz respeito à concepção de feminismo que milito.
Recuso-me a afirmar, taxativamente que as mulheres não podem usar o véu. Esse é um direito que lhes assiste, enquanto cidadãs dotadas de livre arbítrio. Mas é aqui que reside o cerne da questão: uma cultura que não promova uma escolha consciente e esclarecida não está, efectivamente, a permitir que a mulher assuma essa decisão conscientemente. Logo, na minha óptica, não há padrão cultural ou preceito religioso que o valha que justifique uma violentação tão grave à liberdade do outro, que neste caso é a mulher (nem agenda política, ou interesse económico - e sobre isto escreverei um dia).
No que diz respeito à excisão, a única que tolero é a que corte definitivamente com estes costumes milenares. Sem piedade, com a agravante de que o ritual não acontece na infância do mesmo. Dura há demasiado tempo.
O exemplo que a Luna apresenta não me suscita dúvida; não me incomoda que uma mulher minimamente dotada de liberdade escolha velar-se. Escolheu - espera-se que - conscientemente. Tal como as religiosas cristãs a determinada altura escolhem pelo uso do véu. Mas a uma mulher que nunca teve oportunidade de vivenciar a possibilidade de escolha endereço o meu pensamento, a minha fé fervorosa de que lhe é amputado um direito fundamental que a mim me foi ofertado: o direito de (quase) livre escolha.

2 comentários:

samya disse...

Não tenho nenhuma duvida que muitas mulheres usam o véu por escolha propria, o que me preocupa é o que condiciona algumas mulheres, ou meninas, a usar o véu. Minha total imcompreensão e aceitação do véu é o seu significado tão distante de principios que me são caros. Começar a usar o véu para se fazer respeitar, cobrir o corpo porque somos um perigo e uma tentação ambulante, acreditar que homens são quase bestas e cabelos descobertos, um colo à mostra ou pernas ou sol seriam uma provocação ao sexo oposto e um desrespeito ao nosso proprio corpo me parece a coisa mais absurdamente estupida que so possa pensar e a mais preconceituosa, rebaixamos assim os homens ao grau de animais, sem discernimento e sem controle.
Quanto à infibulação, tive uma discussão numa aula de antropologia com um professor muito relativista que apregoava que o desejo feminino não modifica com uma "simples", sim, ele disse simples, transformação anatômica. A minha resposta foi clara: Se o senhor me permite de cortar ai o que carrega pendurado poderemos ai ter uma conversa de igual para igual. Resumo da historia; ele atestou que eu nunca seria uma antropologa competente, apaixonada demais para o seu gosto, e a mais baixa nota de todo o curso.
Mas foi tão bom ver a cara dele.
Desculpe pelo comentario imenso, mas as vezes tenho umas certas dificuldades para me calar. Um grande abraço com a admiração de sempre.

Woman Once a Bird disse...

Minha querida Samya:
Muito obrigada pelo seu comentário. A mim também me incomoda essa relativização e isso acontece geralmente quando o outro é muito distante de nós. A capacidade para se colocar na sua pele já é um exercício mais complicado - como se viu pela atitude pouco profissional do seu professor. Pelos vistos, a capacidade de relativização do senhor só se aplicava em determinados casos. Um professor que não consegue lidar com a capacidade crítica dos seus alunos deixa muito a desejar.
A admiração é mútua. Abraço. ;)
Se