quinta-feira, 3 de julho de 2008

Da desconstrução


Após três dias de congresso, com múltiplas discussões, reflexões - contentamentos e decepções também - saio com a convicção de que quebramos o silêncio. E quebrar o silêncio é sempre uma violência para o instituido, uma violência para os que, confortavelmente instalados, dissertam sobre o que fizemos e dissemos. Aliás, a maior parte dos confortavelmente instalados - mas ainda assim "ligeiramente" incomodados com o que se passava - espreitou apenas as parangonas (as letrinhas maiores, claro está) e imediatamente começou o discurso verborréico e secular dos lugares comuns repetidos.
Reina o estereótipo e o preconceito, neste reino de que vos falo. O mesmo que ainda hoje fala dos soutiens que nunca foram queimados nas nossas praças e que ignoram as agressões que sofreram algumas das nossas mulheres, porque se atreveram a desafiar os senhores das poltronas. Porque as houve. Porque ainda as há. Exactamente porque incomodam e abalam algumas das estruturas mais emperdenidas e ferrugentas que exortam ao deixa estar que estamos muito bem e tempos melhores chegarão naturalmente, preferencialmente distantes do nosso.
Porque incomodamos e abalamos - e fomos mais de 500, e somos muitas/os mais - e porque pacifica e cordialmente propusemo-nos a pensar as questões de todas e de todos nós. Que nos importamos e nos empenhamos e ignoramos os/as senhores/as da verdade e do discurso descansadinho de que até aqui estamos muito bem. Não estamos. E apenas quem se contenta com o seu umbiguinho satisfeitinho é que julga que estamos no fim da linha. Ou melhor, que o futuro só por si resolverá o problema sem que levantemos um dedo - ou um pensamento.É preciso que, pacientemente, partamos pedra. E o Congresso Feminista 2008 foi um bom exemplo disso.
Somos porvir - um porvir que não acredita no destino. O futuro somos nós, que o desenhamos a partir do aqui e agora.

2 comentários:

António Conceição disse...

"Porque incomodamos e abalamos - e fomos mais de 500, e somos muitos mais - e porque pacifica e cordialmente propusemo-nos a pensar as questões de todas e de todos nós"

Mas será que vocês não percebem que o vosso drama existencial é precisamente que não incomodam absolutamente nada? Que estão integradinhas e confortavelmente instaladas?
Veja, por exemplo, a minha cara WOAB a sua frase final: "Somos porvir - um porvir que não acredita no destino. O futuro somos nós, que o desenhamos a partir do aqui e agora."
Isto diziam os católicos menos reaccionários há 40 anos ("anda, vamos embora que esperar não é saber. Quem sabe faz a hora do que espera acontecer". Ainda não era nascida, mas já deve ter ouvido).

Woman Once a Bird disse...

Caro Funes:
Começo pelo fim: não conheço o dito dos católicos menos reaccionários.
E permita-me que acrescente: se não incomodamos absolutamente nada, então pergunto-me porque se deu ao trabalho para me responder. Da mesma forma que me pergunto porque MST se deu ao trabalho de escrever tão excelsa crónica do alto do pedestal em que se coloca (denunciado pelas primeiras palavras que se atreveu a escrever).
Se não incomodamos absolutamente nada, então que nos deixem passar em silêncio. Mas a verdade é que isso não acontece, pois não?

Caro Funes, ressalvo que o tenho em muito melhor conta que ao MST. Apesar de me dizer que estou integradinha e confortavelmente instalada - o que é verdade. Mas desinstalo-me já, que é tarde e é hora de procurar outros confortos.