Ostenta a sua figura como se tivesse a estampa de Apolo em vez da forma anafada que lhe cobre as entranhas. Exprime-se sempre com um esgar que tenta fazer passar por um sorriso - acredita que é o cerne da sedução - esse sorriso que durante anos fez as delícias do sexo oposto.
No topo do seu auto-retrato distorcido encontra a lista que encara como O troféu da sua vida. Nasceu para aquilo, gabava-se à boca cheia; apercebera-se do seu grande talento para a conquista enquanto gatinhava, situação que se recusou abandonar verdadeiramente ao longo da existência. Pedir, implorar era algo natural para o fim maior que era a sedução. E encontrava conforto nesta justificação. Para si, era a explicação plausível, aceitável para os seus miolos azedos. Por vezes tentava ser decente, mas considerava a empreitada algo difícil, quase impossível de concretizar. Espantava-se quando lhe apontavam que o sorriso não era genuíno.
Articulava meia dúzia de frases feitas com a convicção da sua eloquência. Nunca gaguejava, mas por vezes calava-se, em jeito de birra - não, birra nunca, isso era coisa de crianças, não para si, só os outros tinham birras. Este ser superior tinha momentos de circunspecção, de interior recolhimento para aguentar o vómito que lhe invadia a boca nos raros momentos de auto-iluminação. Quando se olhava no espelho via a figura perfeita. No corpo velho, enrugado e com as peles soltas que não cabiam no seu reflexo, só via a juventude há muito perdida. Dizia que a hesitação e incertitude da sintaxe reflectiam a erudição que não permitia respostas imediatas, sem um pensamento prévio acerca do assunto: "porque há temas e temas e só os incautos dizem as coisas sem pensar".
* quid pro quo: título de WOAB, ambas temos inclinação para outros idiomas.
A foto é de Philippe Halsman, 1951
No topo do seu auto-retrato distorcido encontra a lista que encara como O troféu da sua vida. Nasceu para aquilo, gabava-se à boca cheia; apercebera-se do seu grande talento para a conquista enquanto gatinhava, situação que se recusou abandonar verdadeiramente ao longo da existência. Pedir, implorar era algo natural para o fim maior que era a sedução. E encontrava conforto nesta justificação. Para si, era a explicação plausível, aceitável para os seus miolos azedos. Por vezes tentava ser decente, mas considerava a empreitada algo difícil, quase impossível de concretizar. Espantava-se quando lhe apontavam que o sorriso não era genuíno.
Articulava meia dúzia de frases feitas com a convicção da sua eloquência. Nunca gaguejava, mas por vezes calava-se, em jeito de birra - não, birra nunca, isso era coisa de crianças, não para si, só os outros tinham birras. Este ser superior tinha momentos de circunspecção, de interior recolhimento para aguentar o vómito que lhe invadia a boca nos raros momentos de auto-iluminação. Quando se olhava no espelho via a figura perfeita. No corpo velho, enrugado e com as peles soltas que não cabiam no seu reflexo, só via a juventude há muito perdida. Dizia que a hesitação e incertitude da sintaxe reflectiam a erudição que não permitia respostas imediatas, sem um pensamento prévio acerca do assunto: "porque há temas e temas e só os incautos dizem as coisas sem pensar".
* quid pro quo: título de WOAB, ambas temos inclinação para outros idiomas.
A foto é de Philippe Halsman, 1951
7 comentários:
Também perfeita desculpa para não o fazer (pensar).
Ceridwen este seu texto fez-me pensar!! Que abjecta criatura nos descreve!!
Muito boa noite para si.
Não resisti.
Fui ao Mundo Perfeito e encontro um texto belíssimo, como todos de resto os que por lá se encontram.
Remeteu-me ao seu.
http://omundoperfeito.blogspot.com/2008/01/come-me.html
1º Narciso é seu nome.
2º A Mãe o criou assim. "O meu menino coitadinho é tão lindo..."
3º Seria simplesmente triste, se não magoasse quem depositou amor confiança, ternura e esperança...nele.
Conheço alguns assim.
Eu sou uma criatura linda, muito linda, lindíssima, tão linda que quase cego (uso óculos de sol, não vá o diabo…).
Sou inteligente e tenho diplomas. Consegui os meus diplomas em fábricas de grande prestígio.
Já li muitos livros. Foram tantas as minhas leituras que, por vezes, até confundo moinhos com monstros e fico muito contente que isso aconteça porque é um clássico.
Sou muito feliz porque amo muito. O amor, para mim, é como o mar e como o céu e ambos são curiosamente azuis. O amor é também belo que, consequentemente, rima com amarelo.
Dorian Gray
Queria eu dizer, com o meu primeiro comentário, que a criatura provavelmente padecia do mal de muitos: parecer é sempre melhor que ser. E a empáfia geralmente é apanágio desse tipo.
queria dizer que adorei este texto. a fotografia também é magnífica.
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