... houve uma área para fumadores no meu local de trabalho. Uma saleta manhosa com duas mesas redondas, cinzeiro ao meio e dois sofás a um canto. Um extractor de fumo decrépito e cortinas amarelas compunham o antro. Do outro lado, a sala mais ampla direccionada para os não fumadores. Também muito mais barulhenta e pouco suportável. As duas salas estavam separadas por uma estrutura envidraçada que permitia os olhares indiscretos de parte a parte.
Desde que regressamos ao trabalho, a sala maldita está diferente. O extractor escapuliou-se para alguma arrecadação bolorenta, os cinzeiros votados ao esquecimento na cozinha do bar. Mudou-se uma das mesas redondas para uma seriíssima mesa rectangular, nitidamente à espera de reuniões mais burocráticas. Enconstaram-se outras tantas à parede, individuais. À entrada, a risível inscrição: sala de trabalho.
Desde que se soube que esta sala estava condenada, que alguns dos frequentadores da outra margem manifestavam, de sorrizinho apertado, que a sala tinha os dias contados. Nestes primeiros dias, só se atrevem a lá entrar para mais uma vez manifestarem o quão felizes estão pela cessação da sua função primordial. Uns debochados, na verdade, que largam a piadola e desaparecem novamente para o outro lado, muito satisfeitos com o papel que acabaram de desempenhar. Sempre tive dificuldade em perceber: se o que incomoda é a partilha do fumo, então porquê tanta manifestação de satisfação mesquinha pela extinção do sítio que permitia, civilizadamente, a escolha?
Neste início de mês, fui das primeiras a frequentá-la, acho. Continua a ser a minha sala e obviamente não abdico do prazer de conseguir fugir ao burburinho ensurdecedor do outro lado. Os restantes permanecem no lado de lá, o lado que sempre foi "saudável" e continua por legendar. Que por lá fiquem e abençoados sejam. Pouco me importo que não se fume; desde que se mantenham na outra margem e deixem a minha em paz. Com legenda e tudo.Desde que se soube que esta sala estava condenada, que alguns dos frequentadores da outra margem manifestavam, de sorrizinho apertado, que a sala tinha os dias contados. Nestes primeiros dias, só se atrevem a lá entrar para mais uma vez manifestarem o quão felizes estão pela cessação da sua função primordial. Uns debochados, na verdade, que largam a piadola e desaparecem novamente para o outro lado, muito satisfeitos com o papel que acabaram de desempenhar. Sempre tive dificuldade em perceber: se o que incomoda é a partilha do fumo, então porquê tanta manifestação de satisfação mesquinha pela extinção do sítio que permitia, civilizadamente, a escolha?
Fotografia de Henri Cartier-Bresson
9 comentários:
É incompreensível, esse rigozijo. Estamos na mesma luta, camarada! (nem acredito que ando a dizer estas coisas).
Não sei se já viu mas tenho dois sítios com mapas para fumadores no blog, na barra da direita.
Bom fim-de-semana.
eu não fumo, mas acho que realmente é um exagero estas medidas.
Ontem, experimentei um passinho de dança num local pequeno - que lembrava o Rugby. Poucas pessoas acenderam o cigarro no recinto, o qual tem uma saída para um pseudo-claustro onde se concentrava uma nuvem formada pelos fumador@s. Alguns destes encontraram também um local alternativo (suspeito que não autorizado) para fumar - o corredor de acesso aos sanitários. Da minha parte gostei bastante de estar num local cheio de gente e sem fumo. O grande inconveniente foi ter de ficar com o casacão a noite toda - optámos por formar um monte de casacos no chão - porque o local de fumadores (o tal que descrevi) era sob a noite gélida e eu, também fumo.
Quanto ao local de trabalho... no primeiro dia ainda resistiam dois espaços para fumadores: as escadas - que têm portas de vidro - e uma sala com uma janela. Dois dias depois, após ter ouvido um comentário de um indivíduo que entrou no espaço e se saiu com um "temos que chamar a ASAE" antes de se aperceber do sinal azul que permite fumar no local, os autocolantes tinham sido retirados. Já só se pode fumar na rua. Mas ainda assim, ainda não basta. Um colega saiu-se com esta: "que pena ter parado de chover! Devia chover o ano todo!". Ocorreu-me que também lhe podia ser cortada a língua....
Benditos os que fumam, pois deles será o Reino dos Céus!
Pelo menos, mais rapidamente que os restantes, dizem.
Sou um acérrimo não fumador pró-tabaco. O problema desta gente é que não têm cabeça para pensar por elas; deixam-se moldar pelo que um bando de iluminados sugere. Para mim é incompreensível que não se possa fumar em bares, cafés, discotecas, etc... Ninguém me pode explicar isto. No máximo admitiria que o dono do bar ou do café permitisse ou não o fumo; mas nunca uma imposição vergonhosa deste tipo.
Quanto aos locais de trabalho, a mesma coisa: um pouco de bom senso e toda a gente teria o seu espaço sem incomodar ninguém.
Grande fotografia! Não conhecia. Belo texto Woman.
A foto é do Cartier-Bresson, não é?
Muito obrigada, Bartleby.
É sim do Cartier-Bresson, Jorge C. E como corre a 2.ª semana?
Que estupidez, a autoria da fotografia estava em baixo. Imbecilidades minhas, típicas.
Eu frequeto um «clube de amigos» durante a semana, um género de um speakeasy só para conhecidos do dono do espaço e de resto no pinguim pode-se fumar. Por isso estou á vontade (isto tudo durante a noite).
Durante o dia tenho feito boicote. Tomo só um cafezinho rápido no sítio do costume por hábito, mas já não fico na conversa.
Ou seja, arrasto-me por aí.
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