sábado, 19 de agosto de 2006

"A verdade estava no meio, nem dita nem calada."


"O maior processo do século começa com um réu fantasma. Ela quis ver com os próprios olhos o único criminoso de guerra nazi sobrevivente face aos juízes de Israel, e é isto! O homem é insignificante. (...)
Afinal, não passa de um cabrito encurralado, a balir. Perturbada, apercebe-se que o medo vem dela própria. Da banalidade de um processo de justiça quando estava à espera da grandiosidade do teatro antigo com o castigo solene do culpado. Tem medo da banalidade do homem, da banalidade do réu, da do procurador de Israel, da do público, e até das pobres testemunhas.
Teme sobretudo descobrir o pior de tudo: a banalidade do próprio mal, uma vez que o mal teve que passar por aquele homenzinho apagado. (...), não duvida, nem por um instante, da culpabilidade do réu. Mas também não duvida, nem por um instante, de que diante dela não está o verdadeiro culpado.
O verdadeiro culpado está em todos. Sem excepção."

(Catherine Clément, O Último Encontro)

O anti-semitismo não começou com o Partido Nazi de Hitler, nem tão pouco circunscrito a um País. A barbárie permitiu-se, porque teve todo um berço de ouro, de séculos de cultivo de ódios além fronteiras e que sobreviveram ao holocausto dos campos nazis; Adorno fala-nos sobre isso, quando apresenta o anti-semitismo vivo e saudável nos EUA, nos anos seguintes à 2ª Guerra Mundial.
Se evoco tudo isto, é porque parece-me que sentimo-nos muito tranquilos com a possibilidade de apontarmos os outros, como se tocássemos exactamente na ferida, esquecendo que foi provocada muito antes e que foram muitos mais os punhais do que aqueles que são acusados. Acima de tudo, tendemos a esquecer o peso que os ódios mais comezinhos têm a longo prazo. O que começa por aversão, ao longo dos tempos termina em ódio, desejo de extermínio, a face do mal cada vez mais visível e extensa... Até ao desferir do golpe, até ao horror imediato - logo esquecido, porque placidamente continuamos a alimentar velhos (e novos) preconceitos.
Permitimo-nos diariamente a pequenos ódios, raivas e amarguras, esquecendo que podem crescer sobremaneira...
Há uns anos atrás, através de um documentário transmitido pela 2, soube que não se ouvem as composições de Wagner em Israel; na altura, não deixei de pensar que perdiam por não separarem o homem do músico, por não usufruírem do que de bom conseguiram escrever aquelas mãos numa pauta de cinco linhas. Com Heidegger, a história repete-se; o homem inscrito no partido nazi, o reitor que redigiu elogios ao Führer precede muitas vezes o filósofo do pensamento vagabundo.
Nos tempos que correm, de mão na boca, desde que veio à tona o passado de Günter Grass. Todos os que nunca saíram da segurança das suas casas e dos seus redutos morais, apressam-se a alegar a legitimidade de lhe retirar o direito de escrever o que escreve, como escreve e porque escreve.
Mais uma vez, a história repete-se; na cegueira de quem se esconde no conforto de nunca estar confrontado com um verdadeiro dilema, de nunca ter sido confrontado com a escolha, com uma tomada de posição. Mas uma tomada de posição que não se esbata nas letras de uma coluna de opinião, que se arruma assim que se fecha o jornal. Ou na página do blogue.
(O título do post também pertence ao Último Encontro de Clément).

9 comentários:

Anónimo disse...

olha WOAB, gostei muito desta reflexão.
Eu sou declaradamente contra a guerra, penso que se deve recorrer a todos os meios para acabar com ela! Há muitos inocentes envolvidos...Onde está a humanidade?!

Anónimo disse...

contudo, eu entendo a posição de Israel... o terrorismo não pode ganhar terreno...

Woman Once a Bird disse...

E o que entendemos por terrorismo? Porque muitas vezes, supostos estados de direito assumem acções que, noutro contexto, seriam consideradas terroristas. Onde está a linha? O que a legitima? Com isto não defendo os grupos terroristas (como o Hezbollah), mas parece-me que os critérios têm que valer para todos os envolvidos.

Woman Once a Bird disse...

Mas e a tua perspectiva quanto a toda esta polémica quanto a Günter Grass?

Anónimo disse...

mas o seu mérito é reconhecido (prémio nobel!!)! Contudo, se eu fosse judia... não sei qual seria o meu posicionamento! questão muito complexa!

Sancho Gomes disse...

Bom post, WOAB.

Sabes, não sou apreciador de Grass, nunca fui, mas também não sou tão célere a condená-lo. Não sei como seria ter 16 anos em pleno regime Nazi...
Agora não me parece lá muito razoável ele ter escondido esse facto durante tantos anos. Porque sinceramente não acho que houvesse razões para essa omissão, na medida em que todos sabemos que a propaganda nazi foi exímia em lavagens cerebrais. But, then again, foi uma escolha pessoal, contra a qual nada posso!
Beijos

Anónimo disse...

qd a obra é grandiosa e digna de mérito ela supera o próprio criador... penso eu de que! : ))

Anónimo disse...

digo nefertiti

Anónimo disse...

woman once a bird,

afinal que entendes por terrorismo?