quarta-feira, 7 de junho de 2006

Ainda O Código da Vinci


Bem sei que estamos já todos fartos de ouvir falar desta polémica, fruto do livro de Dan Bronw e recentemente avivada pelo filme. No entanto, não posso deixar de trazer à discussão algo que me irrita profundamente quando ouço ou leio alguma coisa acerca deste tema: Já todos sabemos que o livro é uma obra de ficção (afirmação anunciada no discurso de quem fala sobre o assunto, como se estivesse a ser iluminado por uma revelação, quiçá, divina). O que normalmente é (propositadamente?) ignorada na discussão é a ideia (umas das principais do livro, se não A principal, dependendo de quem o lê!) de que Jesus terá acreditado na paridade dos sexos na religião e que inclusivamente terá passado o seu testemunho a uma mulher e não a Pedro, como ditam os quatros evangelhos admitidos pela instituição católica. No entanto, este pequeno grande pormenor é inteligentemente ignorado, colocando-se sempre a tónica, quando o assunto é trazido à mesa, para o facto de Jesus Cristo, segundo o romance em causa, ter casado ou não, ter tido filhos ou não, enfim ser divino ou ter sido simplesmente um homem com uma Grande Visão, reduzindo, assim, a discussão a comentários que se poderiam equiparar a quem comenta a vida privada dos VIP's na revista Caras ou mesmo na Holla!.
Mais uma vez a questão da importância e participação do feminino numa instituição que influenciou irremediavelmente a humanidade e a forma desta ver o mundo e o (sagrado) feminino é passada para segundo plano ou simplesmente ignorada, mesmo quando sugerida por uma obra de ficção, como nos fazem sempre questão de lembrar (e que eu não tenho qualquer dúvida que realmente o seja). Não vá a ideia pegar! Por isso, o melhor é continuarmos a fingir que essa hipótese nem terá sido colocada..... mesmo que num livro de ficção....Quanto a mim, a ideia principal do livro não é se Jesus foi ou não casado, se teve uma vida privada ou não, mas sim a sugestão (fundamentada ou não) de que na visão de Cristo a mulher teria um papel igualitário ao homem e inclusive seria a primeira a continuar a sua obra, ao lado do segundo (juro que não fiz de propósito!).
Parece-me que de cada vez que alguém ignora este pormenor do enredo, nas suas dissertações teóricas, mais uma vez se ignora a ideia de que a mulher poderia ter tido uma participação mais activa na sociedade e que este direito foi-lhe simplesmente vedado. Até porque o que realmente interessa é se realmente Jesus Cristo teve uma mulher ou não... tal como a discussão (e perdoem-me a comparação) se Bill Clinton teria ou não tido um caso com a estagiária ao invés de discutirmos aspectos realmente importantes da época.
A atenção da opinião pública é sempre desviada para aquilo que enche mais o olho e as más línguas e não o pensamento, não vá o povinho ter ideias peregrinas...

12 comentários:

Anónimo disse...

A questão do papel igualitário é fundamental para termos uma sociedade equilibrada, no entanto não devemos tentar (nós mulheres) fazer a mesma asneira que os homens fizeram que é querer ser superior ou mostrar que são superiores.
O equlíbrio está na igualdade na desigualdade.

Vénus disse...

Não me parece que tenha colocado a questão dessa forma... apenas referi o facto de achar que se desvalorizou uma ideia que me parecia importantíssima no livro relativamente a outra que me pareceu acessória.
No entanto, acredito que a paridade assenta na valorização e representação dos dois géneros, consequentemente as diferenças também e vantagens que estas possam trazer à sociedade. A questão é que essa paridade nunca foi permitida nas diversas instituições, nomeadamente as religiosas.... e continuamos a querer desvalorizar essa possibilidade.

Sancho Gomes disse...

Lady,

antes de mais parabéns pelo post. Gostei de ler, apesar de não concordar.

Pretender que o livro questiona as "opções" - chamemos-lhes assim, em falta de melhor - da Igreja ou de Jesus em relação à paridade dos sexos é emprestar uma profundidade e até qualidade que o livro manifestamente não tem.

O objectivo de Dan Brown é óbvio e assumido: desacreditar e difamar o dogma fundador do Cristianismo que é o facto de Jesus ser Deus. O autor assume, em todas as entrevistas que concede, que toda a obra é baseada em factos concretos - repare-se nos preciosismos do seu site -, destituindo Jesus de toda a Sua Divindade.
Por outro lado, não concordo que a Igreja tenha passado para segundo plano o Sagrado Feminino: a importância de Maria, o culto Mariano, é bem prova de que a Mulher está no centro da espiritualidade Cristã.
Cumprimentos,

Anónimo disse...

Se Jesus era divino ou não é algo que pode ficar ao critério de cada um (não é um filme que vai abalar a minha crença ou fé)... Agora se Cristo era uma pessoa com uma visão avançada da justiça, a mulher pode ter tido um papel igualitário na "comunidade" que ele formou. Os seus contemporâneos é que o não devem ter visto com bons olhos (mas isso sou eu a especular). Mas é claro que isso de papel igualitário no Cristianismo foi compensado! Até porque há um objecto no pomposo ritual católico cristão ministrado SÓ pelos homens, padres, que as mulheres não podem tocar: a custódia (falo com conhecimento de causa e só para dar um exemplo do cristianismo actual). Esta obro pode até ter o papel de lembrar alguns princípios do papel activo em qualquer comunidade.
Não li a obra nem vi o filme... Irei ver este fim de semana.
Amei ler esta observação. bjs

Vénus disse...

Não pretendo defender Dan Brown nem os seus propósitos com este livro..... mas se o livro não tem profundidade nem qualidade para questionar as "opções" da igreja quanto à paridade, parece-me que também não o terá para questionar a divindade de Jesus Cristo....

Quanto ao culto mariano, realmente tens razão: é, de facto, um dos grandes pilares da fé cristã e ainda bem que assim o é! O que lamento é que tanto Maria como as outras mulheres que foram consideradas Santas tenham sido, na sua maioria se não todas, enaltecidas pela sua alegada virgindade, ou defesa da mesma até ao extremo. Parece-me que “oferece” essas duas possibilidades, que irão definir se é uma mulher digna de ser adorada ou depreciada: ou a mulher é santa (virgem) e um modelo a seguir e a adorar ou então é pecadora... não existe meio termo!

Anónimo disse...

O Culto de Maria, a mãe de um Deus feito hoeme, sofredor pela humanidade, ressuscitado ao terceiri dia, conforme as Escrituras, representa uma tentativa cristã, bastante suavizada de restituir à mulher o lugar perdido. Maria não é a Terra. maria não é a Deusa Mãe. Maria, Virgem e Imaculada é a Mãe do Céu. Quem é que precisa de uma Mãe do Céu? Ninguém!
Gosto de um «pequeno pormenor», para usar as palavras de lady : Deus, fez-se Homem, pelo corpo (útero) de uma Mulher.
No Princípio não era o Verbo. No Princípio era o Útero.
Nós, Lady, necessitamos é de ensinar aos guerreiros a não amarem a espada. Algumas de nós estam com eles.

Anónimo disse...

Bem, não vou corrigir o comentário anterior, porque não me apetece e toda a gente o entenderá.
Em relação ao Clinton, o assunto já está mais do que resolvido. Ela estava de joelhos. Ele ou ela, já nem sei, ficaram com uma nódoa denunciadora. Assim rezam os escritos do acto.

Vénus disse...

"Deus, fez-se Homem, pelo corpo (útero) de uma Mulher." Bem visto Gaia ;)

Sancho Gomes disse...

É óbvio que não é um livro qualquer que abana a minha crença. É óbvio que este livro em particular não tem qualidade para beliscar a doutrina da Divindade de Jesus. Mas esse é um objectivo assumido de Dan Brown, ao contrário daquele que a Lady pretende encontrar. Por isso é que falava em profundidade. É preciso um enorme exercício de boa-vontade para encontrar a questão da paridade dos sexos nesta obra.

Mas sim, tenho receio que leitores mais incautos caiam naquela armadilha do “factos” que o autor coloca antes da ficção. Por outro lado, o livro e o filme, que foi muito bem acompanhado por Dan Brown, contêm outras armadilhas bem montadas: como o facto de afirmarem que as obras que comprovam que o Priorado de Sião é um embuste foram forjadas pelo próprio Priorado para manter a sua identidade secreta.

Já em relação à virgindade de Maria, lembre-se que a Igreja também defende a virgindade de Jesus. E existem muitas outras santas que de virgens não tinham nada (ou pelo menos a sua virgindade não é defendida pela Igreja): Maria Madalena e Santa Rita, só para dar dois exemplos.

Maria não é Terra: mas porque raio é que teremos que olhar para o Sagrado Feminino numa perspectiva celta? Não sou grande especialista, mas acho que o Sagrado Feminino é apresentado noutras religiões numa perspectiva mais etérea.

Bom fim-de-semana a todas!

Anónimo disse...

Eu realmente sou muito suspeita para falar neste assunto, porque além de não ter lido nem visto a estória de Brown, não gosto minimamente da concepção (actual) deste cristianismo muito à base de dogmas e hierarquias aflige-me um bocado!
Divino fim-de-semana para todos

Vénus disse...

Sancho:

Só para esclarecer um aspecto que acho que te está a escapar: eu não pretendo discutir o livro propriamente dito, nem muito menos a legitimidade de Dan Brown para pôr em causa os dogmas etc., etc., etc.
O que eu pretendo discutir é a atitude de quem tem comentado o assunto, inclusivamente no nosso país, comentários esses que Dan Brown nem chega a ter conhecimento, muito provavelmente. Normalmente tem sido discutido e por isso valorizado APENAS um dos aspectos considerados no livro (a divindade de Jesus, se foi ou não casado, etc. etc....) em detrimento de outro aspecto tão ou mais importante contemplado no mesmo, a questão do legado de Jesus Cristo SUPOSTAMENTE ter sido passado para Maria Madalena e não para Pedro.
Não estou a querer discutir se foi assim ou não que os factos realmente aconteceram, até porque qualquer pessoa minimamente inteligente precisa de fontes bem mais credíveis do que um simples livro (com qualidade ou não, fictício ou científico).... o que me incomoda é que as pessoas têm discutido se Jesus foi ou não Divino, teve ou não teve esposa, mas desvalorizam o facto do livro considerar a hipótese que o legado foi passado para uma mulher, trazendo novamente a ideia de que se calhar a mulher deveria ter um papel mais activo na igreja; no entanto, ao que parece isso nem valesse a pena ser considerado na reflexão das pessoas.

E da mesma forma que vês Jesus como divino por uma questão de crença (e se queres saber da minha opinião, eu também), outras pessoas podem ver o Sagrado feminino numa perspectiva Celta (como eu também a vejo) com o mesmo argumento.... crença! E isso, meu amigo, não se discute....

Bom fim de semana a todas e a todos ;)

Woman Once a Bird disse...

Caro Sancho:
Agora meto também eu a colher. A divindade feminina etérea das outras religiões não me interessa. Ponto.

Mas, já que tocamos nisto, se calhar porque o próprio Cristianismo foi beber alguns dos cultos celtas e os integrou nas suas celebrações. E, portanto, o cristianismo só é etéreo quando lhe interessa.
Também será preciso mais que uma data de dogmas a tresandar a naftalina para que eu abdique da minha concepção de feminino e, quiçá, de divindade. Mas, certo é que séculos de cristianismo podem reduzir-se ao seguinte: no que diz respeito ao feminino ou santificamos (que é diferente de divinizamos) ou queimamos (e durante algum tempo a segunda opção foi literal).
Em segundo lugar, parece-me que não leste bem o post da Lady. Não é uma apologia ao Dan Brown e muito menos ao livro. Apenas foca um dos conteúdos - que vai muito para além do livro.