domingo, 12 de fevereiro de 2006

Gizar tudo a branco ou negro...


Asseguro que tentei escapar-me a postar sobre o assunto que invade a (des)ordem das coisas, desviar-me das palavras que circulam à velocidade da escrita e da leitura. Mas neste momento, pousando as Identidades Assassinas de Amin Maalouf e a propósito de um post do paladino da memória (e a propósito de muito que tenho lido por vários blogs e respectivos comentários), deixo-vos as palavras deste Libanês em terra de ninguém, no limite da pertença, a travessia no fio da navalha - onde termina e começa o oriente ou onde começa e termina o ocidente:

"Por facilidade englobamos as pessoas mais diversas no mesmo vocábulo; por facilidade também, atribuímos-lhes crimes, actos colectivos, opiniões colectivas - "os sérvios massacraram...", "os ingleses destruíram...", "os judeus confiscaram...", "os negros incendiaram...", "os árabes recusaram...". Emitimos friamente juízos sobre esta ou aquela população que consideramos "trabalhadora", "hábil", ou "preguiçosa", "susceptível", "manhosa", "orgulhosa", ou "obstinada", juízos que terminam muitas vezes em sangue."

E por isto dizia que toda esta questão dos cartoons, como tem sido tratada a partir de uma dualidade asséptica, "eles contra nós" ou "mundo ocidental versus mundo islâmico", causa-me algum tremor. É que partir de um horizonte tão redutor, implica deixar bem claro o que entendemos por cada um destes (solitários) mundos, esquecendo desde logo as incontáveis nuances, assimetrias, duplicidades, desvios, mudanças de cor - que são decisivas e que estão inscritas a fogo na carne de cada um de nós.
Como encegueirar e recusar tudo isto? E porque tudo isto já foi dito de forma sublime, continuo (e termino) com Maalouf:

(...) parece-me importante que cada um de nós tome consciência do facto de que as nossas palavras não são inocentes e de que as mesmas contribuem para perpetuar preconceitos que demonstraram ser, ao longo da História, perversos e assassinos.
Porque é o nosso olhar que aprisiona muitas vezes os outros nas suas pertenças mais estreitas e é também o nosso olhar que tem o poder de os libertar."


(Fotografia de Man Ray)

4 comentários:

rps disse...

Já o disse por aí, no Aristóteles, presumo: tenho alguma dificuldade em falar sobre o tema. Nem postei sobre isso nem nada. Mas, bolas! Esses argumentos não contrariam o essencial: nós tolerámo-los, eles não nos toleram...

Nefertiti disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Nefertiti disse...

O Nós e o Eles... Lá está a grande dualidade!

Woman Once a Bird disse...

Caro Bartebly, fizeste-te entender perfeitamente; e também espero (quase uma prece, não é?) que na espiral de intolerâncias mútuas que temos vindo a verificar, consigamos aquilo que apontas. :)