quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Diário de uma gata amarela de 12 anos*


Acordo.
Vou até à casa de banho e exijo que me abram a torneira do bidé.
Bebo água e regresso à cama.
Exijo festas. Quando tal não acontece, dou umas lambidelas de aviso nas mãos dos escravos. Se não reajem imediatamente (são lentinhos, deusa minha), mordo os dedos para os incentivar a cumprirem com as suas obrigações.
Canso-me de festas e salto para o chão.
Exijo que me abram a porta.
Desço as escadas a correr e encaminho-me para a cozinha.
Vou até ao prato. Recuso os restos do jantar. Biscoitos novos, precisam-se.
Já mais compostinha regresso ao quarto. Casa de banho. Bidé. Água, por favor.
Satisfeitas as necessidades básicas, dedico-me a esticar as patas na cama macia e preparo-me para as atividades matinais: ver televisão (com um olho aberto que com os dois é esforço desnecessário), adormecer e ressonar.
Ao almoço acordo e faço os alongamentos: patas da frente e, se estiver bem disposta, patas traseiras também. Arqueio o tronco e abro a boca (os maxilares também se alongam). Exibo os dentinhos, a anunciar que estou pronta para nova pratada de biscoitos.
Desço as escadas a correr até à cozinha. Exijo novos biscoitos no prato, que os que restam do pequeno-almoço de certeza que estão demasiado moles.
Vou até à varanda, enquanto a família almoça na mesa da sala, para fazer algum exercício físico: divirto-me a entrar e sair pela porta de correr; mio quando estou dentro para sair, re-mio quando estou fora para entrar. É preciso exercitar os nossos humanos. Faz-lhes bem, acreditem.
Desço até ao escritório. Uma magnífica cadeira de leitura que há muito reivindiquei para uso pessoal.
Enrolo-me sobre mim mesma.
Adormeço.
Ressono.
Abro o olho quando fazem menção de me tirar de lá ou quando pegam em algum livro.
Rosno mentalmente,
Recuam nas intenções e deixam-nos em paz (a mim e à cadeira).
Acordo.
Subo para jantar. Prato limpo, por favor.
Desço para o escritório.
Retorno à cadeira.
Quando já são horas, começo a encaminhar os humanos para a cama. Invariavelmente lembro-lhes que está na hora de dormir.
Lá tenho que fazer o número das escadas com um deles, de outro modo não sobe. Resulta sempre.
Casa de banho. Bidé. Água a correr.
Cama. Festas. Mais festas.
O humano das escadas também gosta que brinque com ele até ficar cansado. Pronto, já parou com a brincadeirinha.
Podemos dormir?
Levantem lá os lençóis e cheguem para lá.
Boa noite.
Mais para lá.
Boa noite.
Ainda não está bem. Será preciso fazer uso das unhas?
Obrigadinha.
Até amanhã.

* Então até para o ano, que será mais ou menos quando terei novamente paciência para vos escrever.

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