sexta-feira, 9 de novembro de 2012

«É a abstracta vida que me assalta»*


Desde a transmissão das palavras de Isabel Jonet na SIC Notícias, tem sido um corrupio de exageros. O exagero dos que são adeptos da condenação em praça pública (e com ela, a condenação do Banco Alimentar) é proporcional ao exagero no branqueamento do discurso (como é exemplo o texto de Henrique Monteiro, no Expresso). 

Sobre o discurso da senhora (e já agora, de outros que têm marcado ponto na televisão e jornais)...

Há pessoas que viveram acima das possibilidades? Certamente que sim. O curioso é que são principalmente as que agora dizem que temos que empobrecer, ou aguentar. O drama é que em muitos casos este discurso é proferido por quem efetivamente não empobrece (no verdadeiro sentido da palavra) ou não tem que gerir um salário mínimo ou - que digo eu - um salário mileurista. Obviamente que determinados salários ou rendimentos aguentariam e aguentariam o aniquilamento do Estado Social. Muitas das vezes, aqueles que conseguiram fugir até agora ao pagamento devido a esse Estado através de esquemas e transações muito bem geridas por especialistas na matéria (não falo, portanto, de quem recebe o RSI ou o subsídio de desemprego). O que aflige neste e outros discursos é a abstração com que se fala do povo, dos pobres, dos jovens que estão sem emprego, do cidadão em geral. São exatamente os que comem bifes todos os dias - que digo eu - os que reúnem em hotéis de luxo, frequentam restaurantes de luxo, viajam em executiva e têm motorista que os leva a todo o lado (em alguns casos com direito a despesas de representação, ajudas de custo e outras benesses que o resto dos cidadãos contribuintes não tem acesso, mas aguenta) que pautam o seu discurso com este tom miserabilista, com este tom de que todos os outros (os que não vivem dessa forma) devem abdicar do prato ao jantar (de bife, de sopa, ou até mesmo de nestum). São esses que eles e elas acham que devem aguentar o peso da derrocada do Estado Social.
Voltemos especificamente a Jonet. O trabalho que fez e faz é, obviamente, um trabalho válido. Não faço ideia se a senhora aufere de remuneração por isso ou não, nem me choca que receba. Mas isso também não a isenta de crítica. É tão livre de expressar o seu ponto de vista quanto os restantes são livres de discordar (veementemente) do mesmo. 
É que se há muitos que vão a concertos, ou compram compulsivamente, ou fazem férias 5 vezes ao ano, muitos outros há que não têm (nem tiveram) sequer o que pôr no prato ou pagar contas ou medicamentos. E muitos deles trabalharam a vida toda e nunca viveram à custa de bifes diários.

*Roubado a Manuel António Pina

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