Depois de Lara Logan (e quantas mais terá havido, sem que delas se ouvisse falar), outras repórteres ocidentais foram atacadas física e sexualmente, no cumprimento da sua função, na praça Tahir.
Entretanto, a associação Repórteres Sem Fronteiras (RSF), tão ciente da importância da liberdade de imprensa, não vê outra solução para o problema que não o afastamento das mulheres repórteres da zona.
Mas, se a questão é a segurança d@s profissionais de imprensa, então porque vem a RSF recomendar que se retirem as mulheres (esses seres que provocam perturbações incontroláveis no sexo oposto) da praça Tahir ao invés de colocar a tónica no aumento das condições de segurança para @s trabalhador@s da imprensa? A não ser que os homens estejam livres de perigo, esta recomendação não parece fazer muito sentido. Alás, um breve passar de olhos na página da associação, que costuma colocar apontar o dedo a quem agride, mata ou censura jornalistas, permite perceber que também OS jornalistas não estão isentos de perigos. Eles também são censurados, isolados, perseguidos, torturados e atacados sexualmente (parece que os homens jornalistas provocam o mesmo efeito junto de certos meios, que as mulheres repórteres junto do sexo oposto, na Praça Tahir). Alguma vez, ouvimos a RSF proclamar que as agências, jornais e televisões deveriam parar de enviar repórteres para cobrir a guerra do Iraque ou do Afeganistão devido aos repetidos ataques aos profissionais da imprensa? Alguma vez a RSF recomendou o não envio de repórteres para uma zona de guerra alegando que... sei lá, entre outras coisas, existia uma enorme probabilidade de... serem mortos? Então porquê agora esta posição?
Imaginando que a imprensa substituiria os membros femininos das suas equipas (temos muitos exemplos portugueses de mulheres em zonas de conflito), estariam os homens mais seguros? Ou iriam estes com mais condições de segurança? Mas, em que se baseia a RSF para acreditar que os jornalistas estrangeiros estarão em segurança na Praça Tahir, desde que sejam homens? E quando forem os homens jornalistas a ser atacados, irá a RSF aconselhar: "não enviem repórteres para a Praça Tahir? Enviem só as câmaras, os computadores e microfones, os homens que fiquem em casa"? Será que a RSF acha que isto é um 'assunto de mulheres'? É que, enquanto no mundo francófono europeu se legisla para proibir o uso da burqua, alegadamente, em "nome da liberdade individual das mulheres e da segurança nacional", a RSF acha que o ataque aos profissionais da imprensa (desde que estes sejam mulheres) se resolve fechando-as nas redacções. Será isto um ataque contra as mulheres - e por isso, a RSF descarta-se dizendo simplesmente: "não enviem mulheres e o assunto fica resolvido" - ou é isto um ataque à liberdade de imprensa e, em simultâneo, um ataque às mulheres repórteres?
As mulheres (jornalistas ou não) já adoptam uma série de comportamentos 'preventivos' de ataques sexuais (evitar certos percursos, evitar sair a certas horas, entre uma longa lista de coisas e comportamentos a 'evitar' e que não inibem a incidência do crime de violação), revelando uma adaptação do comportamento à prevalência deste crime. Já vi, diversas vezes, mulheres repórteres em directos a partir de países islâmicos menos moderados, com a cabeça coberta com um lenço, porém, jamais vi um repórter ocidental, no mesmo país com a barba comprida ou com a cabeça coberta (não são só as mulheres que cobrem a cabeça no Islão). São sempre as vítimas que se têm que adaptar ao comportamento do agressor. O mais grave parece-me quando uma instituição que defende a liberdade, adopta uma posição tão desigual em termos de liberdade, ferindo claramente o direito das redacções à escolha d@ enviad@ e não protegendo o direito a informar em condições de dignidade que tod@s têm.
5 comentários:
O problema, no Egito, vai bem além da liberdade das jornalistas e da imprensa, e RSF deve estar ciente disso.
Há mais ou menos um ano, encontrei o blogue, redigido em Francês, de uma mulher que tinha a dupla nacionalidade francesa e egípcia e estudava no Egito. Infelizmente, perdi o link. Ela contava que era impossível para uma mulher - qualquer mulher - andar pelas ruas sem ser tocada por homens e ouvir palavras obscenas. Ela dizia que aqueles homens se comportavam da mesma maneira com as mulheres velhas, com as mulheres vestidas de modo tradicional e também com as mulheres acompanhadas pelo marido.
O assédio sexual é o dia-a-dia da mulher egípcia que sai pelas ruas. Recentemente a situação piorou e agora existem grupos de homens que andam pelas ruas e atacam todas as mulheres que eles encontram. O governo e a polícia não fizeram/fazem nada.
Por isso, além das ideologias de liberdade e igualdade, penso que RSF falou sobretudo de maneira responsável e pragmática.
Isso dito, a jornalista francesa atacada disse que as mulheres devem continuar o trabalho. Ela disse que ela já trabalhou em outros países muçulmanos, no Iraque, e que é somente preciso se adaptar, mas que no Egito ela não tinha achado útil levar um lenço.
No meu ver, o problema no Egito é tão grave que o lenço não tinha bastado, mas, mais uma vez a vítima acha que a culpa é dela.
Mas, Horvallis, por essa ordem de ideias, a RSF teria recomendado - de forma responsável e pragmática - a retirada de todo e qualquer jornalista do Iraque, à primeira, ou à segunda ou à terceira morte.... estamos a falar de mortes. E, perante a morte de profissionais em cumprimento da sua função, a RSF denuncia os agressores, sublinha a necessidade de cuidados especiais e prevenção, mas nunca recomendou que deixasse de se cobrir um acontecimento por os jornalistas correrem perigo de vida. E, infelizmente, os números das mortes de profissionais de informação comprovam que, em certos países e períodos, é uma profissão de risco. Porém, perante a situação de ataque a mulheres repórteres, o que faz a RSF? Recomenda que elas vão para outros locais onde não "corram perigo". Sob o pretexto da sua própria segurança, empurra-se sempre as mulheres para o espaço privado, aliás, esse é mesmo um dos argumentos dos defensores do véu e também do casamento de crianças: "É entendido como uma espécie de medida preventiva contra os abusos contra as crianças partindo do princípio de que uma rapariguinha não casada, pelo simples facto de existir, é uma razão válida para incitar um homem a violá-la” (Brown, 2000:39)
A questão do assédio sexual não é uma idiossincrasia egípcia, está presente em todo o mundo, de forma mais ou menos intensa consoante as sociedades são mais ou menos desiguais em termos de género. Há outros países com números muito alarmantes de violência sexual contra as mulheres, a qual é acompanhada de outras formas de violência, incluindo o homicídio.
A atitude da RSF seria plausível se não houvesse claramente um duplo padrão. Que pensaria a classe jornalística se, nos anos 90, a RSF dissesse que as agências não deveriam enviar repórteres negros para a África do Sul ou brancos para a República Democrática do Congo (ex-Zaire), ou que as agências israelitas deveriam cobrir os acontecimentos dos países islâmicos, através de correspondentes não judeus, por alegadamente, serem territórios muito perigosos para eles?
Não faltou quem, no caso de Lara Logan, questionasse o que andava uma loira, estadounidense, a vaguear na praça Tahir. Grande equívoco, ela não andava a vaguear, ela estava a trabalhar. Suponho que fosse exatamente o mesmo que todos os repórteres mortos em serviço andassem a fazer e a quem a RSF nunca recomendou que parassem de lutar pelo direito a informar.
De modo geral, RSF se preoccupa com a segurança de todos os jornalistas em todos os países, e menciona todos os problemas de segurança nos seus sites.
Quando um jornal envia repórteres num país em estado de guerra, ele envia jornalistas preparados e os jornalistas sabem dos riscos.
O Egito não está em guerra e a priori enviar jornalistas no centro de uma cidade não comporta riscos altos.
Só que là os jornalistas foram o alvo de ataques repetidos.
Acho normal, RSF alertar sobre a situação.
Visitei o site francês, eles aconselham para aumentar a segurança dos equipes em geral e alertam as mulheres sobre a violência sexual. Não encontrei recomendação às mulheres jornalistas para deixar de ir là, mas é melhor saber da situação antes de tomar qualquer decisão. Nem todo jornalista, homem ou mulher, tem a força de caracter para enfrentar situações de violência.
Horvallis, a RSF foi amplamente criticada pela sua sugestão (há diversas discussões online acerca disto, com pontos de vista diferentes. Porém, a verdade é que, a primeira reacção da RSF foi, efectivamente, desaconselhar o envio de mulheres para cobrir este evento (fonte: Associated Press):
"The media watchdog Reporters Without Borders advised media outlets that “there is no other solution” but to hold off on sending female journalists to Egypt.
But when that advice was criticised in France on Friday, the Paris-based organisation toned down its warning, urging media outlets to show “great care with the safety of the reporters they send”.
“It is more dangerous for a woman than a man to cover the demonstrations in Tahrir Square,” Reporters Without Borders said. “That is the reality and the media must face it.”
Ceridwen,
Ouvi as críticas na França, mas como por aqui qualquer palavra por qualquer pessoa, quer que seja a palavra e quer que seja a pessoa, traz reações negativas e polêmicas infindas, não prestei atenção. Esses debates negativos o tempo todo acabam por cansar as melhores vontades.
O seu artigo me lembrou o post antigo da estudante egípcia que, na época, me tinha chocado muito, e decidi compartilhar, porque pensei que a situação extrema das mulheres no Egito era a razão do aviso.
Não tenho opinião, mas questões :
- "o que se deve fazer do ideal quando o preço a pagar é a quase certidão de um ataque por um grupo de vinte a quaranta homens sexualmente frustrados ?"
- do ponto psicológico, como é que uma pessoa (jornalista ou não, homem ou mulher) se sai de um trauma desses ?
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