sábado, 7 de maio de 2011

A Voz [feminina] Humana

Não é certamente por acaso que a primeira parte de 'Maina Mendes' é consagrada à automutilação da voz. Poucas coisas foram oferecidas com mais condescendência ao sexo feminino do que a palavra como glosa infinitamente reversível e nula de uma situação que podia suportar «falando-a», com a condição de não a transformar. (...)

Solve Sundsbo

É [essa] palavra absoluta, por sua, que Maina Mendes reclama, herdeira de séculos de silêncio e de ira sob eles soterrada, fazendo própria e grosseria libertadora que da rua masculina sobe até à sua janela de prisioneira carregada de asas precoces e de sonhos de «atilada fêmea». (...)

A mudez de Maina Mendes é negação de negação, um refluir mágico para o ponto zero a partir do qual poderá, mais tarde, inventar a fala, nem masculina, nem feminina, apenas autónoma e soberana, que os homens usufruem sem riscos e desde sempre, por «direito divino». 

Maina Mendes, o romance, é justamente a epopeia, muito portuguesmente elegíaca, da invenção dessa fala, a sua inevitável e magistral recuperação.

Eduardo Lourenço, 1977, sobre o romance Maina Mendes, de Maria Velho da Costa

Sem comentários: