Não é certamente por acaso que a primeira parte de 'Maina Mendes' é consagrada à automutilação da voz. Poucas coisas foram oferecidas com mais condescendência ao sexo feminino do que a palavra como glosa infinitamente reversível e nula de uma situação que podia suportar «falando-a», com a condição de não a transformar. (...)
Solve Sundsbo |
É [essa] palavra absoluta, por sua, que Maina Mendes reclama, herdeira de séculos de silêncio e de ira sob eles soterrada, fazendo própria e grosseria libertadora que da rua masculina sobe até à sua janela de prisioneira carregada de asas precoces e de sonhos de «atilada fêmea». (...)
A mudez de Maina Mendes é negação de negação, um refluir mágico para o ponto zero a partir do qual poderá, mais tarde, inventar a fala, nem masculina, nem feminina, apenas autónoma e soberana, que os homens usufruem sem riscos e desde sempre, por «direito divino».
Maina Mendes, o romance, é justamente a epopeia, muito portuguesmente elegíaca, da invenção dessa fala, a sua inevitável e magistral recuperação.
Eduardo Lourenço, 1977, sobre o romance Maina Mendes, de Maria Velho da Costa
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