terça-feira, 17 de maio de 2011

O poder da gravata

Caravaggio

Nos últimos dias, a clássica abertura dos telejornais nacionais -  que costuma ser um campo verde com uns atletas a correr atrás de uma bola - tem sido substituída pelo drama privado - com consequências públicas - do  futuro ex-director do FMI. 
Um Dominique Strauss-Kahn (DSK) algemado, sem gravata e, sobretudo, sem sorriso ou sem ironia,  tem invadido os ecrãs e suscitado reacções acesas. Segundo o correspondente do canal do Estado em Paris, @s frances@s não gostaram nada de ver um cidadão da República naqueles preparos e "mostram grande indignação e pouca empatia com a alegada vítima". O pivôt da RTP precisou de confirmar o que ouvira: "demonstram pouca solidariedade com a (alegada) vítima?". A explicação é que @s frances@s não esperavam ver tal cidadão ser tratado com um "criminoso comum" - afinal de contas, aquela coisa - muito comum na legislação do hemisfério norte - de tod@s serem iguais perante a lei, independentemente da classe profissional e/ou da casta social não é para ser aplicada: deve ser só porque fica bem estar na lei. Podemos então deduzir que se, sob a mesma acusação, fosse detido e filmado algemado lado a lado com outros acusados, um 'comum' cidadão francês os seus conterrâneos abanariam a cabeça em sinal de assentimento e se calhar até organizavam uma claque de apoio ao apedrejamento à condenação do citoyen.
A República francesa pode ter tido o seu início há 219 anos, no seguimento de uma Revolução que decapitou sem piedade nobreza e o povo ralé, contudo, a mentalidade que concede privilégios segundo as castas continua a residir.
Por cá, podemos apenas especular com humor como lidaria a justiça lusa com tal caso. Contudo, o ex-presidente Mário Soares (MS) - num canal televisivo - afirmou não estar "surpreendido com a acusação" uma vez que "já lhe eram conhecidos outros casos" . Porém, quando o repórter lhe perguntou se DSK estaria ainda em condições de ser candidato à presidência francesa, MS não se excusou a tecer elogios ao grande homem político e ao grande homem socialista.
É que por cá, o pessoal não é político. No fundo, tudo se resume num belo ditado popular: "faz o que eu digo não faças o que eu faço".

3 comentários:

António Conceição disse...

A questão não se coloca exactamente nos termos em que a colocou. O problema é de outra natureza e tem que ver com a dignidade humana. Algema-se e acorrenta-se o suspeito da prática de um crime, quando é credível que ele se pode tornar violento ou fugir. Era esse o caso de DSK?
Manifestamente, não.
Então submetê-lo às algemas e exibi-lo assim em público foi uma humilhação gratuita e atentatória dos direitos humanos. E - sem excluir igual ofensa à dignidade humana - foi-o muito mais do que se à mesma humilhação fosse submetido um vulgar e anónimo cidadão, porque as imagens deste último não teriam corrido o mundo. Não esqueça que igualdade significa tratar como igual o que é igual, mas também tratar de modo diferenciado o que é diferenciado. DSK é uma figura pública, ninguém podia ignorar que a sua humilhação iria ter divulgação mundial.

Ceridwen disse...

Percebo o que diz. Contudo, nos EUA não sei se o critério do uso das algemas é aquele que referiu. Quem não se lembra das imagens de Kenneth Lay (caso Enron) algemado à entrada do tribunal? Também podemos perguntar: estavam com medo de quê? Que ele roubasse alguma carteira?

Táxi Pluvioso disse...

Não é só no hemisfério norte que ninguém acredita nessa balela de todos iguais. No resto do mundo também. Não somos todos iguais, nem a vida é justa. Mas o Strauss-Khan não está com aquela farda amarela dos serviços prisionais que vestiram ao nosso Renato Seabra, portanto fizeram-lhe concessões no vestuário.

A vítima, se o foi, não acredito que ele não tivesse dinheiro para pagar o serviço, tem a vida feita. Realizou o sonho americano, suceda o que suceder, vai receber uma batelada de massa. Não só despertará simpatia, como também amor, quando regressar à Guiné.

Este caso, em termos de impacto, assemelha-se à eleição do presidente Báráque, esta causou sorrisos de empatia, orgulho, nos dirigentes, aquela, causa desnorte e vontade de trabalhar para esquecer o assunto.