quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Odete ou Odile

1.º Ato


Amante da palavra confessa, sou surpreendida com Cisne Negro de Darren Aronofsky. Não conheço nenhum dos seus filmes e já aqui confessei a minha quase insensibilidade para a realização. Apreendo-a num todo, como se fosse a malha invisível daquilo que realmente me interessa: o argumento e os diálogos. Mas este é um filme extremamente visual, num registo em que as palavras apenas suportam a mimética, real protagonista da película. E a música, a relembrar-nos o óbvio acerca  da genialidade de Tchaikovsky. 


2.º Ato

Este é um filme suportado inteiramente pela forma como é filmado e pelos desempenho dos seus protagonistas, com Natalie Portman à cabeça. A cena inicial é absolutamente premonitória de como nos colaremos a Nina, como respiraremos com ela (e quase por ela), como também nós sentiremos o colete de forças que a sufoca. Tal como a protagonista, a dissociação é de tal ordem que não conseguimos destrinçar a realidade do assustadoramente onírico.   
O filme é absolutamente claustrofóbico.  Desde o momento em que Nina é tocada pelo seu Rothbart (na figura de Thomas Leroy, o encenador e mentor e que também podia ser Mefistófeles)  até ao momento em que cede lugar a Odile, filha das exigências de Thomas Leroy, sustemos a respiração para suportar a espiral da dolorosa e demente transformação, juntamente com a protagonista. E no final, finalmente respiramos. Ou não.

3.º Ato

Odete ou Odile, ou também Eva ou Lilith, a dualidade de papéis que é exigido a esta mulher, à mulher, a todas as mulheres. Metade Eva, metade Lilith, no fio da navalha, nem demasiado Lilith, nem demasiado Eva, um pouco Odete e qualquer coisa de Odile.



6 comentários:

P disse...

:)
Adoro o realizador. Aconselho-te a ver Pi. http://www.imdb.com/title/tt0138704/

Ceridwen disse...

A minha noite de ontem foi dedicada a isto: http://en.wikipedia.org/wiki/Caterpillar_(film)
Fantasmas da guerra, fantasmas do casal e a história de como as mulheres deveriam honrar o Império (poucas pessoas podiam ver isso nesta estória).

Blueminerva disse...

Conheço toda a obra do Aronofsky... é um dos meus eleitos, no que toca a cinema. Se achaste "Cisne Negro" claustrofóbico, nem sei o que dirás de PI. No entanto, e apesar de gostar de todas as obras do Aronofsky, devo dizer que "The Fountain" atirou-me ao chão como poucos.

jorge c. disse...

É verdade. o PI é uma maluquice de claustrofobia. Foi o primeiro filme do Aranofsky e é mais ingénuo, mais confuso, pouco orientado. E o Black Swan vem, no fundo, galvanizar a sua obra num único momento sublime.

Mas, em relação a Odete e Odile devo confessar que já discordo. Não é bem discordar. Vejamos: a minha percepção levou-me para outro campo, onde Odete não pode ser Odile, porque não faz parte da sua natureza. Pode sim, relaxar (no PI, o professor do Cohen está sempre a dizer-lhe que ele precisa de relaxar, há ali um padrão). Mas ser o que não se é envolve um esforço desumano que nos prejudica, como se viu. Por isso, não acho que haja um pouco das duas, mas apenas uma em excesso.

Woman Once a Bird disse...

Eu sei que discordamos. Percebi quando li o teu texto. Mas aí é que está; na minha forma de ver o filme, ela também é Odile. Só que as camadas que foram construidas sobre essa Odile arqui-originária, pela mãe, pela disciplina, pela necessidade de ser menina até muito tarde (a infantilidade é preciosa num universo como o do Ballet, em que a aparente fragilidade corporal é graciosa), sufocou Odile, criando Odete (e durante muito tempo apenas Odete). (Também poderiamos falar de Apolo e Dionísio). E Odete adormeceu até ao dia em que começou a ser invocada e aí exigiu vingança.

jorge c. disse...

Sim, concordo com essa perspectiva. Ou seja, do sufoco é que nasce a raiva, o lado verdadeiramente negro. Sem dúvida.